Cidade Nossa

Brasília: a cidade de puro horizonte

Muito além da capital do país, sede do governo, com funções tradicionais, Brasília também é a esperança e resistência para dias melhores. Na crônica deste domingo (30), a jornalista Vanda Célia Moura faz uma reflexão sobre a importância do Distrito Federal para a cidadania

Cidade Nossa 2703 -  (crédito: Caio Gomez)
Cidade Nossa 2703 - (crédito: Caio Gomez)

Especial para o Correio — Vanda Célia Coura, jornalista

Aos 23 anos, decidi começar a vida com força, cumprindo a expectativa de praticamente todo mundo que era próximo de mim, e também minha. Nos dois anos seguintes, troquei de casa, encerrei um namoro de dois anos, pedi demissão do emprego em Juiz de Fora (MG) e, finalmente, mudei de cidade. Quando cheguei, o vento açoitava as nuvens no céu que, excepcionalmente, estava cinzento naquela manhã em Brasília.

Como eu descobriria com o tempo, a cidade não era só sede do governo, com as funções tradicionais de uma capital que reúne mais de uma centena de instituições nacionais e internacionais. Mais do que isso: Brasília estava se tornando o centro da cidadania nacional — lugar onde o principal negócio é o idealismo, a luta por uma realidade que ocupa os sonhos de quem deseja melhores condições de vida.

Brasília sempre foi central em todos os sentidos, especialmente o da Justiça que tantos brasileiros esperam ver, um dia, iluminar a sala ao passar pela porta. Aqui, desde a construção, corre a esperança. Vi isso de perto na redemocratização, com inúmeras demonstrações de lucidez e coragem para a construção de uma nova ordem nacional pacífica e democrática.

Quando cheguei, em meados da década de 1980, todos os principais tribunais de Justiça da cidade, mesmo aqueles com décadas de existência, estavam se preparando para recomeços, acossados pela Constituinte de 1988, que redefiniu leis, reclamou reformas e exigiu novas contratações, além de enfrentar a relutância de qualquer forma de burocracia em deixar de existir.

Com alegria e genuíno encantamento, andei pelos corredores do Congresso vendo a marcha por direitos dos indígenas, negros, servidores, mulheres, professores, gestores, instrutores, policiais, músicos, artistas etc., etc., etc. O Brasil escrevia, ao vivo, a Constituinte Cidadã. No fluxo, a jovem repórter corria descabelada para não perder os principais fatos da história.

Na porta do plenário da Câmara, sempre estava uma mãe com o filho que tinha síndrome de Down. Ela não arredava pé e não parecia desanimar com a indiferença da maioria. Implacável, sempre alerta, a mãe ficou em vigília por tempo integral. Conseguiu a aprovação de um ganho mínimo mensal para todas as pessoas com deficiência — feito que beneficiou milhares de brasileiros.

Na semana passada, estive na Câmara, onde vi crianças com síndrome de Dow felizes, executando passos de dança no plenário. Lembrei daquela mãe implacável e pude conferir que o espírito inclusivo da Constituinte segue inspirando e amparando avanços.

É bom confirmar que as conquistas memoráveis de 1988 seguem em marcha, como é o caso de leis que trazem equidade e humanizam as relações sociais, melhorando a situação de de tantas grávidas, aprovando o casamento entre o mesmo gênero e abrindo espaços da cidadania. A vida avançou, e Brasília se consolidou como a capital cidadã, a cidade do puro horizonte.

Tivemos bons e maus momentos, aprendemos com o passar dos anos. Agora, chegamos a bom termo na maturidade, com ponderação e sensibilidade. O caminho do consenso exige várias etapas a serem vencidas com realismo e mais justiça na distribuição dos sacrifícios para assegurar a esperança das pessoas.

O governo não é só o Executivo. O governo é Executivo, é Legislativo e Judiciário. E nenhum dos poderes pode deixar as pessoas esperando. Para isso, devem aceitar uma agenda de consenso que tenha o máximo de representatividade da população brasileira.

Passamos pela pandemia, que trouxe o pior ano de nossas vidas. Agora, temos de buscar um novo recomeço e resolver nossas urgências. Só o fanatismo se recusa a ver a grandeza da missão das instituições para a busca da solução dos conflitos da cidadania em um ambiente de polarização e visões distintas dos problemas.

Nenhuma das civilizações que enriquecem e humanizam nosso planeta pode dizer que não conhece, em seu próprio interior, os fenômenos da polarização. Como o Brasil, a maioria dos países se divide, mas é imprescindível, em todos os ambientes civilizados, a manutenção e o funcionamento das instituições por meio do diálogo e do cumprimento das leis.

O fanatismo não pode silenciar a agenda da cooperação e do diálogo e nenhum avanço é sustentável sem incorporar a dimensão da Justiça. Sempre que ouço alguém sugerir que nossa cidade é capital disso ou daquilo, lembro que Brasília é o centro nacional da Justiça e da Cidadania. Nunca me arrependi de ter vindo até aqui.

postado em 30/03/2025 06:00
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