
Especial para o Correio — Laerte Rimoli
Quando a chihuahua Xuxa partir desta para melhor não terei outro cachorrinho. Aprendi o suficiente sobre inteligência artificial, que, como a vida, passa por atualizações contínuas. Não me angustiarei mais com elas. Meus irmãos estão longe, as diferenças se aprofundam. Morre todo dia, um pouco mais, quem não pelea. Resolvidas, para alguns afortunados, as questões de sobrevivência (casa e comida), nos resta filosofar. Nascer e fenecer, verbos que balizam a existência terrena. Há privilegiados, como eu. Tenho mulher e filho que parecem personagens de conto de fadas. Mas a média da humanidade é sofrida.
Prensados por Trump, Putin, Xi Jinping e seus lamentáveis satélites políticos, assistimos à marcha da insensatez. O vil metal impulsiona guerras (que novidade). Palestinos são dizimados feito moscas, diante da passividade de um mundo pretensamente civilizado. Organismos multilaterais, como a ONU, são mera ficção. Letra morta no papel, lavrada em inglês e francês. No Brasil, os índices de desigualdade social nos colocam na triste liderança do planeta. Mas a capacidade de reação do ser humano é admirável. Afinal, somos feitos de carne, osso e alma. Na desordem, só a alma salva.
Cultura, música, solidariedade. Paciência, tolerância, resiliência. Palavras ao vento? Sentimentos que devemos acessar do instante em que acordamos até o sono noturno. Entender que religião não é arma para derrubar oponentes. É suporte emocional para superar agruras. O ambiente das redes sociais se presta a encontros, afagos e ternura. A ausência de regras e o desrespeito às diferenças transforma essa arena em rinha virtual.
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Que tal mudar o ciclo. Mais "likes" = mais generosidade. Curiosamente, o retorno a valores de genuína bondade tornou-se caminho sinuoso, minado. Nos habituamos à selvageria massificada pela internet. Alô, humanos, um passo, aliás, vários passos atrás. Acumular. Destruir. Depredar o meio ambiente. Promover a discórdia. Chega.
Atingi o que comumente se chama "era da sabedoria", o crepúsculo do homem: sete décadas vividas. Arrasto, contudo, a ganga bruta de erros cometidos. Ao olhar o retrovisor do tempo, parece que não aprendi o suficiente. Todos os reptos aqui lançados são autoaplicáveis. Por que a fúria? Por que incitar o ódio? Onde perdemos o passo?
Providenciarei outro cachorrinho, se Xuxa morrer. Ficarei atento à IA. Não serei cristalizado, mumificado. Quero conviver mais com os manos, cúmplices da juventude. Atento à boa música, à necessidade cotidiana dos desvalidos que cruzam meu caminho, consciente dos meus privilégios. Viver. Peleando. Sentindo a pressão do mundo.
Revista do Correio
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