
Qual é o segredo para se ter uma vida boa e feliz? Essa é, possivelmente, a pergunta de bilhões de reais. Afinal, todo mundo gostaria de saber, ao certo, para onde ir e o que fazer. Mais do que isso, descobrir os mistérios que fazem alguém viver por tanto tempo, atravessando os mais diferentes episódios da própria história. Infância, adolescência, faculdade, casamento, maternidade, perdas e memórias. Essa é uma breve sinopse do filme de 105 anos da dona Corina Desirée da Costa Braga — uma força da natureza.
Para começar, de fato, tem que ser mesmo do início. Imagine chegar tão longe? Cruzar um século de existência — e até um pouco mais? Tem quem consiga. O ano era 1920, na cidade de Vitória, no interior do Maranhão. Os pais, comerciantes, proporcionavam aos cinco filhos os meios necessários para que crescessem da melhor maneira possível. "Sinto saudade dos nossos natais, dos presépios da mamãe e de brincar com os meus irmãos", lembra Corina.
E a infância foi, realmente, muito boa. Não há do que se queixar. Muita diversão, cumplicidade e amor. Assim foram os primeiros 20 anos de Corina no Maranhão — e também os últimos. Em seguida, mudou-se para o Rio de Janeiro, para estudar bioquímica na Universidade Brasil. Na Cidade Maravilhosa, viveu de tudo e mais um pouco. Para além dos estudos, conheceu o grande e único amor de sua vida. Mas, garante: "Foi difícil para ele me conquistar".
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Durante um ano, Pedro Braga Filho tentou de tudo para conquistá-la. Ao relembrar o nascimento da paixão, os risos de Corina denunciam o orgulho que sente em ter feito jogo duro com o companheiro de longa data. "Eu não ia me fazer de fácil não, até porque os estudos tomavam muito de meu tempo. Mas, em uma determinada ocasião, quando o vi discursando na faculdade, foi instantâneo: eu me apaixonei", conta.
Imediatamente, o peito se encheu de admiração. Corina recorda que, nesse momento, a flecha do cupido atravessou seu coração. Desse dia em diante, os dois juntaram-se para somente a morte separá-los. Três décadas de união, até que o marido partisse, em razão de um infarto. "Eu me lembro de um vazio muito grande me tomar. O silêncio da casa, a sensação de estar perdida. Não foi nada fácil, por isso nunca mais arrumei ninguém", confessa.
Apesar da dor da perda, Corina sustentou-se em tudo aquilo que construíram. O casal de filhos, Pedro Braga Netto e Tereza Cristina Braga, é, para ela, um lembrete desse amor. Os quatro, juntos, vieram para Brasília, em 1963, quando a cidade, ainda embrionária, nascia do sonho de Juscelino Kubitschek. Na capital do país, os melhores momentos da família foram eternizados. "Aqui é a minha casa. Não há lugar melhor para morar", afirma Corina.
Ela é brasiliense!
Corina chegou a Brasília para trabalhar no Ministério da Saúde como sanitarista. Profissão que exerceu durante três décadas, até se aposentar. O marido, médico, também era funcionário da pasta. "Quando chegamos, tinham poucas quadras prontas. Vi tudo crescer", ressalta. Primeiro morou na 114 Sul, depois no Lago Norte. Por fim, encontrou o sentimento de lar, de fato, na última e atual residência, na 308 Sul, onde está há 40 anos.
Em Brasília, a família se multiplicou. "Já tenho cinco netos e duas bisnetas", celebra. Na quadra em que reside, desce sempre que pode, para pegar um Sol e admirar o lago com peixes, que fica bem próximo. Na companhia da cuidadora Fátima, que está presente na família há 14 anos, caminha a passos nem tão lentos assim. "Se não fosse o fêmur, que quebrei tempos atrás, andaria muito melhor", brinca.
De certo modo, ela não está mentindo. A força e a vitalidade de Corina são, mesmo, de impressionar. Passeia sem demonstrar cansaço e conversa que é uma beleza. As lembranças e a maneira como descreve cada traço dos momentos que viveu indicam uma capacidade invejável de memória e sanidade. "Envelhecer só é tão bom, desse jeito, porque estou saudável. Deus me livre se fosse de outra forma, doente, como outras amigas ficaram. Algumas foram acometidas pelo Alzheimer".
Nesse ponto, ela tem lá a sua razão. Assistir à vida passar pode ser bonito, mas tem as suas excentricidades. Perder pessoas, lidar com o luto. É uma condição da existência, afinal, todos estão fadados ao desencontro. No entanto, o sentimento que fica é perturbador. Mas, sobre isso, há uma herança deixada pelos pais que Corina faz questão de cultivar até hoje. Um instrumento, se pode assim viver, mais do que divino.
Fé, viagens e memórias
"Nunca precisei de terapia, todos os meus problemas resolvi rezando." Católica desde pequena, Corina não abre mão das missas televisionadas, tampouco da coleção de santos que mantém em casa. A fé, para ela, é quase como respirar: um movimento involuntário, mas que abarca todas as suas necessidades. "Para mim, a religião e a igreja sempre tiveram muita importância. Meus pais me ensinaram a rezar", acrescenta.
Realmente, em toda e qualquer oportunidade, Corina cita a fé como instrumento primordial para que chegasse aos 105 anos. Mais do que isso, enxerga a virtude divina como um combustível para uma vida boa e longeva. Somada à religião, as culturas que conheceu nas viagens que fez. Corina esteve nos cinco continentes, além de ter morado em Paris, na França, durante sete meses, em 1959, quando viajou com o marido para um curso que ele iria fazer.
"Estive na África do Sul, na Hungria, na Noruega, no Alaska. Vi as geleiras de pertinho. São experiências únicas. Comemorei aniversário no Japão e tudo", conta. Nas paredes de casa, pratos, daqueles de lembrancinhas, decorando o ambiente. Isso, segundo Corina, nasceu sem nenhum planejamento. O intuito, na verdade, era, apenas, trazer presentes especiais dos lugares que conhecia. Mas, quando percebeu, o lar já estava todo adornado.
Assim, Corina resume o que a fez chegar até aqui, tão sã e com sede de vida. Viagens, religião e boas memórias. Para além disso, um bom vinho aos domingos, aliado aos almoços com galinha — na companhia da família — e as idas ao CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil). "O único remédio que tomo é o de pressão alta. Fora esse, mais nenhum. Sempre me alimentei bem e fiz atividade física. Hoje, faço fisioterapia e hidroterapia. E, é claro, não me estresso com nada. Muita preocupação nos envelhece mal. Sei que a morte, pela idade, está perto. Mas não tenho medo dela. É que rezo muito."
Revista do Correio
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