Crônica

Cidade Nossa: O programado e a surpresa

Para o jornalista Orlando Pontes, o tempo é o senhor da razão. Mais do que isso, enxerga nas surpresas da vida um lugar para celebrar o novo

O jornalista Orlando Pontes enxerga o tempo como o senhor da razão -  (crédito: Caio Gomez)
O jornalista Orlando Pontes enxerga o tempo como o senhor da razão - (crédito: Caio Gomez)

Especial para o Correio — Orlando Pontes

Sempre fui adepto da tese de que o bom da vida são as surpresas que ela nos traz. De que o instigante é o por vir, e de que quem vive de passado é museu. Coisas muito programadas não são tão interessantes quanto aquelas que nos pegam desprevenidos e nos exigem jogo de cintura para driblá-las.

Porém, como dizem os antigos, o tempo é o senhor da razão. E, no meu caso, ultimamente, ele tem me pregado algumas peças que vêm me fazendo reavaliar meus conceitos. Será mesmo que surpresas tendem a ser mais agradáveis do que os eventos programados? Vejamos!

Era um sonolento fim de noite de uma arrastada segunda-feira. Despretensiosamente, cutucando a tela do celular, avistei um vídeo em que meu velho amigo Péter Rennó aparecia como papagaio de pirata atrás do prefeito da cidade.

Não perdi a chance de fazer-lhe uma provocação. "Virou segurança da praça?", escrevi no zap. "Bonecão de posto", respondeu-me imediatamente, ironizando a própria estatura de quase 1,90m e já emendando uma de suas tiradas: "O saco do chefe é o corrimão para o sucesso!". "Então, segura firme", retruquei, sem conter a risada.

Na mesma hora, telefonei, para continuarmos a conversa. Foram 22 minutos de um papo muito agradável — aliás, como de costume, desde que nos conhecemos há quase três décadas.

Ao final, Péter disse que viria a Brasília na semana seguinte. Fiquei de apanhá-lo no aeroporto para tomarmos um vinho e jantarmos na minha casa. Tatiana prepararia o bacalhau que só ela sabe fazer. Tudo combinado. Seria uma tarde-noite para botarmos os assuntos em dia e darmos boas gargalhadas.

Mas, para desfazer de vez minha teoria de que o bom da vida são as surpresas, na véspera da chegada do Péter a Brasília o telefone toca durante o Fantástico. Era Israel, um amigo comum lá de Itajubá, no Sul de Minas. Com voz embargada e chorando, ele dispara: "Você tá sabendo que o Péter morreu?". "Tá de sacanagem. Quer me passar um trote? Deixa eu falar com ele aí". "Não. É verdade. Ele sofreu um infarto agora há pouco".

"Qualé? Marquei de jantar com ele aqui em casa amanhã..."

Para minha tristeza, não era trote nem brincadeira.

Péter, de fato, morrera de um infarto fulminante. Desde aquele domingo, penso que teria sido muito mais interessante que os fatos tivessem seguido o curso normal, conforme programamos. Foi uma tristeza enorme passar aquela segunda-feira sem reencontrar o amigo que não via há tanto tempo, sabendo que isto não poderá acontecer nunca mais...

Depois desta imensa surpresa, passei a crer que as coisas programadas podem ser tão ou mais interessantes do que as imprevistas.

E fico questionando ao senhor da razão se ainda dá tempo de refazer minha teoria e confirmar a chegada do Péter para o nosso jantar e acabar de vez com a surpresa mais desagradável da minha vida!


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postado em 03/08/2025 06:00
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