
Especial para o Correio — Laerte Rimoli
Quando Brasília era jovem, e eu também, lá por 1977, ninguém ficava aqui nos fins de semana. A debandada para os estados de origem, preferencialmente de políticos, começava quinta-feira à noite. Viajavam o parlamentar e os funcionários do gabinete. Às sextas-feiras, a cidade ficava às moscas. Surgiram máximas, próprias da classe média, que até hoje maculam a imagem da capital: o melhor médico é a ponte aérea, não temos um restaurante decente, não sei viver sem a praia. Mas a vida corre e a primeira leva de brasilienses começou a forjar a identidade da gente do Cerrado. O Elefante Branco, o Caseb, o Rosário, o Colégio Marista Champagnat, de Taguatinga, despejaram os estudantes que iriam para a UnB e o Ceub.
Eu saía da TV Globo às 23h30 das sextas e à meia-noite estava num ônibus para Goiânia. "Tás passando uma fome grande, hein filhão?", dizia meu espirituoso pai, batendo carinhosamente no topo da minha cabeça. Durante a semana, o cardápio era macarrão EmeGê com puro purê Etti. À noite, um ovo frito e uma lata de sardinha. Até que Edilma Neiva Ibiapina, Fátima Gomes e Graça Amorim me adotaram.
Passei a comer melhor. Marmitinhas cuja lembrança até hoje aquece meu coração. Na casa da mamãe, arroz e feijão fartos, ovo capira, legumes e até pequi. Vencemos, juntos, a fase dolorosa.
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Nessa evolução que observamos do "homus brasiliense", os símbolos que causam estranhamento para o resto do Brasil, como faixa de pedestre que funciona, tesourinhas, placas de quadras com letras e sem nome de pessoas, pingentes com imagens da catedral, tornaram-se grife. O céu, os ipês, o Lago Paranoá. As feiras livres do Gama, Ceilândia e Taguatinga. Enfim, Brasília atingiu a maioridade, pulsa e encanta. Não é mais um acampamento anódino em que o poder dá as cartas. Até dá, mas a cidade reage. As bandas, os artistas aqui surgidos, o descampado único do Brasil Central. Fugas para a Chapada dos Veadeiros/Alto Paraíso ou Pirenópolis. Enfim, o sonho de Dom Bosco materializado pelo visionário JK.
Que susto foi assistir, nesta semana, ao imperador do mundo fazer observação desairosa sobre Brasília. Base falsa de dados para comparar a violência urbana em Washington aos índices daqui. No ano passado, Brasília teve 6,9 vítimas para cada 100 mil habitantes. A menor taxa de homicídios em 48 anos. A capital americana, 27,3 vítimas para cada 100 mil habitantes. Voltando ao anos 1950: "Yankees, go home". Presidente Trump, cuide do seu quintal. Brasília vai bem, obrigado!
Revista do Correio
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