Comportamento

Além do pânico: entendendo o universo de quem convive com uma fobia

A fobia é uma condição que está presente na vida de muitas pessoas. Caracterizada por um temor intenso e desproporcional, é um quadro que pode trazer sério prejuízos mentais e psicológicos

Baratas, aranhas ou aviões. O medo é uma sensação presente na vida de inúmeras pessoas. Muitas vezes, é um sentimento inexplicável, quase irracional. Contudo, em determinados casos, é uma reação natural e protetora diante de situações de risco. Ainda assim, esse pavor ilógico, por vezes, pode não ser normal. É quando esse efeito desproporcional aparece que nasce a fobia. 

De acordo com Lucas Benevides, psiquiatra e professor de medicina do Ceub, o medo prepara o corpo para enfrentar ou evitar um perigo real. Já a fobia é um temor intenso, persistente e desproporcional à ameaça existente, levando a uma evitação sistemática do estímulo temido e causando prejuízos significativos na vida pessoal, profissional ou social.

"Por exemplo: sentir desconforto ao ver uma aranha é normal; evitar sair de casa para não correr o risco de encontrar uma aranha já caracteriza uma fobia", detalha. Segundo o profissional, existe um ponto de virada em que o medo pode ganhar tais proporções. Essa transição acontece quando esse pavor torna-se exagerado e irracional, acionando respostas de ansiedade mesmo sem ameaça real e motivando comportamentos de fuga ou evitação que comprometem o dia a dia.

Nesse ponto, a reação fisiológica, como taquicardia, falta de ar, suor excessivo e sensação de pânico se torna intensa e incontrolável, indicando que a "inteligência do medo" perdeu o equilíbrio. "Existe uma predisposição genética que pode aumentar a sensibilidade do sistema nervoso e influenciar a forma como o cérebro processa ameaças. Estudos com gêmeos mostram que parentes de primeiro grau de pessoas com fobias apresentam maior risco de desenvolvê-las", explica.

Entretanto, a hereditariedade não é determinante: fatores ambientais, vivências e traumas desempenham papel tão importante quanto a carga genética. O cérebro aprende por associação. "Quando uma experiência negativa se conecta a um estímulo, como ser mordido por um cachorro, regiões como a amígdala e o hipocampo registram essa memória com intensa carga emocional", descreve Lucas.

Assim, conforme destaca o psiquiatra, esse registro pode levar a interpretar o estímulo como perigoso no futuro, mesmo em situações que trazem segurança. Em casos específicos, apenas observar outra pessoa vivenciando um trauma já é suficiente para gerar o mesmo tipo de aprendizado.

A fobia, de certa maneira, traz inúmeros impactos à vida de alguém. Para Ricardo Alves (nome fictício), 28 anos, essa é uma realidade que o acompanha desde criança. Diagnosticado com fobia social, ele enfrenta os dilemas que permeiam esse quadro. Socialização, ambiente profissional ou shows estão entre as suas maiores dificuldades. "Na infância, era introvertido e antissocial. Sem amigos, sabe? Tentava conversar, mas me excluíam", conta. 

E assim cresceu, vivendo batalhas e sobrevivendo a elas. Com terapia e acompanhamento psiquiátrico, tem melhorado. Todavia, as cicatrizes emocionais ainda permanecem. Ricardo confessa que não está em grandes círculos sociais e que se tem "um amigo", é muito. Ainda assim, conhece muitas pessoas que também lidam com o problema.

"Infelizmente, o bullying e a exclusão das pessoas à minha volta também reforçou essa condição", relata. Ricardo tem o famoso "freezer", que congela a pessoa e a deixa muda, sem que nada possa fazer. Com isso, sofre com a interatividade no dia a dia, sobretudo quando precisa conversar com alguém. 

Causa e consequência

Raphael Boechat, psiquiatra e professor do curso de medicina do Centro Universitário Uniceplac, ressalta que as fobias foram descritas inicialmente por Sigmund Freud. "A maioria dos pacientes dele era diagnosticada como fóbico e muito desse entendimento estava relacionado a traumas na infância. Até hoje, não existe uma causa única para explicar como surgem as fobias", detalha.

Todavia, há várias possíveis explicações, entre elas os traumas infantis, que são o exemplo clássico. Porém, sabe-se que existem também componentes genéticos e histórico familiar. Pessoas com casos de fobia na família têm mais risco de desenvolver o transtorno.

É possível, também, que outros quadros psicológicos e psiquiátricos estejam associados às fobias, o que é bastante comum. Entre eles depressão, dependência química e outros transtornos. "Essas condições podem aparecer como causa ou consequência. Em alguns casos, a fobia desencadeia outros quadros psiquiátricos; em outros, um transtorno preexistente pode levar ao surgimento do quadro. Traumas psicológicos, como já mencionado, também são importantes fatores desencadeantes", completa.

O impacto das fobias na vida varia conforme o tipo e a rotina da pessoa. De acordo com o profissional, alguém com fobia de insetos, cobras ou aranhas que vive em um apartamento em uma grande cidade provavelmente terá pouco ou nenhum contato com o agente fobiogênico, não sendo necessário tratamento em alguns casos. Por outro lado, uma pessoa com fobia de avião que precisa viajar constantemente a trabalho enfrentará sofrimento frequente, o que justifica o tratamento. 

De certa maneira, o mesmo ocorre com a fobia social: se a pessoa tem dificuldade para falar em público e trabalha em uma área que exige essa habilidade, o prejuízo profissional será significativo. O tratamento deve ser indicado considerando o impacto que a fobia causa na vida do indivíduo. Entre as abordagens terapêuticas, destacam-se as terapias cognitivo-comportamentais, que tendem a apresentar respostas mais rápidas.

A terapia psicanalítica, que busca compreender a origem do trauma, costuma ter resultados mais lentos. A psicanálise é indicada quando há tempo disponível para trabalhar de forma mais profunda o conteúdo emocional relacionado à fobia. Já quando é necessária uma melhora mais imediata, as terapias comportamentais costumam ser mais recomendadas.

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