Sustentar os órgãos da pelve, garantir o controle da bexiga e do intestino e até influenciar o prazer sexual: o assoalho pélvico é responsável por funções vitais do corpo feminino. Ainda assim, suas disfunções seguem cercadas de silêncio e vergonha. Segundo a BioMed Central, estima-se que entre 40% a 50% das mulheres ao redor do mundo apresentem algum tipo de disfunção nessa região.
O problema pode aparecer em diferentes fases da vida. A gestação e o parto normal estão entre os principais fatores de risco, mas o envelhecimento, o sedentarismo e o sobrepeso também comprometem a musculatura pélvica. A PubMed realizou estudos com mulheres dois anos após o parto constatou incontinência urinária em 17% após parto vaginal e 18,9% após cesariana, o que reforça que o risco existe independentemente da via de parto.
Apesar disso, apenas uma minoria das mulheres busca tratamento — parte da barreira está no desconhecimento: 81% das mulheres relatadas em uma revisão nunca haviam recebido orientação sobre o assoalho pélvico.
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Não há dados que confirmem a quantidade exata de mulheres que são afetadas pela condição, mas a Sociedade Brasileira de Urologia indica que incontinência urinária, um dos tipos de disfunção do assoalho pélvico, afeta 45% das mulheres acima de 40 anos. No geral, cerca de 10 milhões de brasileiros sofrem com algum grau de incontinência urinária.
"É comum que mulheres acreditem que perder urina ao tossir, rir ou fazer esforço é algo normal depois da gravidez ou com a chegada da menopausa, mas não é", afirma a ginecologista Vitória Espíndola, da Maternidade Brasília. Segundo ela, o desconhecimento sobre o funcionamento do assoalho pélvico ainda faz com que muitas pacientes convivam com sintomas que poderiam ser tratados com acompanhamento médico e fisioterapia pélvica. "O corpo muda, mas isso não significa que a mulher precise aceitar desconfortos como parte natural da vida", completa.
O urologista Irineu Neto reforça que a desinformação é um dos principais motivos para o atraso no diagnóstico das disfunções do assoalho pélvico. "Muitas pacientes demoram anos para procurar ajuda por vergonha ou por acharem que não há tratamento", diz. Para ele, o avanço da uroginecologia trouxe recursos eficazes e pouco invasivos, mas é essencial falar mais sobre o tema para quebrar tabus e incentivar o cuidado preventivo.
Principais causas
Gravidez e parto vaginal (especialmente com instrumental ou lacerações)
Menopausa e alterações hormonais (queda de estrogênio)
Obesidade e esforço físico excessivo, levantamento de peso repetitivo
Constipação crônica, tosse persistente, esforço para evacuar
Sedentarismo, postura inadequada, falta de exercícios específicos
Sinais de alerta
Escapes de urina ao tossir, espirrar ou rir
Sensação de peso ou "bola" na região íntima
Dificuldade para evacuar ou urinar completamente
Redução da sensibilidade íntima, dor ou desconforto na relação sexual
Etapas do diagnóstico
Registro histórico: problemas urinários, intestinais, dores e estilo de vida
Exame de musculatura: avalia forca e coordenação, prolapso e sensibilidade
Exames complementares: ressonância e ultrassonografia da pelve, estudo urodinâmico, eletromiografia e anorretomanometria
Como prevenir e tratar
Movimento é essencial — Exercícios específicos para fortalecimento da região pélvica, como os indicados pela fisioterapia pélvica, além de métodos como pilates clínico, são formas primárias de prevenção. A fisioterapia supervisionada vem sendo considerada a base do tratamento conservador, inclusive com uso de eletroestimulação ou biofeedback quando indicado.
Mudar hábitos — Manter peso corporal adequado, evitar tabagismo, tratar tosse crônica, constipação, evitar manter-se "segurando" a urina ou evacuação com esforço extremo. "O cuidado com o assoalho pélvico deve ser contínuo, especialmente após a gestação e na menopausa", ressalta a fisioterapeuta pélvica Cátia Damasceno.
Quando procurar ajuda — Qualquer sintoma de incontinência, dor ou desconforto pélvico deve ser avaliado por especialista (ginecologista, urologista ou fisioterapeuta pélvica). O diagnóstico é predominantemente clínico e o tratamento precoce, muitas vezes, evita a necessidade de cirurgia.
Palavra do especialista
Por que o pompoarismo deve integrar os cuidados com o assoalho pélvico feminino?
O pompoarismo é muito mais do que apenas uma técnica para a vida sexual — embora esse seja um dos benefícios. Basicamente, é uma prática de ativação e fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico que sustentam a bexiga, o intestino e os órgãos genitais. Ao fazer contrações e relaxamentos — ou seja, "aperta" e "solta" (método criado pela própria fisioterapeuta pélvica) —, você está treinando aquela musculatura interna que, muitas vezes, esquecemos que existe. Traz benefícios múltiplos, como a melhora no controle urinário (menos escapes de xixi), ajuda na evacuação, melhora no tônus e na sustentação de órgãos que, se frouxos, podem levar ao prolapso. Além disso, o treino traz consciência corporal: quando a mulher "entra em contato" com aqueles músculos, ela passa a usar essa musculatura no dia a dia — ao levantar pesos, tossir, acomodar-se na cadeira — e não apenas quando pensa em "fazer exercícios".
Em que momento da vida de uma mulher vale começar esses treinos? Há restrições?
O ideal é que o treino comece o mais cedo possível. Para as mais jovens, o treino pode se focar nas contrações e nos relaxamentos simples, sem acessórios internos, para que se ganhe consciência corporal. Para mulheres adultas, gestantes ou no pós-parto, o pompoarismo ajuda a recuperar a musculatura que sofreu sobrecarga na gestação ou no parto. Nas mulheres na menopausa ou mais idosas, o treino continua sendo extremamente válido — nunca é tarde para começar. As restrições estão mais ligadas às condições clínicas: se houver dor aguda pélvica, infecção ou inflamação recente, talvez seja preciso aguardar liberação médica ou fisioterapêutica. Mas, de modo geral, qualquer mulher madura que tenha musculatura pélvica pode se beneficiar. A chave é que o treino seja orientado, progressivo e adaptado à realidade de cada corpo. A mulher tem que entender que o assoalho pélvico é um conjunto de músculos e, assim como qualquer outro músculo do corpo, precisa ser fortalecido. A diferença é que ele fica escondidinho e, por isso, a gente não fala tanto sobre ele.
Além do pompoarismo, que outros exercícios ou técnicas você recomenda para fortalecer essa musculatura?
Pilates e ioga são excelentes: eles trabalham o core, melhoram a postura e aumentam a consciência corporal, o que faz toda a diferença na hora de ativar a região íntima. Já os exercícios funcionais, como agachamentos e pontes, também são ótimos aliados desde que feitos com atenção à respiração e sem sobrecarregar o assoalho pélvico. O importante é entender que o assoalho pélvico não trabalha sozinho. Ele é tipo o alicerce da casa: não adianta pintar as paredes se a base está fraca.
Cátia Damasceno é fisioterapeuta pélvica e sexóloga com especialização em saúde perinatal, acupuntura e psicologia positiva, e utiliza esse conhecimento para discutir saúde íntima e sexual, como os exercícios pélvicos.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
