
O Brasil nunca esteve tão bem representado nas vitrines e passarelas do mundo. De Nova York a Paris, de Milão a Tóquio, marcas nacionais vêm chamando atenção pela originalidade, identidade cultural e compromisso com a sustentabilidade. O que antes parecia um desafio distante, exportar moda brasileira para o mundo hoje é uma realidade que movimenta cifras bilionárias e revela o talento de designers que transformam a estética local em linguagem universal.
Entre setembro e outubro de 2025, uma intensa agenda colocou o país no radar dos principais compradores e curadores de moda. Foram 12 grandes feiras internacionais, entre elas a Who's Next e a Première Classe, em Paris, a MICAM Milano e a Coterie New York, com 163 marcas brasileiras representadas.
Por meio de projetos setoriais dedicados à moda, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) tem sido parceira na abertura de caminhos para pequenas e médias empresas levarem suas criações a eventos internacionais de alto prestígio, como as semanas de moda de Nova York, Milão e Paris. O resultado é expressivo, só em 2024, o setor exportou
US$ 2,6 bilhões, alcançando 217 mercados.
- Leia também: Comprimento mini: peças curtas são sinônimo de liberdade e expressão
- Leia também: Pele à mostra: a volta da transparência nas passarelas e nas ruas
O projeto Fashion Label Brasil, em parceria com a Abest (Associação Brasileira de Estilistas), é um exemplo de sucesso que há 20 anos promove o design autoral brasileiro mundo afora. "A ApexBrasil vem apoiando a internacionalização da moda brasileira principalmente a partir de parcerias com entidades setoriais, como Abest, Abicalçados, Abit, Assintecal, CICB e IBGM", explica Maria Paula Velloso, gerente de Indústria e Serviços da Agência. "Temos priorizado empresas com liderança feminina e baseadas nas regiões Norte e Nordeste."
Design autoral e persistência
A Serpui é sinônimo de tradição na moda exportadora. Há mais de quatro décadas, a marca paulistana encanta o mundo com suas bolsas artesanais, verdadeiras joias feitas à mão. A trajetória internacional começou em 1999, quando a fundadora, Serpui Marie, levou suas criações para a feira Coterie, em Nova York. De acordo com a idealizadora da grife, lojas de departamento e boutiques se interessaram imediatamente e, em seguida, ela foi para Paris, na Première Classe, onde compradores do mundo todo se encontram.
O segredo do sucesso, acredita Serpui Marie, está no equilíbrio entre arte, paciência e brasilidade. "As alças das bolsas são feitas com pedras brasileiras, resinas e ágatas. As pessoas hoje respeitam a moda feita no Brasil. Não enxergam mais como algo engraçado e carnavalesco, mas como um produto elegante, sofisticado. O maior desafio é conquistar o cliente e fazê-lo voltar. Isso só acontece se o produto for desejado."
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Desde 2003, a Serpui viu sua presença internacional crescer. "Quando falam na moda brasileira, as pessoas pensam em alegria e qualidade. Nosso diferencial é justamente isso, temos peças únicas, com alças em formato de banana ou tucano, que contam histórias. Ser brasileiro é o que gera o fetiche. As clientes enlouquecem quando descobrem que é feito no Brasil."
A história da Sy&Vie também revela como a determinação e o design autoral abriram fronteiras. Criada pela franco-brasileira Sylvie Quartara, a marca começou sua internacionalização em 2019, em plena pandemia. "A exportação é um processo lento, porque os compradores no exterior têm milhões de opções. É um trabalho de formiguinha, que exige persistência. O comprador não faz pedido na primeira feira, ele te observa, volta, e só depois confia."
Sylvie começou há quase três décadas com uma marca de sapato e, desde 2020, começou a criar bolsas. Ela percebeu, ao longo dos anos, uma mudança clara na forma como o design brasileiro é visto. "Há 25 anos, o made in Brazil era quase um ponto negativo. Hoje, quando digo que minhas peças são 100% brasileiras, os compradores se interessam e valorizam isso. Eles querem saber de onde vem, quem faz, isso me enche de orgulho", diz. E complementa: "Como pequena empresa, a ajuda da Apex é fundamental, os custos são altos, e o apoio para participar das feiras, ter showroom e visibilidade é essencial".
Participar das feiras trouxe amadurecimento. Segundo Sylvie, a cada evento, é possível entender melhor o público de cada país. "O americano gosta de um estilo, o europeu de outro. Na Europa, por exemplo, adoram quando aparece a madeira natural nas bolsas. É um aprendizado constante, que melhora o produto, a entrega e o posicionamento da marca." Para ela, o que o público estrangeiro mais valoriza é a autenticidade.
Brasília em destaque
No coração do país, o Distrito Federal também tem se destacado nesse movimento. A Panier Brasil, criada em Brasília, é um dos exemplos mais recentes da força criativa da capital. Com bolsas artesanais feitas a partir de fibras naturais, como palha, sisal e vime, a marca traduz brasilidade com sofisticação e propósito.
"Nossa marca começou em 2015, de uma forma bem familiar e com propósito", conta a CEO da Panier, Anna Chaves. "Eu e a Maria Laura, que hoje é diretora da empresa, havíamos acabado de fechar duas lojas multimarcas e de ter nossos bebês. Queríamos algo que nos permitisse continuar perto deles, e a ideia surgiu quando percebemos que as bolsas de palha estavam em alta no exterior. Começamos produzindo no meu próprio apartamento e logo conquistamos o público de Brasília e depois o Brasil inteiro."
Há cerca de um ano, a marca deu um passo além e expandiu internacionalmente. Guiada por práticas ambiental, social e de governança (ESG), a Panier aposta na sustentabilidade como base da produção. As bolsas são feitas com materiais naturais e produzidas sob demanda, evitando desperdícios. Reaproveitam sobras, compensam carbono com o plantio de árvores e priorizam mulheres em todas as áreas, das artesãs à gerência. Isso as conecta com o propósito que originou tudo: permitir que mães trabalhem e estejam presentes na vida de seus filhos.
O apoio da ApexBrasil, da Fibra, do Sebrae, do Sindivest e da CNI foi essencial nessa trajetória. "Eles nos ajudaram a participar de rodadas de negócios, a fazer networking e entrar nesse ecossistema da moda exportadora. Além do retorno financeiro, percebo que estar em eventos internacionais fez o público brasileiro valorizar ainda mais o nosso trabalho. O brasileiro precisa se orgulhar do que é feito aqui, com a nossa cara", afirma Anna Chaves.
A recepção da label brasiliense no exterior também tem revelado diferenças culturais interessantes. "Os brasileiros amam cores, mas em países como Japão e Chile precisamos adaptar um pouco a paleta. O maior desafio não é entrar num novo mercado, e sim continuar exportando. Exportar é criar uma relação de constância e confiança."
Um futuro que fala português
Com estilos distintos, mas propósitos semelhantes, Sy&Vie, Serpui e Panier mostram que o design brasileiro vive um momento de maturidade e reconhecimento. São marcas que unem tradição artesanal, sustentabilidade e inovação, reafirmando o Brasil como um dos polos criativos mais promissores do mundo.
"A identidade cultural brasileira também desempenha um papel essencial nessa estratégia, sendo incorporada ao design como um ativo simbólico que comunica originalidade, diversidade e criatividade", resume a gerente de competitividade da Apex, Clarissa Furtado. "Especificamente na moda, a produção brasileira dificilmente tem condições de competir em preços com grandes produtores asiáticos, especialmente a China, que concentram a maior parte da produção global. Nosso diferencial está justamente no design único das nossas peças e materiais."
Para a pesquisadora de moda Tetê Laudares, o cenário atual revela um movimento de reposicionamento da moda nacional no exterior. "A moda brasileira vem buscando se recolocar no cenário internacional por meio de showrooms e eventos que acontecem nas principais semanas de moda", observa. Segundo ela, o olhar estrangeiro costuma se encantar pela alma criativa e pela força simbólica que o trabalho manual carrega, especialmente no campo da decoração e dos acessórios. "O design de inspiração na arte popular brasileira ganha muito valor no exterior."
Apesar do avanço, Tetê acredita que ainda há lacunas importantes a serem preenchidas para que o país consolide seu lugar como referência global. Segundo ela, é preciso ampliar a capacidade de entrega do Brasil e transformar o que é primário em algo com qualidade superior, mantendo a autenticidade do design.
Ela destaca a importância de diversificar os apoios e incentivar novos atores criativos. "Precisamos de mais ferramentas para fomentar a entrada de outras vozes e expressões. Há uma tentativa de cooperação internacional, inclusive de países como a Itália, que buscam contribuir com o desenvolvimento do setor. É um diálogo que precisa avançar, com mais oportunidades e variedade também nas lojas que representam o Brasil lá fora."

Revista do Correio
Revista do Correio
Revista do Correio