Comportamento

Brincar e celebrar: quando as brincadeiras viram o coração do Natal

Muito além da ceia, jogos e dinâmicas criativas aproximam famílias e amigos, reforçando vínculos e renovando o clima de celebração

Thaís e as amigas ganharam presentes e se divertiram bastante no processo  -  (crédito: Arquivo pessoal)
Thaís e as amigas ganharam presentes e se divertiram bastante no processo - (crédito: Arquivo pessoal)

Em meio a ceias fartas, casas cheias e expectativas acumuladas ao longo do ano, o Natal costuma carregar uma mistura intensa de afeto, nostalgia e tensão. Para algumas famílias e grupos de amigos, no entanto, o caminho encontrado para amenizar esse encontro coletivo passa menos pela mesa e mais pelo chão da sala: é ali, entre risadas, regras simples e jogos improvisados, que o vínculo se renova. 

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Apesar da predominância dos velhos e conhecidos "amigo secreto" e "amigo da onça", novas brincadeiras e jogos vêm renovando o espírito nas festas e confraternizações de fim de ano, como competições leves e divertidas, disputas engraçadas valendo prêmios e até bingo, com presentes ou prendas, tudo para tornar o clima o mais divertido possível. 

Segundo a psicóloga, psicanalista e neuropsicóloga Silvia Oliveira, brincar cumpre justamente essa função de reconectar as pessoas. "O brincar é uma forma simples de 'costurar' a família por alguns instantes. Em vez de cada um ficar preso ao seu papel habitual, o jogo muda a cena: coloca todo mundo no mesmo chão, com regras claras e um objetivo leve", explica. Para ela, a brincadeira ajuda a casa a sair do modo tensão e entrar no modo encontro.

É o caso da família da Juce Martins, 46 anos, consultora técnica, que transformou as brincadeiras no eixo central da celebração natalina. A tradição começou quando os irmãos passaram a ter filhos e sentiram a necessidade de manter todos próximos. "Isso é uma tradição de muitos anos, desde quando nós, irmãos, começamos a ter filhos e sentimos essa necessidade de unir a família", conta. 

Hoje, são cerca de 15 pessoas reunidas todos os anos, com combinados claros e inegociáveis. "Nós somos proibidos de viajar. Ninguém pode fazer outra coisa que não seja passar o Natal com a gente", diz Juce. Além disso, preferem preservar a intimidade do grupo, evitando incluir convidados de fora. "Já deixamos outras pessoas participarem uma vez e achamos horrível. Então ficou só a família mesmo."

Com o crescimento das crianças, as brincadeiras também evoluíram. O que começou com jogos mais infantis foi ganhando novas dinâmicas, acompanhando as idades e os interesses. Juce assumiu o papel de organizadora oficial: ao longo do ano, anota ideias, compra objetos e planeja cada etapa da noite. "Eu fico responsável por comprar os objetos, anotar as brincadeiras e preparar tudo."

Cada jogo tem premiação, o que aumenta o envolvimento dos adultos e transforma todos em participantes ativos. "Hoje não são mais brinquedos. A gente compra itens para premiar quem ganha, e todo mundo entra na disputa", conta. Entre todas, a mais aguardada e temida é o "amigo da onça". "É uma disputa danada, porque todo mundo quer roubar o presente do outro."

Para a psicóloga, esse tipo de dinâmica ajuda, inclusive, a regular emoções comuns às festas de fim de ano. "Psicologicamente, isso ajuda a regular o clima: o corpo relaxa, o tom de voz muda e a atenção se volta para o aqui-e-agora", afirma. Em uma leitura psicanalítica, segundo ela, "a brincadeira dá um lugar simbólico para o vínculo: por alguns minutos, o laço fala mais alto do que a disputa".

Juce e seus filhos e netos também usam pijamas combinando
Juce faz questão que os familiares usem pijamas combinando (foto: Arquivo pessoal)

Na família de Juce, até bingo entra na lista de brincadeiras
Na família de Juce, até bingo entra na lista de brincadeiras (foto: Arquivo pessoal)

Também entre amigos

A presença das brincadeiras não se limita ao ambiente familiar. Entre amigos, as dinâmicas lúdicas também funcionam como ponte para criar intimidade, mesmo quando o grupo ainda está se conhecendo. Foi o que viveu a maquiadora Thais Moura, 29 anos, em uma confraternização planejada por uma amiga entre elas. 

O grupo, formado por oito mulheres, já se conhecia pelas redes sociais, mas quase não tinha convivido presencialmente. "Nesse dia da confraternização, ficamos rindo, conversando e fofocando", lembra Thais. O gelo foi quebrado com uma brincadeira simples, encontrada no Instagram: a chamada "confra das cores".

Cada participante escolheu uma cor e montou uma sacolinha apenas com itens daquele tom. Na hora de abrir os presentes, os objetos viraram motivo de piadas e comentários bem-humorados. "Na sacolinha verde tinha um gel massageador de arnica, na preta tinha um incenso. Cada sacola tinha algo diferente, e isso rendia gracinhas e palhaçadas", conta.

Para Silvia, brincadeiras assim favorecem a criação de memórias afetivas porque envolvem participação real. "As brincadeiras que viram memória são as que deixam um 'gosto bom' no final, riso, surpresa ou a sensação de que o grupo ficou mais perto", afirma. Ela destaca ainda formatos simples, como mímicas, jogos rápidos e karaokê, desde que o ambiente seja de acolhimento, não de julgamento.

"Uma ideia que ajuda a tornar a memória ainda mais afetiva é encerrar com um gesto pequeno: um aplauso para todos, uma 'foto do momento' ou uma frase de agradecimento. É o tipo de detalhe que fica", acrescenta a psicóloga. 

Thaís e as amigas ganharam presentes e se divertiram bastante no processo
Thaís e as amigas ganharam presentes e se divertiram bastante no processo (foto: Arquivo pessoal)

Brincar como pausa e cuidado

Em encontros prolongados, como as festas de fim de ano, o jogo também funciona como uma pausa simbólica para possíveis conflitos. "O jogo funciona como um desvio saudável de qualquer discussão, não nega as diferenças, mas impede que a casa vire tribunal", explica a especialista. Segundo ela, quando há regras e turnos, as provocações perdem força e o clima baixa, protegendo o encontro.

Silvia ressalta que a participação dos adultos não precisa infantilizar o ambiente. "O adulto entra como participante, não como juiz. Não é fazer palhaçada, é sustentar leveza", pontua. Para isso, ela sugere evitar jogos que exponham alguém, priorizar dinâmicas curtas e valorizar a participação, não a performance.

Seja em famílias numerosas ou entre amigos recém- aproximados, as brincadeiras aparecem como um recurso simples e poderoso para transformar o Natal em encontro. Mais do que competir, trata-se de compartilhar um tempo comum e produzir lembranças que sobrevivem à ceia.

*Estagiária sob supervisão de José Carlos Viera 

 


  • Na família de Juce, até bingo entra na lista de brincadeiras
    Na família de Juce, até bingo entra na lista de brincadeiras Foto: Arquivo pessoal
  • Juce faz questão que os familiares usem pijamas combinando
    Juce faz questão que os familiares usem pijamas combinando Foto: Arquivo pessoal
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postado em 21/12/2025 06:00 / atualizado em 21/12/2025 06:00
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