Tradicionalmente, o Natal é uma época de encontros familiares e celebrações íntimas. Mas para quem vive relacionamentos poliamorosos, a data pode assumir significados diferentes e mais complexos. A experiência envolve negociação de afetos, logística de convivência e celebração de múltiplos vínculos, ao mesmo tempo em que mantém o espírito de afeto, troca de presentes e convivência típica da temporada.
Entender como adeptos do poliamor se organizam durante o Natal ajuda a ampliar a percepção sobre a diversidade afetiva e a forma como diferentes arranjos de relacionamentos vivem rituais culturais compartilhados. Por isso, o Correio conversou com trisais para compreender o que muda na dinâmica comemorativa, e como as famílias se adequam às comemorações natalinas. Confira:
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Natal em dose tripla
Neste trisal, composto por Emanuel Caires — ou Manu —, Marciano Chimenes e Luiz Cláudio de Castro, a tradição natalina é em conjunto. “Nossa tradição de Natal é montar a árvore juntos, colocando os presentes à sua volta, e comer tranquilamente no dia 24, na véspera”, contam. No entanto, 2025 marca o primeiro ano em que Castro passará as comemorações com os companheiros, e não com toda a família reunida.
Manu e Marciano nutriam uma união estável há 15 anos quando, há cerca de seis meses, decidiram incluir Castro no relacionamento. “Superar o preconceito também é complicado, especialmente porque ele já existe em relações homoafetivas e tende a ser ainda maior quando envolve três pessoas”, relembram. “Além das questões externas, há os obstáculos do cotidiano: cada indivíduo possui características próprias e hábitos, e equilibrar isso já é complexo para duas pessoas, tornando-se ainda mais desafiador entre três.”
Junto com o irmão de Manu — criado por ele e Marciano desde que tinha 13 anos —, o trisal sempre dialoga em conjunto para tomar decisões importantes. “Uma das primeiras coisas que fizemos ao iniciar o relacionamento foi preencher nossas planilhas de combinados”, apontam. “Mudamos nossos planos e abrimos mão de certas coisas para que a relação funcione.”
No primeiro mês de namoro, o trisal já foi recebido e acolhido pela família do mais novo integrante. “Castro até diz que somos os primeiros namorados dele que a mãe dele gostou”, diz Manu. Eles ainda reforçam que não se trata de libertinagem, mas sim de amor — mesmo que, no início, um pensamento recorrente era “e se um gostar mais do outro do que de mim?”. Agora, a base do trio é se apoiar no diálogo e no respeito.
Para eles, a disposição de entender as diversas formas de amor é essencial. “Nós mesmos, o casal “original”, não queríamos relacionamento a três, não buscávamos isso e sempre dizíamos que não iríamos entrar nessa. Mas nos envolvemos e deixamos acontecer, pois sentimos que era algo mais forte do que simplesmente uma ‘marmita’”, afirma Manu.
As famílias dos integrantes do trisal receberam e aceitaram a relação, acolhendo-os sempre que possível em datas comemorativas. “A família do Emanuel ainda não conheceu o Castro, pois eles moram em Campo Grande (MS), mas logo estaremos lá para apresentá-lo. A expectativa é de que seja bem recebido pela irmã, pelos irmãos, sobrinhos e sobrinhas”, antecipam. “Em casa, o Ulisses, que é praticamente nosso filho, já sente falta quando o Castro não está, perguntando dele sempre que não o vê por aqui. A única que não gosta do Castro de jeito nenhum é a Judite, nossa gata, que vive atacando-o pelas costas.”
Família acima de parentes
Erick Rodrigues, 43, Regislene Carvalho, 41 e Hassana Azanki, 23, passam o Natal juntos, em casa e com os filhos, devido à distância com o restante da família. “É um momento nosso, íntimo e familiar”, descrevem. As mulheres, ambas bissexuais, também relacionam-se entre si no trisal.
A dinâmica de comemorações, no entanto, mudou após Hassana integrar o relacionamento. Regislene não mantém vínculos familiares devido a conflitos, enquanto Erick tem contato apenas com a mãe. “Então, hoje, o Natal é vivido exclusivamente entre nós. A nossa família passou a ser construída dentro de casa, de forma muito clara e consciente”, ressaltam.
A divisão da ceia virou um ritual entre a família: Hassana e uma das filhas são responsáveis pelas sobremesas; Regislene prepara os pratos salgados; e Erick cuida das bebidas e da organização geral. “As sobremesas são pensadas quase o ano inteiro, elas se empolgam, planejam, criam expectativa. Já eu mantenho as comidas tradicionais que todos gostam, como arroz com passas, peru e outros pratos clássicos da nossa ceia”, conta Regislene.
Mesmo no Natal, o trisal opina que não faz sentido buscar reaproximação familiar apenas por ser uma data simbólica. “Aprendemos a respeitar as escolhas feitas, tanto as nossas quanto as dos outros. Existe um combinado muito claro entre nós: se um não pode ir, ninguém vai. Seguimos a vida com tranquilidade e coerência”, argumentam. “Para nós, família somos nós; os demais são parentes.”
“Sempre fomos muito unidos, enquanto casal, antes, e agora nessa configuração. Nunca passamos o Natal separados. Talvez o não convite ou a não presença em casas de familiares tenha um peso simbólico, mas, na prática, é natural estarmos juntos. O Natal representa união, pertencimento e a confirmação da família que escolhemos construir”, completa Regislene.
Decisão entre duas parceiras
A., homem de 24 anos que optou por não ser identificado, mantém dois namoros distintos, no qual as parceiras não relacionam-se entre si, mas consentem com dividir um namorado. Durante o planejamento das comemorações, a organização é feita com antecedência. “O Natal não é uma data que dá para improvisar”, explica. “Converso separadamente com cada uma, explico meus planos e vejo como cada relação pode ser contemplada sem ultrapassar os limites acordados.”
Conforme o planejamento, a data é distribuída entre as companheiras. “Às vezes passo a ceia com uma e reservo outro momento simbólico com a outra, como o almoço do dia 25. O importante é que nenhuma seja pega de surpresa”, destaca. Neste ano, A. passará a véspera com sua família, e o dia 25 com a família de uma das namoradas, enquanto a segunda companheira dedicará tempo aos próprios parentes.
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Partindo da ideia de que datas simbólicas precisam de acordo explícito, expectativas emocionais são conversadas, não havendo apenas diálogo sobre horário ou presença física. No início, no entanto, celebrações já revelaram comparações e inseguranças. “Hoje isso é menos frequente porque aprendemos a nomear esses sentimentos antes que eles virem conflito”, comemora. Embora não acredite em uma compensação para a que não passará o Natal com ele, A. reconhece a necessidade de estar mais presente emocionalmente.
Em suma, o Natal em relacionamentos poliamorosos revela que a data pode ser vivida de formas diversas, priorizando diálogo, respeito e apoio mútuo. Mais do que seguir tradições familiares convencionais, esses grupos constroem suas próprias rotinas, celebrando afetos múltiplos e reforçando vínculos escolhidos. A experiência mostra que o sentido da comemoração vai além de laços de sangue, destacando a importância de amor, pertencimento e união em qualquer configuração relacional.
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