Por mais sofisticados que sejam, exames para a detecção de câncer de mama podem resultar em falso positivo ou negativo. Além disso, especialmente quando o tumor é classificado de risco médio (grau 2), a caracterização não é suficientemente precisa para guiar a terapia, o que pode levar o médico a tratar a paciente com sessões excessivas de quimioterapia ou mesmo com dosagens e frequência aquém do necessário. A inteligência artificial (IA), porém, pode mudar esse cenário, segundo dois estudos recentes e independentes.
“A classificação de risco de um tumor é realizada manualmente por patologistas e está associada a uma incerteza substancial. Estudos anteriores encontraram maior concordância na identificação dos tumores mais agressivos, de grau 3, e menor, na distinção entre tumores de grau 1 e 2”, conta Johan Hartman, professor do Departamento de Oncologia-Patologia do Instituto Karolinska, na Suécia. O grupo intermediário, o 2, é responsável por, aproximadamente, metade dos casos mundiais e, comparado com os demais, o que exibe maior variação entre padrões morfológicos. “Por isso, é o que apresenta maiores desafios para decidir o tratamento ideal”, diz o médico.
Hartman conta que alguns hospitais começaram, recentemente, a recorrer ao diagnóstico molecular para melhorar a precisão da avaliação do risco de câncer de mama. Contudo, esses métodos costumam ser caros e com resultados demorados. Os pesquisadores da instituição desenvolveram e avaliaram, então, um método baseado em IA para análise de tecidos. Em um artigo publicado nos Anais de Oncologia, do Congresso Anual da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica, os cientistas mostram que a metodologia é capaz de dividir ainda mais as pacientes com tumores de grau 2 em dois subgrupos: um de alto risco e um de baixo risco de recorrência, que são claramente distinguíveis, o que aumenta a precisão do diagnóstico.
O modelo IA foi treinado para reconhecer características de imagens microscópicas de alta resolução de tumores de diferentes graus em um extenso banco de dados, contendo 2,8 mil lâminas com tecidos de pacientes de câncer de mama.
O software classificou os tumores de acordo com características morfológicas e moleculares. “Uma grande vantagem do método é que ele é econômico e rápido, uma vez que se baseia em imagens microscópicas de amostras de tecido, o que já faz parte de procedimento hospitalar”, diz Hartman. “Isso nos permite oferecer esse tipo de diagnóstico a mais pessoas e melhorar nossa capacidade de dar o tratamento certo a qualquer uma delas.”
Testes
Primeiro, o software foi testado com amostras de tumores de grau 1 e 3, sobre os quais não havia dúvida a respeito da classificação. O objetivo foi verificar se a IA faria corretamente o diagnóstico. A máquina teve um índice de acerto comparável ao das análises clínicas, feitas pelo patologista. Em seguida, os testes foram realizados com tecidos de cânceres de grau 2. Nesse caso, a intenção dos pesquisadores era que o programa pudesse diferenciar os subtipos, o que ele fez com precisão.
Ao comparar a classificação dos tumores de grau 2 feita pela IA com o prognóstico das pacientes cujas amostras foram analisadas, os cientistas concluíram que o software definiu com acurácia dois subtipos, sendo um mais grave que o outro. “É fantástico que o aprendizado profundo possa nos ajudar a desenvolver modelos que não apenas reproduzem o que os médicos especialistas fazem hoje, mas também nos permitem extrair informações além do alcance do olho humano”, diz o coautor Mattias Rantalainen, professor-associado e líder do grupo de pesquisa no Departamento de Epidemiologia Médica e Bioestatística do Instituto Karolinska.
O método ainda não está pronto para aplicação clínica, mas um produto aprovado por regulamentação está sendo desenvolvido por uma empresa recém-criada, a Stratipath AB, que é apoiada pela KI Innovations, braço de inovação tecnológica do instituto sueco. Os pesquisadores, agora, avaliarão mais o método, com o objetivo de lançar um produto no mercado até o ano que vem.
“Uma grande vantagem do método é que ele é econômico e rápido, uma vez que se baseia em imagens microscópicas de amostras de tecido, o que já faz parte de procedimento hospitalar”
Johan Hartman, professor do Departamento de Oncologia-Patologia do Instituto Karolinska
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Risco de vírus infectar humano
A maioria das doenças infecciosas emergentes em humanos, como a covid-19, são zoonóticas — causadas por vírus originários de outras espécies animais. Um estudo publicado na revista PLOS Biology por Nardus Mollentze, Simon Babayan e Daniel Streicker, da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, sugere que o aprendizado de máquina, um tipo de inteligência artificial, que usa genomas virais pode prever a probabilidade de qualquer vírus zoonótico ser transmitido também para humanos.
Para desenvolver os modelos de aprendizado de máquina usando sequências do genoma viral, os pesquisadores, primeiro, compilaram um conjunto de dados de 861 espécies de patógenos do tipo, de 36 famílias. Eles, então, construíram modelos que atribuíram uma probabilidade de infecção humana com base nos padrões genéticos virais. Os autores, em seguida, aplicaram o modelo de melhor desempenho para analisar padrões no potencial zoonótico de uma variedade de espécies.
Eles descobriram que os genomas virais podem ter características generalizáveis que são independentes das relações taxonômicas do vírus, predispondo os micro-organismos a infectar humanos. Os patógenos sinalizados pelos modelos exigirão testes laboratoriais de confirmação antes de se realizarem grandes investimentos adicionais em pesquisas, sustentam os pesquisadores.
Além disso, embora esses modelos prevejam se os patógenos podem contaminar pessoas, a capacidade infectante é apenas uma parte do risco zoonótico mais amplo, que também é influenciado pela virulência a capacidade de transmissão entre humanos e as condições ecológicas no momento da exposição a ele.
De acordo com os autores, “os resultados mostram que o potencial zoonótico dos vírus pode ser inferido em uma extensão surpreendentemente grande a partir de sua sequência de genoma. Ao destacar os vírus com maior potencial para se tornarem zoonóticos, a classificação baseada no genoma permite que uma caracterização ecológica e virológica adicional seja direcionada de forma mais eficaz.” Segundo Babayan, “essas descobertas adicionam uma peça crucial à já surpreendente quantidade de informações que podemos extrair da sequência genética de vírus usando técnicas de IA”.
Melhor leitura do ultrassom
Na Universidade de Nova York, pesquisadores também desenvolveram uma ferramenta de inteligência artificial (IA) para melhorar a precisão das imagens de câncer de mama e ajudar os médicos a tomarem decisões mais acertadas. O programa foi treinado para identificar padrões entre milhares de imagens de ultrassom das mamas. De acordo com a equipe, trata-se da maior análise de IA para um tumor do tipo: foram utilizados 288.767 exames, realizados por 143.203 pacientes tratadas nos hospitais da instituição entre 2012 e 2018.
Quando testado em 44.755 exames de ultrassom já concluídos, o software aumentou a capacidade do radiologista de identificar com precisão o câncer de mama em 37% dos casos. Além disso, a ferramenta ajudou a reduzir o número de amostras de tecido e biópsias necessárias para confirmar tumores em 27%. Com o uso do modelo AI, a precisão média aumentou para 96%. Todos os diagnósticos foram verificados em relação aos resultados da biópsia do tecido. “Nosso estudo demonstra como a inteligência artificial pode ajudar os radiologistas a ler exames de ultrassom de mama para revelar apenas aqueles que mostram sinais reais de câncer e evitar a verificação por biópsia em casos que se mostraram benignos”, diz o pesquisador Krzysztof Geras.
Os exames de ultrassom usam ondas sonoras de alta frequência que passam pelo tecido para criar imagens em tempo real da mama. Embora o método não seja normalmente usado como uma ferramenta de rastreamento do câncer de mama, ele tem servido como uma alternativa à mamografia ou para testes de acompanhamento. Segundo os pesquisadores, trata-se de uma alternativa mais barata e mais amplamente disponível nas clínicas. Além disso, não envolve a exposição à radiação e é melhor do que a mamografia para penetrar no tecido mamário denso, distinguindo células saudáveis de tumores, afirmam.
Triagem
No entanto, a tecnologia também resulta em muitos diagnósticos falsos de câncer de mama, gerando ansiedade e procedimentos desnecessários para as pacientes. Alguns estudos mostraram que diversos exames de ultrassom de mama que indicam sinais de câncer revelam-se não cancerosos após a biópsia.
“Se nossos esforços para usar o aprendizado de máquina como uma ferramenta de triagem para estudos de ultrassom forem bem-sucedidos, o ultrassom pode se tornar uma ferramenta mais eficaz no rastreamento do câncer de mama, especialmente como uma alternativa à mamografia e para aqueles com tecido mamário denso”, disse, em nota, a radiologista Linda Moy. “O impacto futuro na melhoria da saúde das mamas das mulheres pode ser profundo”, acrescentou.
Os pesquisadores notam que, embora os resultados iniciais sejam promissores, por enquanto, foram estudados apenas exames que haviam sido feitos previamente. Para a implantação da ferramenta na rotina hospitalar, os ensaios clínicos precisam ser feitos em pacientes atuais e em condições reais. Geras também planeja refinar o software de IA para incluir informações adicionais do paciente, como histórico familiar e mutação genética associada ao câncer de mama, o que ajuda a determinar o risco. (PO)
Anne-Christine Poujoulat/AFP - 9/10/17
Sinais de tumor que aparecem no exame são avaliados na biópsias: IA pode dispensar etapa invasiva