Quatro modelos de robôs flexíveis podem revolucionar tratamentos médicos a partir do monitoramento das funções fisiológicas do corpo humano — o funcionamento do coração, da pressão sanguínea, do estômago e da bexiga. Esses dispositivos, produzidos por meio de nanocompósitos, são colocados no organismo de duas formas: por ingestão ou cirurgia, conforme a situação. Os dados dos indicadores de saúde são coletados em tempo real.
O estudo é conduzido por cientistas da Universidade da Carolina do Norte e Chapel Hill (UNC), nos Estados Unidos, e a pesquisa foi publicada na Nature Communications. Dos quatro pequenos robôs, o mais adiantado é o que verifica os indicadores cardíacos (imagem ao lado), pois foi testado em camundongos vivos. Os outros três aguardam experiências em seres vivos.
"(Os robôs) são projetados para fixação suave nos tecidos, reduzindo o estresse e danos potenciais. Inspirados em formas naturais, como estrelas-do-mar e vagens, eles podem transformar suas estruturas para realizar diferentes tarefas com eficiência" diz Lin Zhang (foto), líder da pesquisa, em comunicado à imprensa, acrescentando que maleabilidade dos robôs permite que eles sejam anexados aos tecidos com força especificamente moderada para realizar suas funções.
"Para aplicações dentro do corpo humano, a flexibilidade é fundamental. No estudo, ela permite que o mesmo 'corpo' do robô se movimente para se locomover dentro do organismo e se 'agarrar' em algum órgão e realizar as medidas e intervenções. Algo parecido com um polvo ou outros invertebrados", afirma Roberto Baptista, pesquisador do Laboratório de Automação de Robôs da Universidade de Brasília (Lara-UnB).
Dupla atuação
Confeccionada no departamento de Ciências Físicas Aplicadas da UCN, a estrutura tem duas camadas conectadas por um bioadesivo intermediário. A primeira é a chamada "e-skin", a superfície externa do robô feita à base de polímeros que imita propriedades físicas da pele, que contém sensores integrados que captam informações de deformação do material, pressão, acidez (pH) e temperatura. Além disso, são inseridos estimuladores, que permitem respostas físicas em função dos indicadores captados.
A segunda camada é feita com um hidrogel sensível à temperatura, que permite aos robôs entrarem em atividade e se adaptarem em função desse fator. Segundo o artigo, ela exerce o papel de um músculo artificial, oferecendo a força necessária aos movimentos dos robôs.
Funções
Os quatro modelos de robôs têm a mesma base material, no entanto seu desenho varia de acordo com a função desempenhada. Para monitoramento do fluxo sanguíneo e pressão, a proposta é uma forma de fita inserida cirurgicamente que se enrola ao redor da artéria.
No caso de monitoramento e aplicação de medicação no estômago, o modelo de robô é plano para a ingestão, mas se abre em arco quando chega ao estômago. Os outros dois protótipos têm formas similares a pinças.
A pinça de quatro braços foi projetada para verificar o volume da bexiga humana de modo a auxiliar em caso de incontinência urinária por transbordamento, em que o paciente tem dificuldade de perceber que a bexiga está cheia. Já a de seis braços, lembrando um asterisco, monitora a atividade cardíaca e pode estimulá-la com impulsos elétricos.
Embora exista uma variedade de aplicações pensadas pelos cientistas, os testes in-vivo só foram executados no caso do último robô destinado às funções cardíacas. Além disso, a experiência de monitoramento cardíaco foi realizada apenas em camundongos, não sendo mencionada a previsão para os testes em humanos.
Os resultados da colocação em roedores demonstraram eficácia dos sensores, viabilidade do controle dos braços com base nas leituras em tempo real e aceitação do organismo dos indivíduos. Os outros três dispositivos — do estômago, da bexiga e de pressão sanguínea — foram aplicados apenas em modelos.
Baptista confirma que a pesquisa é promissora, em particular porque combina a possibilidade de monitoramento constante com dispositivos minimamente invasivos, no entanto ressalta que é difícil prever quando os robôs da UNC poderão ser efetivamente utilizados na clínica. "Mesmo em países desenvolvidos, esse tipo de tecnologia ainda é uma promessa e teremos um longo caminho até chegar a um produto comercial. Tudo vai depender do custo-benefício."
Para saber mais
Os microrrobôs foram construídos a partir de uma combinação de materiais, que se apresentam em estados diferentes em um mesmo instrumento, à base de nanocompósitos, compósitos em que uma fase, chamada de dispersa ou particulada — apresenta pelo menos uma de suas dimensões inferior a 100 nanômetros (nm).
Roberto Baptista, pesquisador no Lara-UnB, explica que, no caso da pesquisa da UNC, os nanocompósitos são estruturas de base que permitem o entrelace de materiais distintos criando um "tecido". "O material pode ter uma flexibilidade elevada e as estruturas podem se comportar como motores e sensores. É como imaginar a diferença dos nossos músculos, da pele e um braço robótico movido por um motor elétrico", ressalta.
Segundo Borges, o fato de conjugar elementos atuadores e sensores no mesmo dispositivo os aproxima mais do modelo de estruturas biológicas. "Como existem sensores de temperatura, de umidade, de força, que convertem essas grandezas em grandezas elétricas, há os atuadores que realizam o contrário, convertendo grandezas elétricas em temperatura ou força. Seu emprego no corpo humano traz desafios de integração muito grande", diz.
Geovany Borges, coordenador do Lara-UnB, ressalta que o princípio dos nanocompósitos pode ser compreendido a partir dos termômetros antigos: a diferença de estado do mercúrio e do vidro em resposta à temperatura é o que tornava possível verificar uma febre. "Em alguns sensores eletrônicos, o princípio é parecido. E esses princípios se apresentam em alguns nanocompósitos, o que permite fazer sensores com eles", conclui o cientista.
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi
Saiba Mais
O que são nanocompósitos
Os microrrobôs foram construídos a partir de uma combinação de materiais, que se apresentam em estados diferentes em um mesmo instrumento, à base de nanocompósitos, compósitos em que uma fase, chamada de dispersa ou particulada — apresenta pelo menos uma de suas dimensões inferior a 100 nanômetros (nm).
Roberto Baptista, pesquisador no Lara-UnB, explica que, no caso da pesquisa da UNC, os nanocompósitos são estruturas de base que permitem o entrelace de materiais distintos criando um "tecido". "O material pode ter uma flexibilidade elevada e as estruturas podem se comportar como motores e sensores. É como imaginar a diferença dos nossos músculos, da pele e um braço robótico movido por um motor elétrico", ressalta.
Segundo Borges, o fato de conjugar elementos atuadores e sensores no mesmo dispositivo os aproxima mais do modelo de estruturas biológicas. "Como existem sensores de temperatura, de umidade, de força, que convertem essas grandezas em grandezas elétricas, há os atuadores que realizam o contrário, convertendo grandezas elétricas em temperatura ou força. Seu emprego no corpo humano traz desafios de integração muito grande", diz.
Geovany Borges, coordenador do Lara-UnB, ressalta que o princípio dos nanocompósitos pode ser compreendido a partir dos termômetros antigos: a diferença de estado do mercúrio e do vidro em resposta à temperatura é o que tornava possível verificar uma febre. "Em alguns sensores eletrônicos, o princípio é parecido. E esses princípios se apresentam em alguns nanocompósitos, o que permite fazer sensores com eles", conclui o cientista.