Pesquisadores sob coordenação da Universidade McGill, no Canadá, conseguiram desenvolver uma ferramenta capaz de ajustar e até reduzir as doses de medicamentos prescritas para os idosos. Batizada de MedSafer, a tecnologia foi projetada para identificar medicamentos potencialmente desnecessários ou prejudiciais, contribuindo para uma prática cada vez mais necessária na geriatria: a desprescrição segura.
Testada em um estudo clínico por cinco instituições de cuidados prolongados na província canadense de New Brunswick, a plataforma auxiliou os profissionais de saúde a interromperem o uso de medicamentos inadequados em 36% dos pacientes. O número representa quase o triplo das desprescrições realizadas sem o suporte do sistema, evidenciando seu potencial como ferramenta clínica essencial para o cuidado de idosos.
Diferentemente de sistemas genéricos, o MedSafer foi desenvolvido para se encaixar perfeitamente na rotina médica, funcionando como uma lista de verificação clínica inteligente. A ferramenta analisa o histórico médico de cada paciente, suas condições de saúde e a lista completa de medicamentos em uso. A partir daí, sinaliza, automaticamente, quais remédios são inapropriados, justificando as decisões e fornecendo sugestões alternativas.
O estudo realizado com 725 idosos demonstrou que a adoção do MedSafer durante as revisões de rotina (geralmente realizadas a cada três meses nas casas de repouso) pode aumentar consideravelmente a taxa de desprescrição segura. A avaliação considerou fatores como histórico médico, idade, função renal, quadro cognitivo e risco de quedas, entre outros critérios clínicos cruciais para decisões mais precisas.
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Saudáveis
Com o avanço da idade, é comum que os pacientes acumulem diagnósticos e, com eles, tratamentos. Esse acúmulo, muitas vezes desnecessário, pode levar ao que especialistas chamam de "cascata de prescrição" — um fenômeno em que medicamentos são prescritos para tratar efeitos colaterais causados por outros medicamentos. Isso cria um ciclo difícil de interromper, aumentando o risco de efeitos adversos graves, como confusão mental, quedas, tontura, perda de apetite e hospitalizações frequentes.
"Às vezes, culpamos o envelhecimento por sintomas como perda de memória ou mobilidade limitada, quando na verdade o culpado é o medicamento", explica Emily McDonald, médica assistente no Centro de Saúde da Universidade McGill e uma das responsáveis pelo desenvolvimento do MedSafer. "Já vi pacientes passarem de quase insensíveis a voltarem a conversar após interromperem um sedativo", acrescenta.
Idealizado por McDonald, em parceria com Todd Lee, professor associado de medicina na Universidade McGill, ambos do Instituto de Pesquisa do Centro de Saúde da instituição, o sistema inclui números e estatísticas, além de análises sobre a vida médica dos pacientes idosos. A retirada de certos medicamentos, especialmente os de ação sedativa ou com múltiplas interações, pode resultar em melhoras notáveis no humor, na cognição e na funcionalidade.
"Quanto mais medicamentos você toma, maior é o risco de efeitos adversos e interações perigosas", explica Todd Lee. "Muitas vezes, os profissionais querem desprescrever, mas não sabem por onde começar. O MedSafer oferece um caminho claro e baseado em ciência."
Para os pesquisadores, o uso de uma plataforma como essa não deve se restringir a instituições de cuidados prolongados. Eles defendem a expansão do sistema para a atenção primária à saúde, permitindo que a revisão de medicamentos ocorra antes que os idosos cheguem ao ponto de precisar de cuidados intensivos ou institucionalização.
A ausência de protocolos padronizados de desprescrição, somada à rotina acelerada dos serviços de saúde, muitas vezes impede uma análise criteriosa dos medicamentos utilizados pelos pacientes. O MedSafer entra, justamente, para preencher essa lacuna, oferecendo um suporte automatizado, personalizado e confiável para profissionais da saúde.
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Com base em evidências clínicas atualizadas e diretrizes internacionais, a ferramenta já está em processo de licenciamento para uso mais amplo, o que pode representar uma virada na maneira como sistemas de saúde no Canadá — e em outros países — lidam com a polifarmácia em idosos. A integração de soluções digitais no campo da geriatria reforça uma tendência crescente de humanização do cuidado por meio da tecnologia. Ao oferecer apoio à tomada de decisão clínica, o MedSafer permite que médicos atuem com mais confiança e precisão, reduzindo riscos e potencializando benefícios terapêuticos.
Para McDonald e Lee, o projeto é, também, uma forma de devolver autonomia e qualidade de vida a uma população frequentemente vulnerável. "O que queremos é que cada idoso seja tratado com o cuidado e a atenção que merece. E isso começa por garantir que os medicamentos que ele toma todos os dias estejam, de fato, ajudando — não atrapalhando", conclui a pesquisadora.
*Estagiária sob supervisão
de Renata Giraldi
