Um aparelho de produção e uso simples surge como uma nova alternativa para analisar se bebidas estão ou não contaminadas por nitrito de sódio, produto químico que, se usado incorretamente, é bastante tóxico e pode causar câncer. A ferramenta foi desenvolvida na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo, e utiliza apenas cortiça, material das rolhas de garrafas de vinho, por exemplo, como matéria-prima do sensor.
A ideia dos pesquisadores é que o equipamento possa ser usado em grande escala no futuro. A testagem mais rápida do que as convencionais é importante para evitar intoxicações, já que substâncias como o nitrito de sódio e até mesmo o metanol, causador de contaminações e mortes no mês passado, exigem atualmente exames sofisticados de laboratório para serem identificadas.
No estudo, foram feitas simulações com bebidas como suco de laranja, vinho e água mineral que imitavam a contaminação pelo nitrito de sódio. Comum na indústria alimentícia para dar cor avermelhada a embutidos, além de conservá-los por mais tempo, o composto químico também é útil como antídoto para intoxicações por cianeto. Porém, no Brasil, o uso da substância em bebidas é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porque, quando misturado a líquidos, pode ter efeito de veneno no organismo.
Grafeno
A produção do aparelho usa cortiças comuns, queimadas por raios laser. O feixe de luz faz rasgos no material e cria espécies de caminhos; onde há esses trajetos, surge o grafeno, forma cristalina do carbono, capaz de atuar como condutor elétrico. O nitrito de sódio, propenso a reagir eletroquimicamente — ou seja, gerar eletricidade — cria uma carga que é transmitida na superfície da placa. É nesse ponto que o sensor entra em ação: se gerar uma corrente elétrica, é porque a bebida analisada está contaminada.
Aparelhos conectados à placa medem o valor dessa energia e calculam a quantidade de nitrito; quanto mais forte a corrente, maior a concentração do sal tóxico nas bebidas. Ou seja, a cortiça funciona como uma base para reações químicas após ser marcada pelo raio laser.
Antes de entrar em contato com os líquidos, o sensor precisa ser coberto com um spray impermeável e por esmalte de unhas comum, que tampa as áreas "queimadas". Com isso, o líquido todo não se mistura com o grafeno que surgiu na superfície do material, o que mantém sua capacidade como condutor elétrico.
Facilidade
Bruno Janegitz, coordenador da pesquisa e professor da UFSCar, conta que todo o processo até os primeiros resultados relevantes durou cerca de um ano e meio. Embora considere difícil fazer projeções de como seria a aplicação no mercado em geral, Janegitz comenta que o preço de custo do equipamento tende a ser muito baixo, ficando em torno de R$ 5 por unidade. Além disso, ele destaca a facilidade de uso do sistema. "Hoje, nós temos aparelhos bem em conta que também podem ser encaixados nesse sensor de cortiça, o que facilitaria a montagem. Já existem baterias, por exemplo, muito baratas que podem servir como fonte de alimentação e apenas serem conectadas, o que também ajuda no transporte."
O professor Janegitz reforça que, no estudo, publicado na revista Microchimica Acta, não foram usadas bebidas que estão no mercado e muito menos se descobriu produtos comerciais contaminados. "O que temos aqui é um protótipo, que mostrou muito potencial de detectar nitrito. Posteriormente, esses sensores de rolha até podem, sim, ser usados em testagens reais, já que o aparelho constatou a substância muito bem."
O identificador de nitrito de sódio à base de cortiça é um dos aparelhos feitos com produtos naturais pelo laboratório comandado por Bruno Janegitz. A equipe da UFSCar também pesquisa equipamentos produzidos com folhas de diversas espécies de árvores, que passam por processos semelhantes de gravação a laser e se tornam caminhos elétricos capazes de perceber substâncias.
*Estagiário sob a supervisão
de Paloma Oliveto
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