Pesquisadores da Universidade de Umeå, na Suécia, em parceria com cientistas chineses, desenvolveram um laser aleatório composto inteiramente de biomateriais. Para a criação do dispositivo, folhas de bétula (um tipo de árvore pequena) foram processadas para atuar como meio de ganho óptico, enquanto grãos de amendoim, cortados em pequenos cubos, serviram para capturar e dispersar a luz. O estudo, publicado na revista Nanophotonics, demonstra que é possível criar tecnologias que usam a luz para transmitir dados e capturar imagens utilizando materiais naturais, renováveis e de baixo custo, reduzindo, assim, a dependência de substâncias tóxicas e onerosas comumente empregadas em diagnósticos e exames de imagem na área médica.
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Ao contrário dos lasers convencionais, que emitem luz em um feixe estreito e direcionado, um laser aleatório dispersa a luz em várias direções. Isso permite iluminar amostras biológicas de maneira mais uniforme e fornecer informações detalhadas sobre as estruturas dentro do tecido. Eduardo Walter, físico formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestrando em física de partículas elementares pela mesma instituição, informa que laser é a sigla em inglês para Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, que, em tradução livre, significa Amplificação da Luz por Emissão Estimulada de Radiação. Segundo ele, o princípio fundamental dessa tecnologia é aumentar uma determinada fonte de luz.
"Nos lasers convencionais, utilizamos geralmente um cristal ou um gás como meio amplificador, além de espelhos que funcionam como elementos de realimentação. Logo, parte da luz amplificada permanece presa nesse meio, sustentando o processo de intensificação", afirma. Uma das principais características da luz produzida por um laser tradicional é o seu alto grau de alinhamento, ou seja, a luz emitida viaja em uma única direção e é bastante focada, diferentemente da luz de uma lâmpada comum, que se dispersa em várias direções. "No caso do laser aleatório, a proposta é justamente o oposto: a emissão ocorre de forma difusa, sem esse comportamento direcional típico", complementa o físico.
Metodologia
Engenheiro metalurgista e professor do Centro Universitário Wyden, em Fortaleza, Otílio Diógenes explica que, para construir um laser a partir de materiais naturais, é necessário combinar dois componentes principais: um material emissor de luz, conhecido como meio de ganho, e um material que espalha a luz, responsável pela realimentação óptica essencial ao funcionamento do laser.
No estudo, os pesquisadores utilizaram folhas de bétula e amendoins para desempenhar essas funções. "Das folhas de bétula, eles extraíram pontos de carbono, minúsculas partículas que emitem brilho quando iluminadas. Esses pontos fornecem a energia luminosa, atuando como o meio de ganho", explica o engenheiro. "Já do miolo do amendoim, cortado em pequenos cubos, foi aproveitada a superfície rugosa. Essas irregularidades fazem com que a luz se espalhe diversas vezes dentro do material, criando o ambiente ideal para a realimentação luminosa, isto é, o meio de espalhamento", diz.
Embora o laser atinja um estado de maior energia por uma fonte de luz externa, todos os elementos funcionais responsáveis pela emissão e dispersão luminosa são 100% biológicos. "Em vez de depender de tecnologia complexa, a microestrutura natural do grão de amendoim faz o trabalho por si só", afirma a professora do Departamento de Física da Universidade de Umeå e autora do estudo, Jia Wang.
De acordo com Walter, "as folhas são inicialmente desidratadas, em seguida moídas e misturadas a solventes, passando por um processo de síntese sob altas temperaturas e pressões. Após a preparação, os pontos quânticos são diluídos em etanol, e a solução resultante é injetada nos núcleos do amendoim para formar o laser". O principal composto das folhas, a partir do qual os pontos de carbono são produzidos, é a clorofila.
Aplicações
O laser aleatório desenvolvido pelo cientistas pode abrir novas possibilidades na área médica, especialmente em exames de imagem e em procedimentos que envolvem a remoção de tecidos indesejados. "Esse laser, em especial, pode ser relevante na questão de formação de imagens. A característica de uma luz dispersa em relação à luz colimada do laser convencional facilita a formação de imagens e diminui o ruído", diz o físico e acrescenta que, "além disso, a energia depositada pelo laser em um tecido vivo é depositada sobre uma área maior, diminuindo os possíveis danos que o laser causaria ao tecido.
Os pesquisadores testaram quanta energia era necessária para fazer o laser emitir luz, e os resultados mostraram que ele funciona tão bem quanto lasers projetados artificialmente. "O potencial deste laser aleatório baseado em biomateriais vai além da bioimagem e do diagnóstico. Dado seu baixo custo, sua renovabilidade e segurança, ele também poderia ser desenvolvido como uma etiqueta óptica para autenticar documentos de alto valor, bens de luxo e dispositivos eletrônicos", afirma Wang.
Ademais, o laser pode ser aplicado na autenticação de produtos e documentos. Na prática, isso ocorre porque os lasers aleatórios produzidos com biomateriais apresentam uma assinatura espectral única, resultante da estrutura microscópica do material que compõe a cavidade óptica. Essa característica é extremamente difícil de reproduzir por métodos artificiais.
Assim, é possível criar etiquetas de identificação (tags) baseadas nesses dispositivos. Quando um laser comum incide sobre a etiqueta, o sinal luminoso emitido pode ser analisado e comparado ao espectro característico do material, permitindo confirmar ou descartar a autenticidade de determinado item ou documento. O grupo de pesquisa trabalha há muito tempo no aproveitamento de recursos locais e renováveis para novas tecnologias. Há dois anos, a equipe publicou um estudo demonstrando como folhas de bétula coletadas no campus da instituição sueca podem ser usadas para produzir semicondutores orgânicos, materiais encontrados em telas finas de TVs e celulares.
*Estagiária sob supervisão de Lourenço Flores
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