
O turismo de luxo, componente cultural da sociedade, tem em sua trajetória a valorização de diferentes produtos, serviços, comportamentos, que enaltecem o que deveria ser preservado, bem utilizado. Se no século XIX estava voltado a imponência dos “Grands” hotéis, que recebiam imperadores, no início de século XX esteve voltado a glamourização das celebridades, sua elegância clássica, símbolo de status global. A meu ver, ainda que exista uma essência universal, o luxo se diferencia de acordo com a cultura a qual ele corresponde. Se para orientais talvez esteja ligado a espiritualidade, a paz interior, ao minimalismo, a modernidade, a tecnologia, para o oriente médio talvez esteja associado à hiperexclusividade, à opulência. Para o ocidente, em especial o Brasil, o que seria o luxo senão a personalização emocional, a gigante natureza.
A promoção do mercado de turismo de luxo do Brasil no exterior é muito recente. A Embratur o faz desde os anos 2000. A BLTA – associação que reúne os principais hotéis do segmento – surgiu em 2008. Outra associação ainda mais recente é a Alagoas Luxury. Todas, a sua maneira e dimensão, mostrando ao mundo que se o luxo tem valores globais, o Brasil é uma referência que não pode passar despercebido nos planos dos viajantes internacionais. Sustentabilidade, transição energética, biotecnologia se misturam ao imaginário do que é brasileiro: futebol, carnaval, pantanal, música, gastronomia. São tantas as referências, que muitas vezes acreditamos que isso é algo comum a todos os países. E não é. E se tem um luxo brasileiro contemporâneo que precisa ser enaltecido é o trabalho artesanal, a culinária pautada em histórias, os produtos que ganham cada vez mais indicação geográfica, a definição do que é a nossa cultura.
Um mel menos doce
Você já ouviu falar do mel da Bracatinga? Um produto verdadeiramente único no mundo, resultado de um fenômeno natural raro e extremamente específico. Diferente dos méis florais, ele não é produzido a partir do néctar das flores, mas do melato (com “T” mesmo), uma substância liberada pela cochonilha que se alimenta da seiva da bracatinga. As abelhas, em perfeita harmonia com esse ciclo natural, coletam esse melato e o transformam em um mel de características singulares. Sua produção depende das condições climáticas (aproximadamente a cada 2 anos).
LEIA TAMBÉM: Conheça a gastronomia de 10 países que são tendências para turistas brasileiros em 2026
Produzido exclusivamente no Planalto Sul Brasileiro, em áreas de altitude onde a bracatinga (a árvore) se desenvolve naturalmente e onde existe a presença controlada da cochonilha (o inseto). Essa combinação — bracatinga, cochonilha e abelhas — não ocorre em nenhum outro lugar do mundo da mesma forma, conferindo ao produto identidade, origem e características incomparáveis. O Mel da Bracatinga tem baixo dulçor e alto teor de minerais e compostos antioxidantes, que carrega a essência do bioma sul-brasileiro e a força de um processo natural que não pode ser reproduzido artificialmente.
A banana de Corupá
Naturalmente mais doce, a banana de Corupá, inserida no contexto da agricultura familiar, teve seu relevo de altitude (o que permite um amadurecimento mais lento, acumulando mais minerais e açúcares), seu sabor intenso e seus métodos de cultivo reconhecidos com a Indicação Geográfica. E ganhou ainda o slogan de “A banana mais doce do Brasil”.
Outro exemplo de IG é a Carne de Onça de Curitiba, que desde maio de 2025, foi reconhecida na espécie Indicação de Procedência (IP). O prato típico que é elaborado com carne bovina é servido em praticamente todos os bares da cidade, os que preparam com a receita oficial recebem um selo de autenticação. Possui festival próprio realizado pela Associação Amigos da Onça e a Casa Curitiba Honesta. A IG agrega valor ao produto e protege a região produtora por sua herança histórico-cultural.
A capital nacional do doce
Em Pelotas- RS, a tradição dos doces portugueses foi aprimorada por doceiras escravizadas no apogeu das charqueadas. Receitas à base de ovos e açúcar, como quindim, bem-casado, olho de sogra, com influência do coco africano, e outras variações europeias fazem parte da identidade do local. A cidade recebeu o título de Capital Nacional do Doce (concedido pelo Ministério do Turismo) e a IG valoriza o produto e impulsiona o turismo local com eventos como a Fenadoce.
No início dos anos 1990, a Embrapa Uva e Vinho foi pioneira no Brasil ao disseminar, estimular e dar o suporte técnico e científico aos produtores de vinhos na estruturação, bem como na conquista do registro de Indicação Geográfica. Hoje são diversas regiões com o reconhecimento: Vale dos Vinhedos, Altos de Pinto Bandeira, Vinhos de Bituruna, Vales da Uva Goethe, Altos Montes, Campanha Gaúcha, entre outros.
Desde 2003, o Sebrae apoia as Indicações Geográficas Brasileiras e faz um trabalho primoroso no acompanhamento dessas comunidades, desses pequenos produtores que resgatam e preservam nossa história, saberes, produtos. Segundo o Sebrae, em 2015 o Brasil possuía 42 IGs e neste ano de 2025, chegamos a 150 Indicações Geográficas Brasileiras registradas no INPI, sendo 119 Indicações de Procedência (IP) e 31 Denominações de Origem (DO).
A indicação Geográfica é este selo de qualidade, registrado no INPI (Registro de Propriedade), que identifica solo, clima, saberes, histórias, promovendo desenvolvimento local por meio de suas características únicas. O clássico exemplo é a região de Champagne, na França. No Brasil, existem dois tipos de IGs: Indicação de Procedência (IP) referindo-se ao nome do local que se tornou conhecido por produzir ou extrair determinado produto ou serviço e Denominação de Origem (DO), a qual exige que as características do produto sejam exclusivas do meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos.
Para aproximar o público desse universo, o cozinheiro e comunicador Rui Morschel lançou em outubro/25 a websérie “Contém BR”, disponível no YouTube e Instagram. Com informações e curiosidades sobre produtos reconhecidos com IGs de norte a sul do País, como o Guaraná de Maués (AM), o Queijo do Marajó (PA), a Erva-mate de São Mateus (PR). “Nosso objetivo é dar visibilidade a produtos tipicamente brasileiros que muitas vezes não são conhecidos nem mesmo pela população local, além de incentivar outras iniciativas a buscarem esse reconhecimento. Por trás de cada indicação geográfica há muita história, pesquisa e um valor agregado incrível que precisa ser mostrado”, comenta Morschel.
LEIA TAMBÉM: Onde levar um amigo turista para provar inusitadas receitas brasileiras?
Muitos restaurantes, chefs de cozinha, empreendedores tem percebido a importância e diferencial em utilizar insumos com Indicação Geográfica. Um luxo valorizar o produtor local, os saberes artesanais, a ancestralidade, os insumos que fazem parte da história, da identidade geográfica, turística, cultural, brasileira. Que tenhamos muito mais IGs em 2026 por restaurantes incríveis! Quero experimentar e contar tudo aqui. Bravo!
Thiago Paes é colunista de viagem & gastronomia. Apresentador de TV no canal Travel Box Brazil e Travel Food & Drinks. É jurado do prêmio BomGourmet de gastronomia. Está nas redes sociais como @paespelomundo. Press: contato@paespelomundo.com.br
Siga o @portaluaiturismo no Instagram e no TikTok @uai.tur

