Diante dos olhares perplexos dos visitantes do zoológico, o rapaz, que havia sido recém-libertado da prisão, desceu de uma árvore e foi atacado por uma leoa.
Após o ocorrido, descobriu-se que Gerson acumulava episódios de psicose, possível deficiência intelectual, crises frequentes, suporte familiar frágil — a mãe também sofre de esquizofrenia — e sucessivas passagens pelo sistema penal.
Apesar das tentativas de controle medicamentoso na prisão, ao ser liberado ele foi encaminhado a um serviço sem condições de atender alguém em surto grave.
Para a conselheira tutelar que o acompanhou, o que aconteceu foi uma “tragédia anunciada”.
O caso, que parecia apenas excêntrico, na verdade segue um roteiro conhecido por quem trabalha com vulnerabilidade social e saúde mental no Brasil.
Um relato da psicóloga clínica e doutora pela Unifesp, Ilana Pinsky, para a Veja, trouxe um novo olhar para a história de Gerson.
Segundo ela, na década de 1980, casos psiquiátricos graves no Brasil eram tratados de uma forma desleixada.
Na época, os hospitais eram superlotados, pacientes ficavam largados, dopados e sem contato familiar. Em 1989, surgiu a Reforma Psiquiátrica brasileira, um movimento social e político que buscou a desinstitucionalização do tratamento em saúde mental.
O objetivo foi substituir a lógica manicomial, baseada no isolamento e internação de longa permanência, pelos chamados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Mas as transformações não acompanharam completamente as necessidades do país. Hoje, embora essenciais, os CAPS operam majoritariamente como ambulatórios, sem capacidade para acolher crises intensas.
Poucos funcionam 24 horas, há carência de leitos e muitas vezes não há como conter surtos sem apoio familiar.
O problema não é exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, a redução dos hospitais psiquiátricos sem a criação de substitutos robustos fez com que prisões se tornassem as soluções para saúde mental.
Dados epidemiológicos de 2024 (reunindo 85 estudos em países desenvolvidos) demonstram que cerca de 67% das pessoas em situação de rua sofrem de transtornos mentais graves.
Segundo Ilana Pinsky, isso evidencia que a falta de serviços não leva as pessoas à liberdade, mas sim ao desamparo, à rua ou à prisão.
Ela defende que, em vez de uma regressão manicomial, o Brasil necessita de uma modernização da rede com mais leitos de qualidade, unidades de crise e serviços residenciais eficazes.
No Brasil, transtornos de ansiedade, depressão, transtorno bipolar, transtornos obsessivo–compulsivos (TOC) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) são alguns dos problemas psiquiátricos mais comuns.