NAS ENTRELINHAS

Análise: Lula é prisioneiro de uma "jaula de cristal"

O puxão de orelhas nos ministros não vai resolver o problema, há que mudar os métodos de gestão e melhorar o diagnóstico sobre a atuação de cada pasta. O governo também carece de uma política de comunicação capaz de enfrentar a oposição sem entrar na lógica da radicalização retórica

PRI-1903-ENTRELINHAS -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1903-ENTRELINHAS - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 19/03/2024 03:50 / atualizado em 19/03/2024 03:50

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é dono das suas circunstâncias. Foi eleito num contexto que já não é mais o mesmo, para o bem e para o mal. Por exemplo, no plano internacional, a situação mudou para pior, com o surgimento de conflitos nos quais o rumo dado à política externa esbarrou em obstáculos que não estavam no horizonte, como as guerras da Ucrânia e de Gaza, e, agora, as eleições na Rússia e na Venezuela. Esses episódios desnudaram um viés terceiro -mundista da política externa que cheira a naftalina.

Ontem, na reunião ministerial, Lula relevou esses assuntos, porém, fez uma cobrança generalizada em relação aos ministros, sobretudo à atuação de Nísia Trindade. Em ambos os casos, as circunstâncias também são diferentes. A economia surpreende os próprios agentes econômicos, com a inflação controlada, mercado de trabalho aquecido, arrecadação em alta e um crescimento mais robusto do que se imaginava, apesar da oposição que Haddad sofre do PT e alguns ministros palacianos.

No plano social, porém, a situação é complicada: com a pandemia de Covid 19 controlada graças à vacina, o governo foi surpreendido pelo impacto do El Niño, que aumentou a proliferação do mosquito da dengue, epidemia que saiu completamente de controle sem que o Ministério da Saúde disponha de vacinas em quantidade suficiente. Faltou planejamento e investimentos em biotecnologia, seja para produzir vacinas, seja para desenvolver um vetor capaz de controlar ou neutralizar a contaminação da dengue pelo Aedes Aegypti.

Mas o problema não fica por aí. O tema da violência caiu no colo de Lula. A crise na segurança pública é nacional, há estados praticamente ocupados pelo crime organizado, como Acre, Rio de Janeiro e Amazonas, mas fora da alçada do governo federal, por falta de competência constitucional. Os governos estaduais são paralisados pela infiltração de quadrilhas nas polícias civil e militar. É um espanto a denúncia de que todos os quartéis da PM de São Paulo têm caixa dois. Nesse contexto, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, está com o mico de dois fugitivos do presídio federal de Mossoró (RN) nas mãos. O cerco policial armado para recapturá-los é um fracasso. Sinaliza incompetência.

Um ponto forte do governo que virou ponto fraco, por exemplo, é questão ambiental. Houve uma mudança, sem dúvida, com Marina Silva à frente do Meio Ambiente, mas o governo não consegue reverter problemas como o dos ianomâmis, por exemplo, de grande repercussão internacional. A prioridade energética continua sendo a exploração do petróleo, e não a energia verde. Outro ponto forte que está sendo anulado é a política para a educação. O ministro Camilo Santana foi emparedado pelas corporações e pela oposição bolsonarista.

Estado maior

Sim, Lula administra uma herança maldita de Bolsonaro, mas já está há 15 meses no poder e, como ele mesmo reconhece, não mostrou os resultados que os eleitores esperavam. O puxão de orelhas nos ministros não vai resolver o problema, há que mudar os métodos de gestão e melhorar o diagnóstico sobre a atuação de cada pasta. O governo também carece de uma política de comunicação capaz de enfrentar a oposição sem entrar na lógica da radicalização retórica, como a do próprio Lula, ao chamar o ex-presidente Bolsonaro de “covardão”, ou só se remeter ao passado.

Existe funcionalidade nisso, porque os fatos estão desnudando a tentativa de golpe de Estado que resultou no 8 de janeiro. Essa ameaça serve para manter a coesão das forças que o apoiaram em defesa da democracia, mas não serve para mantê-las unidas em torno do governo Lula. No livro O líder sem estado-maior (Fundap, São Paulo, 2000), do ex-ministro do Planejamento do governo Allende Carlos Matus — escrito na famosa Isla Negra, no Chile, em agosto de 1996, há uma reflexão sobre atos e responsabilidades dos governantes.

É antológica a parábola da “jaula de cristal”: o líder isolado, prisioneiro da corte “que controla os acessos a sua importante personalidade”. O presidente sem “vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário, que não pode aparecer ante os cidadãos que representa e que dirige como realmente é, sem transparecer seu estado de ânimo”.

Quem forma o estado-maior de Lula? A primeira-dama Janja da Silva, Rui Costa (Casa Civil), Márcio Macedo (secretário-geral da Presidência), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Comunicação Social), Jorge Messias (Advocacia Geral da União) e os assessores especiais Celso Amorim (Relações Internacionais) e Marco Aurélio Santana Ribeiro (chefe de gabinete), o único que entra na sua sala sem pedir licença. Todos são petistas, controlam o governo com mão de ferro pela atividade meio, a maioria tem menos representatividade política do que muitos ministros. São os donos da “jaula de cristal”.

 

 

 

 

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