Correio Braziliense
postado em 15/04/2020 06:00
O Distrito Federal aparece em primeiro lugar no levantamento nacional de presos confirmados com a Covid-19 em comparação aos outros presídios do Brasil, conforme mostra o Painel de Monitoramento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). O número de detentos infectados pelo novo coronavírus no Complexo Penitenciário da Papuda é de 23. Vinte policiais penais testaram positivo para a doença, segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF). A população carcerária da Papuda é de 16 mil — a capacidade, no entanto, é de 7,7 mil pessoas.
O subsecretário do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe), Adval Cardoso, classifica o cenário como preocupante, com chance de piora. Por isso, a SSP/DF tem adotado medidas preventivas para combater a disseminação do vírus nas cadeias. “Estamos preparando um plano de ação e concluindo algumas reformas nas unidades, pois estávamos prevendo essa possibilidade de aumento de casos. O avanço da doença nos preocupa, mas o estrago não está sendo maior graças às ações tomadas”, explicou.
O primeiro caso de coronavírus na Papuda ocorreu no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), em 3 de abril. O paciente é um policial penal. Na última quinta-feira, um interno do Centro de Detenção Provisória (CDP) testou positivo para a doença. Em menos de 10 dias, o vírus se espalhou no complexo penitenciário. Dos 23 infectados, 10 são do CDP e 13 do CIR. No caso dos agentes penitenciários que estão com a doença, seis são lotados no CDP, 11 no CIR e três na Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II).
Segundo Adval, após o primeiro caso de interno infectado pelo novo coronavírus, profissionais da saúde promoveram um mutirão para realizar testes da Covid-19 em outros detentos. “Em apenas um dia, foram feitos 242 testes, tanto nos internos que estavam na ala do custodiado infectado quanto nos outros que apresentavam os sintomas da doença”, detalhou o subsecretário.
A SSP/DF informou que todos os servidores contaminados pela Covid-19 foram afastados das atividades e seguem em isolamento domiciliar. Um deles se curou. Os presos estão isolados dos demais detentos. “Felizmente, todos estão bem e apresentam sintomas leves. Estamos mantendo a higienização constante. Ontem, por exemplo, retiramos todos os internos das alas do Centro de Detenção Provisória (CPP) para fazer a higienização”, detalhou o subsecretário Adval.
Além do DF, Ceará, Pará e Pernambuco têm casos confirmados de coronavírus. Cada um registra um caso, segundo o painel do Depen. Minas Gerais é a unidade da Federação com mais suspeitas: 49. Em seguida, aparecem São Paulo (24), Distrito Federal (23), Santa Catarina (21), Rio Grande do Sul (18) e Pará (10).
A reportagem questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber se os presos das unidades prisionais de todo o país são submetidos aos testes para coronavírus. Em nota oficial, a pasta informou que essa informação compete ao Depen. Contudo, o Depen respondeu que “apenas recebe as informações dos casos suspeitos e confirmados das secretarias dos outros estados e lança, diariamente, no painel de monitoramento”.
Medidas
A fim de evitar a disseminação da doença na Papuda, a Sesipe determinou a prorrogação da suspensão visitas até sexta-feira. A data, no entanto, será analisada e poderá ser prolongada. A medida, iniciada em 12 de março, está alinhada às ações do Governo do Distrito Federal (GDF) voltadas para a prevenção do contágio do vírus.
Além disso, a pasta esclareceu que as celas de todos as unidades passam, diariamente, por higienização com hipoclorito de sódio, componente da água sanitária. Consultórios específicos, com médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde foram montados nos presídios para avaliar suspeitas da Covid-19.
Um hospital de campanha também é construído para atender aos internos vítimas do coronavírus. Em nota oficial, a Secretaria de Saúde informou que a tenda está em fase de planejamento e avaliação técnica. A estrutura será composta por 10 leitos, com suporte de ventilação mecânica, e 30 de retaguarda para internação.
Um hospital de campanha também é construído para atender aos internos vítimas do coronavírus. Em nota oficial, a Secretaria de Saúde informou que a tenda está em fase de planejamento e avaliação técnica. A estrutura será composta por 10 leitos, com suporte de ventilação mecânica, e 30 de retaguarda para internação.
Outra medida implementada foi a suspensão dos atendimentos presenciais de advogados. A Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF) inaugurou ontem o parlatório virtual nos presídios. O sistema permitirá o atendimento por meio de videoconferência com os presos. Os agendamentos estão previstos para começarem hoje no CIR e serão abertos às demais unidades da Papuda, gradualmente, até o fim de abril.
Determinação da juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), Leila Cury, antecipa, ainda, a progressão de regime aos sentenciados que alcançariam o benefício da prisão domiciliar até 17 de julho. O benefício contemplará cerca de 600 presos. Além disso, a magistrada suspendeu as saídas de internos do semiaberto para o trabalho externo.
Triagem
Para Valéria Paes, infectologista da Universidade de Brasília (UnB), é preciso pensar em novas ações de combate à Covid-19, antes que as penitenciárias entrem em colapso. “Em uma situação dessas, é preciso conciliar o tratamento a essas pessoas que adquiriram a infecção, sejam os internos, sejam os profissionais da segurança. Estão todos no mesmo ambiente, confinados. É necessário estabelecer uma sistemática identificação das pessoas doentes a fim de isolá-las rapidamente”, orientou.
Segundo o presidente da Associação Brasiliense de Medicina Legal (ABRML), João Pitaluga, é preciso adotar a testagem em massa, de maneira a permitir a melhor gestão do isolamento nos presídios. “A situação é grave, uma vez que a população carcerária enquadra-se no grupo vulnerável, visto a grande aglomeração de custodiados nas penitenciárias, a pouca ventilação e o contato íntimo. O vírus apresenta alta taxa de transmissibilidade. Dessa forma, a tendência é de aumento importante no número de casos nos presídios”, ressaltou.
“Senti fortes dores no corpo”
Depoimento
“Senti fortes dores no corpo”
“Em 31 de março, eu estava muito mal no serviço. Comecei a sentir febre e dor de cabeça. Fui para casa, mas, a princípio, não achei que estava com o coronavírus. A febre começou a aumentar, até que chegou aos 38°C e senti fortes dores no corpo e atrás dos olhos, além de tosse. Era terrível. A partir daí, me ausentei do trabalho. Em 6 de abril, fiz o teste e, no outro dia, saiu o resultado, apontando que eu estava com o coronavírus. Desconfio de que eu tenha pegado a doença na própria Papuda, porque outros colegas de trabalho tiveram resultado positivo para a doença; então, desconfiei logo. Enquanto eu estava lá, utilizávamos álcool em gel, luvas e máscaras, mas o ambiente não é favorável, é insalubre. Infelizmente, a minha esposa também se infectou. Estamos em isolamento domiciliar e, aos poucos, os sintomas estão indo embora.” Policial penal, lotado no Centro de Internamento e Reeducação (CIR).
Protesto e reivindicação
Mais de 200 familiares de presidiários promoveram uma manifestação na tentativa de obter respostas das autoridades sobre a situação dos detentos nos presídios. Vestidas de branco, mulheres se posicionaram em frente à Vara de Execuções Penais (VEP), no Setor de Rádio e TV Sul (SRTV), na manhã de segunda-feira. Em uma carta elaborada pelas líderes do protesto e enviada ao GDF, elas questionam a “falta de notícias” dos parentes que cumprem pena. “Estamos preocupadas em saber como estão os nossos internos e como podemos ajudar aqui de fora. A falta de comunicação e de informação tem nos desesperado”, informa um dos trechos do documento.
Na lista de reivindicações, elas pedem que seja permitido o fornecimento de dinheiro (por meio de uma conta bancária) para os internos comprarem itens de higiene e comida na cantina. “Se não deixarem, eles poderiam permitir pelo menos a entrada de sabonetes e outros produtos de higienização”, defende Jaqueline dos Santos, uma das organizadoras do movimento. Outro pedido é a permissão de ligações semanais. “Queremos ter notícias. Eu quero apenas ouvir do meu esposo que ele está bem. Nada além disso”, destacou Jaqueline.
Efetivo
O Sindicato dos Policiais Penais (Sindpen) questiona e repudia o “descaso com a saúde dos servidores”. “Essa é uma situação nova. Estamos sendo o maior foco de contágio. Hoje, temos mais de 400 policiais afastados das atividades, seja porque estão em teletrabalho, seja por problemas psiquiátricos, seja por grupos de risco, seja pelos infectados. Então, estamos com um total de 1,2 mil servidores na ativa, o que é baixo para a quantidade de detentos. Se um preso se infectar, ele precisa de, pelo menos, três policiais para acompanhar. Imagina se 100 internos se infectam? Eu acabo com o efetivo”, reclamou o presidente da entidade, Paulo Rogério da Silva.
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