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PEC da cobrança de mensalidade nas universidades gera discórdia na Câmara

Depois do PL que legaliza ensino em casa, Câmara analisa PEC que impõe cobrança de contribuição, nas universidades públicas, de alunos vindos de famílias que tenham melhor condição financeira

Raphael Felice
Jáder Rezende
postado em 25/05/2022 05:56 / atualizado em 25/05/2022 05:57
 (crédito: Nilson Bastian/Agência Câmara)
(crédito: Nilson Bastian/Agência Câmara)

Depois do projeto de lei sobre o ensino domiciliar, aprovado na semana passada, começou a tramitar na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda constitucional polêmica: a que estabelece a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. A matéria, que seria analisada ontem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, voltará à pauta somente depois de uma audiência pública para debater o tema.

A PEC 206/19 é de autoria do deputado General Peternelli (União-SP), que defende a tese de que a gratuidade atual privilegia filhos das famílias de maior renda. "Minha proposta é simples: quem pode, paga; quem não pode, não paga. O principal é propiciar uma universidade com ensino de qualidade", explicou. A relatoria da proposta é do deputado Kim Kataguiri (União-SP), que deu sinal verde para ir adiante.

O texto foi trazido à tona no momento em que circula o documento Projeto de Nação — O Brasil em 2035, elaborado por três entidades ligadas a militares da reserva, entre eles o Instituto Villas-Boas — que leva o nome do general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército e um dos mentores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma das sugestões do estudo é justamente a cobrança de mensalidade nas universidades públicas.

A PEC foi mal recebida. Entidades estudantis e parlamentares enxergam na iniciativa um grande retrocesso. Bruna Berlaz, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), participou da sessão da CCJ e explicou que aplicar mensalidades em universidades públicas não resolve as desigualdades. "Precisamos de mais investimento em educação. Até porque, 70% dos alunos em universidades públicas têm renda per capita de um salário mínimo. Se passar na CCJ e for a plenário, os estudantes devem se mobilizar", alertou.

Novo perfil

Para Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-ministro da Educação, é "corriqueiro" propor-se a cobrança de mensalidades dos alunos mais ricos que estejam na universidade pública. Mas pondera que o perfil desses estudantes mudou.

"Não é mais verdade que o universitário típico, nas instituições federais, seja alguém que estudou em colégios particulares caros. Cada vez temos mais alunos que vêm das escolas públicas e cada vez mais descendentes de africanos ou de indígenas", assegura.

Janine Ribeiro faz, ainda, um alerta: "A educação não deve ser entendida como um subsídio estatal para melhorar a renda dos educados, e sim como um investimento que a sociedade efetua para retornos importantes destinados a todos".

O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marcus David, endossa as observações de Janine Ribeiro — de que as universidades públicas não são redutos dos mais abastados. "Há um grande equívoco, como se as universidades estivessem ocupadas exclusivamente por alunos de classes alta e média. É necessário que haja uma rede de universidades que ofereçam ensino de excelência para alavancar a sociedade", aponta.

Soraya Smaili, dirigente do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou Ciência), considera que o projeto não deveria sequer ser debatido. "Essa proposta não diz respeito à nossa realidade. É algo contrário a tudo que o nosso país precisa. Precisamos discutir a expansão da educação pública de qualidade. Esse texto é totalmente extemporâneo, não tem o menor sentido", criticou.

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