Na próxima quarta-feira (8/6), às 14h, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai votar se o rol de atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) será taxativo - restringindo uma séria de exames e procedimentos que podem ser considerados pelos médicos como a melhor opção de tratamento para doenças raras, patologias graves ou condições específicas - ou se continua exemplificativo. O apresentador Marcos Mion, pai do Romeu, um jovem autista, é um dos grandes ativistas pelos direitos das pessoas com o espectro.
Caso passe a ser taxativo, os planos de saúde deixam de cobrir terapias e tratamentos que não estão previstos pela agência reguladora, mesmo que tenham prescrição médica e sejam cientificamente comprovados. Já no rol exemplificativo, como é hoje, os procedimentos de saúde não previstos pela ANS são cobertos pelos planos de saúde, desde que tenham prescrição médica.
Essa decisão afetará diretamente crianças, adolescentes e adultos autistas, pois a Intervenção em ABA (Análise do Comportamento Aplicada) - método comprovado cientificamente como a forma de intervenção mais bem-sucedida para autistas - não está nos procedimentos previstos pela ANS. Caso o rol seja considerado como taxativo, as terapias inclusas pela ABA não serão cobertas nem mesmo mediante processo judicial, como é feito atualmente.
A decisão desfavorável não afetará somente os autistas, mas também pessoas com deficiência, pacientes com doenças graves, como câncer e outras patologias raras.
Daniel Sarmento, professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UERJ, que elaborou um parecer técnico anexado aos autos do processo, afirma que se o entendimento do STJ for pela taxatividade do rol, o provimento jurisdicional se tornará mais dificultoso, mas os consumidores poderão arcar com os custos particularmente ou mediante disponibilidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Já a psicóloga Andresa Aparecida de Souza, consultora BCBA (Board Certified Behavior Analyst – certificado concedido a profissionais que atuam com práticas ABA) do Instituto de Pesquisa Conduzir, apresentou um Relatório Técnico sobre a comprovação científica da intervenção ABA, reforçando a importância da avaliação para o desenvolvimento de pessoas com autismo, com reconhecimento mundial pelo êxito nos tratamentos.
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Intervenção em ABA
A Análise do Comportamento Aplicada (em inglês Applied Behavior Analysis; ABA) é uma abordagem científica sistemática para compreender o comportamento humano. Formulada inicialmente a partir dos trabalhos de B. F. Skinner, ABA envolve a implementação de procedimentos de avaliação e intervenções baseados nos princípios comportamentais para melhorar a qualidade de vida, inclusive a da pessoa com autismo e suas famílias. Os procedimentos podem ser usados para aumentar comportamentos socialmente relevantes (ex., linguagem, independência diária) ou diminuir comportamentos desafiadores (ex., agressão, comportamentos de risco).
Os objetivos das intervenções são guiados pela avaliação de déficits de habilidades e excessos comportamentais do paciente. Essa avaliação fornece informações sobre as habilidades que o profissional precisa considerar, o nível de dificuldade de tarefas específicas, os obstáculos existentes para a aprendizagem do paciente, a estratégia de ensino mais efetiva e o contexto educacional mais apropriado, dadas as habilidades já existentes.
Manifestações
Durante a votação do Rol da ANS, na quarta-feira (8/6), a sociedade civil e o Instituto Conduzir mobilizarão as redes para um tuitaço com a #RolTaxativoÉRetrocesso contra o Rol Taxativo da ANS.
Além disso, como prometido, um grupo de mães de autistas, organizadas pelo Instituto lagarta Vira Pupa, de apoio para pessoas que tenham familiares com deficiência, também prometem se manifestar em frente ao STJ.
Carolina Nadaline, advogada e coordenadora jurídica do Instituto Lagarta Vira Pupa, explica que a manifestação tem o objetivo de mostrar para a sociedade a importância do julgamento que está em curso no Tribunal, acerca da lista de procedimentos de cobertura obrigatória para os planos de saúde, criada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Segundo Andréa Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, instituição sem fins lucrativos, e organizadora do protesto, esse assunto “é muito importante” e afeta todos os usuários de plano de saúde do Brasil.
“Todas vão ser afetadas se esse rol da ANS for decretado taxativo. Vários procedimentos importantes não estão nesse rol. Antigamente, as pessoas podiam judicializar e conseguiam que o plano cobrisse, mas se esse rol for colocado como taxativo pelo STJ, se o entendimento for esse, não vai adiantar judicializar. Então, isso vai afetar milhares de usuários de plano de saúde, do Brasil inteiro”, declara Werner.
A influenciadora digital Natália Seabra é mãe do Éder, uma criança de 4 anos diagnosticada com o transtorno do espectro autista e que precisa do plano de saúde para ter acesso às intervenções necessárias para o desenvolvimento do pequeno.
"Para se ter uma ideia do quanto isso impacta na vida das pessoas hoje se você tem um tratamento negado pelo plano de saúde, você consegue ajuizar uma ação, pois o rol exemplificativo. Caso seja votado como taxativo, isso não será possível. Inúmeras pessoas, Podem ter se o tratamento interrompido, caso o roll, seja votado como taxativo. Isso é um retrocesso além de prejudicial para tantas pessoas.Vamos fazer um twitaço, e subir a #RolTaxativoMata e #RolTaxativoeRetrocesso", diz a influencer.
A ilustradora infantil Mariana Siqueira é mãe de uma criança autista de 5 anos, o João. Em entrevista ao Correio, ela disse estar temerosa com o julgamento. Isso porque, nesta segunda (6/6), ela conseguiu uma liminar na Justiça para que o plano de saúde dela cubra o tratamento ABA (Análise do Comportamento Aplicada) do filho. "Justamente hoje saiu sentença favorável ao caso do meu filho, que é autista, e assim como qualquer autista, ele precisa de tratamentos interdisciplinares para que tenha um desenvolvimento da melhor forma possível. Caso julguem que o rol seja taxativo, o plano poderá se recusar a cobrir alguns tratamentos de meu filho e isso irá impedir a evolução dele em muitos aspectos", conta.
"Os autistas dependem muito dessas terapias e ninguém faz à toa, essas terapias possuem robustas evidências e dão uma melhor qualidade de vida. Ficaremos literalmente à mercê, assim como as milhares de famílias brasileiras. É um momento de muita apreensão, tensão, porque o rol taxativo mata e espero que eles façam o que é certo, que os nossos direitos não sejam atacados", completa.
O outro lado
A especialista em direito securitário e sócia do escritório "Rueda & Rueda Advogados", Aline Moreira pontua a positividade da aprovação do Rol Taxativo pelo STJ. De acordo com a profissional, a decisão favoravel ao tema pode resultar em uma melhoria dos serviços oferecidos pelos planos de saúde. “Era necessário um julgamento da taxatividade do rol de procedimentos. A decisão leva em consideração a natureza suplementar das operadoras de planos de saúde e a importância de se ter um rol mínimo obrigatório para trazer uma maior previsibilidade das coberturas e evitar o repasse aos consumidores finais de procedimentos de custos elevados e não previstos no rol de cobertura", defende.
"É importante ressaltar que o rol é atualizado a cada 6 meses, então não há o que se falar em defasagem e nem que os usuários ficarão sem terapias comprovadas cientificamente. Por outro lado, o mercado tende a melhorar pois vai haver possibilidade dos planos oferecerem uma cobertura diferenciada para cada necessidade, o que já vem se iniciando nos últimos anos", completa.
Entenda o caso
Os ministros julgam se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória para os planos de saúde, criada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), continuará exemplificativa ou se se tornará taxativa.
Em audiência iniciada em fevereiro, o julgamento ficou empatado por 1 a 1, quando foi suspenso após o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva pedir vista do processo, ou seja, solicitar mais tempo para analisar o caso.
Antes da interrupção, a ministra Nancy Andrighi votou contra a criação do rol taxativo e, assim, contra o relator Luís Felipe Salomão, que foi favorável à taxatividade quando o julgamento foi iniciado, em setembro de 2021. Para Salomão, o rol protegeria os beneficiários.
Para Nancy, a lista deve ser apenas exemplificativa, “servindo como importante referência tanto para as operadoras e os profissionais e os beneficiários, mas nunca com a imposição genérica do tratamento que deve ser obrigatoriamente prescrito e coberto pelos planos de saúde para determinada doença”.
De acordo com o Instituto Lagarta Vira Pupa, a lista de terapias ameaçadas é robusta e inclui: imunoterapia para câncer; bombas de morfina para doenças ósseas e musculares crônicas; cirurgia para fetos que nascem com medula fora da coluna; análise do comportamento aplicado, para autismo e paralisia; e integração sensorial, para crianças autistas ou com paralisia cerebral.
Pai de autista, Mion já se manifestou sobre o Rol
O apresentador Marcos Mion, pai do Romeo, um jovem autista, se manifestou, em fevereiro deste ano, quando o assunto voltou para a pauta do STJ, pedindo que os ministros não aprovem o rol taxativo.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, Mion afirma que, caso o rol taxativo seja aprovado, os planos de saúde serão "obrigados a cumprir só os tratamentos básicos e mais baratos", e os beneficiários estarão “de mãos atadas, sem chance nenhuma para recorrer”.
“Para ser simples e direto, dependendo do resultado desse julgamento, a gente vai ter um aumento nas negativas por parte dos planos de saúde, o que é extremamente revoltante e preocupante”, disse o global.
“Como parte da comunidade autista, eu vejo um desespero enorme das famílias que contam com o tratamento diário. Para o autismo, o tratamento tem que ser constante, porque o risco de perder tudo que já evoluiu é muito alto, e essa mudança significaria o fim das terapias especializadas, que é o que vale para as pessoas com outras deficiências”, explicou o apresentador. Veja o vídeo:
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