aborto

MPF cobra razões de norma do CFM contrária à assistolia fetal

Procuradores querem saber do Conselho Federal de Medicina que argumentos utilizou para a fundamentar, técnica e legalmente, a determinação que atinge as grávidas que são vítimas de estupro

Nova sede do CFM -  (crédito: Divulgação/CFM)
Nova sede do CFM - (crédito: Divulgação/CFM)
postado em 06/04/2024 03:55

O Ministério Público Federal (MPF) cobrou explicações do Conselho Federal de Medicina por conta de uma resolução que proíbe os médicos de fazerem a assistolia fetal em casos de aborto legal por causa de estupro. Os procuradores solicitam ao CFM que argumente a respeito da "a fundamentação técnica e legal" da norma baixada.

"O direito ao aborto é garantido legalmente em qualquer estágio da gestação quando ela é resultante de violência sexual, assim como nos casos de anencefalia fetal e de risco à vida da mulher", salienta a demanda do MPF, que deu prazo de cinco dias úteis para a resposta. Ao Correio, o CFM informou que enviará "os esclarecimentos solicitados dentro do prazo definido".

À cobrança do MPF, somou-se, ontem, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Centro de Estudos em Saúde (Cebes), pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pela Rede Unida e pelo Psol.

"A tentativa de proibir a assistolia fetal é uma violência adicional contra crianças e mulheres estupradas. O procedimento é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para interrupção da gestação a partir de 20 semanas, para evitar sobrevida e sofrimento ao feto (...). O Código Penal brasileiro não impõe limite de tempo ao aborto legal", diz trecho da representação junto ao STF. Já a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia emitiu nota se posicionando contrariamente à resolução do CFM.

Procedimento

A assistolia fetal provoca a morte do feto por meio da injeção, no coração, de substâncias como cloreto de potássio e lidocaína. O procedimento é realizado antes do aborto. Segundo a recomendação do CFM, a prática não pode ser feita quando a mulher está com mais de 22 semanas de gestação, pois há possibilidade de "sobrevida do feto".

No Brasil, o aborto é permitido por lei em três situações: quando ela é vítima de violência sexual; quando o feto é anencéfalo; e em caso da gestação pôr em risco a vida da mulher. O artigo 128 do Código Penal não define até quantas semanas a prática é permitida.

Segundo a advogada Melina Fachin, especialista em Direito Constitucional e Direitos Humanos, "em nenhuma das hipóteses de aborto legal no Código Penal tem esse limite de 22 semanas de gestação" — conforme limita a norma do conselho de medicina.

"É uma exorbitação, a meu ver, da competência do CFM propor isso. Aqui (no Brasil) há o direito ao aborto legal. Essa restrição exclusivamente aos casos em que tenha ocorrido uma violência sexual só demonstra que não há uma razão de melhor técnica médica a sustentá-la, senão uma concepção moral", criticou.

Melina observa, ainda, que "o acesso tardio ao aborto legal reflete a iniquidade na assistência, atingindo de forma desproporcional crianças, mulheres pobres, pretas e moradoras da zona rural".

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br