LUTO

Relembre a entrevista de Sebastião Salgado ao Correio sobre 'Amazônia viva'

Para além da devastação da Amazônia, Sebastião Salgado sempre quis mostrar a beleza e a diversidade do bioma nas fotografias.

Sebastião Salgado, um dos maiores fotógrafos do mundo, morreu nesta sexta-feira (23/5), aos 81 anos. O artista deixa um acerco de milhares de fotos em que mostra a diversidade do Brasil, mas também a destruição ambiental e as desigualdades sociais. Em 2022, o fotógrafo deu uma entrevista ao Correio em que comentou sobre a exposição Amazônia.

Lançada em 2022, no Sesc Pompeia, em São Paulo, Amazônia é resultado de sete anos de imersões fotográficas de Sebastião na Amazônia brasileira, com cerca de 200 imagens. As imagens revelam a floresta, os rios, as montanhas e a vida de comunidades indígenas.

O fotógrafo contou à repórter Nahima Maciel que trabalhou com várias etnias da Amazônia e percebeu o avanço da destruição da floresta. Mas para além da devastação da Amazônia, Sebastião Salgado sempre quis mostrar a beleza e a diversidade do bioma nas fotografias — a Amazônia viva, como ele dizia. 

Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
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Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
Acervo Sebastião Salgado -
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Leia a entrevista completa:

Segundo o Ipam, o desmatamento na Amazônia cresceu quase 57% nos últimos anos. Você teme que a floresta que fotografou já não seja a mesma?

O bioma amazônico, principalmente no governo atual, sofre total ameaça. A primeira coisa que este governo fez foi tirar os filtros de proteção. O Ibama era um grande filtro de proteção, que verificava, dava multas. Foi eliminado para permitir a destruição. O segundo filtro foi a Funai, que sempre foi dirigida por cientistas, sempre foi organizada e funcionou na mão de sertanistas, de sociólogos, de antropólogos. A Funai hoje é dirigida por um delegado de polícia e serve ao agronegócio mais do que às comunidades. A Funai passou a ser o inimigo das comunidades. Isso permitiu a violação extrema do bioma e das comunidades indígenas. Minha grande esperança é que teremos eleição em quatro meses e que o próximo presidente não seja mais esse predador que está aí, seja alguém que respeite as grandes instituições brasileiras. A Funai é uma das maiores instituições de todas as Américas. Comunidades indígenas dos Estados Unidos e do Canadá foram inteiramente destruídas. O Brasil as mantém. E a Floresta Amazônica era altamente protegida pelo Ibama, pelo Instituto Chico Mendes.

Você chegou a acompanhar o impacto dessa destruição junto às populações indígenas?

São ameaças terríveis que estão acontecendo. O Brasil possui a maior concentração de índios isolados do mundo. Uma das maiores concentrações está no vale do Javari, e eles sofrem ameaças diretas dos garimpeiros, dos madeireiros e de pescadores, que facilitam enormemente a penetração dos territórios indígenas. O território yanomami está sendo violado por mais de 20 mil garimpeiros. Esses territórios são protegidos por lei, o governo brasileiro devia ser o primeiro agente da Constituição defendendo esse território. O governo é composto de três poderes: o Executivo, que é um predador, o Legislativo, que não toma posição, e o Judiciário, o único poder que mantém referência. É com o judiciário que estamos contando. As comunidades poderiam ter sido quase eliminadas agora com a covid-19. Graças ao judiciário, conseguimos que fossem as primeiras a serem vacinadas. A gente tem tendência a imaginar que o governo é só Executivo, mas temos três poderes e um deles atua, que é o judiciário.

Mostrar a beleza, e não a destruição da Amazônia, tem capacidade de mobilizar mais as pessoas?

São mais de 180 línguas diferentes, mais de 185 culturas diferentes, com origens diferentes. A opção que fizemos foi essa, de apresentar a Amazônia viva no sentido de que as pessoas compreendam o que é e que precisamos perseverar. É a maior concentração de riquezas do mundo. Eu sei porque o custo para recuperar um hectare é enorme. E quanto custa a destruição de um hectare da floresta amazônica? É o preço que vamos ter que colocar para refazer. Custa uma fortuna. Uma fazenda jamais vai gerar riqueza suficiente para pagar a destruição que fez. Se tivéssemos um projeto de desenvolvimento sustentável, para tirar um projeto turístico, com distribuição de cooperativas e comércio justo, íamos trazer um fluxo maior de dinheiro do que entra hoje. Com as plantas medicinais, poderíamos revolucionar a indústria farmacêutica. Mas isso é uma decisão de governo, uma decisão de levar a Amazônia para um projeto sustentável.

Alguns cientistas dizem que a próxima pandemia pode vir da Amazônia. O desmatamento aumenta a probabilidade de contato com novos microorganismos que causam doenças infectocontagiosas. Há uma relação entre a Amazônia e a pandemia que estamos vivendo?

Claro que sim. Quando você olha a covid-19, é causada por um vírus que saiu da natureza, assim como o ebola. Então, se você pensa em um espaço como a Amazônia, o que contém de vírus, o que contém de enfermidades estocadas que nem conhecemos e que vão proporcionar surpresas terríveis com a destruição... Se continuarmos a grande escalada de destruição, seguramente vamos ter surpresas terríveis com vírus saindo da Amazônia. Imagina se tivermos três ou quatro vírus como o que causa a covid-19?

Houve momentos de muita tristeza durante as expedições? Quais foram?

Os momentos de tristeza vieram toda vez que tive acesso aéreo e via a destruição da floresta, quando via milhares de toras de madeira descendo o rio, extraídas ilegalmente. Me dava uma tristeza imensa ver esse incentivo à destruição da maior riqueza brasileira. Esse governo atual tem que ser responsabilizado por esse crime ambiental que está cometendo.

Como foi a aproximação e a relação com os indígenas durante a execução do projeto?

Ir para comunidades indígenas precisa de muito tempo. Primeiro, o acesso é difícil, precisa obter autorização. Obtive autorização da Funai. Só pude ir depois da autorização e eles sabiam que eu ia, estavam me esperando. Para fazer um trabalho desses, precisa de muito tempo, precisa viver com as comunidades. Os indígenas são muito democratas. Para começar a trabalhar, tinha reunião com a comunidade inteira, durante dias, para me conhecerem. As comunidades indígenas jamais foram tão ameaçadas como agora. E nunca foram tão organizadas. Eles estão altamente organizados e sabiam quem era eu e que meu trabalho serviria no sentido de divulgar para proteger. Na exposição, eu faço sim apresentação estética através das fotos, Lélia traz uma quantidade de informação, mas quem traz o ponto político e social são as entrevistas de líderes indígenas que estão dentro da exposição fazendo discurso na língua deles.
 
 
Houve negociação entre o que você queria mostrar e o que eles queriam falar?
 
Todas as comunidades com as quais trabalhei, sem exceção, já tinham tido contato. Eles conheciam o mundo do qual eu vinha, por que eu vinha. Só me aceitaram porque o que eu ia fazer era coerente com o que eles queriam apresentar. Houve total amalgamento com o que estava esperando e o que eu poderia oferecer. Foi muito bom, interessante, sincero. Eles são profundamente sinceros e sabem que estão profundamente ameaçados, que se a gente não conseguir que o bioma seja protegido, eles não terão mais o meio ambiente garantido e eles precisam de todo o sistema amazônico para continuar a existir como comunidade. A gente, às vezes, tem uma ideia de que os indígenas são ingênuos, inocentes. Eles são iguaizinhos a você e a mim. Dentro da floresta, são o mesmo animal que eu, com a mesma acuidade e preocupação, existe uma verdadeira troca.

Você teve a oportunidade de conviver com populações que vivem em áreas isoladas, apesar do contato com o branco. O que acha do discurso da integração?

A opção tem que ser da comunidade indígena e não de uma proposta política interessada no espaço que o indígena ocupa hoje. As comunidades indígenas entraram na América há 20 mil anos, quando chegaram na Amazônia e tiveram que buscar seus territórios. Eles são agricultores e buscaram as terras mais aptas à agricultura. O que acontece no governo atual? Eles estão loucos atrás das terras indígenas porque são as melhores para a agricultura, mas elas são protegidas pela lei.

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