Entrevista

Thiago Ávila: acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo Hamas é "insuficiente"

Ativista brasiliense foi um dos líderes da Flotilha Global Sumud, interceptada por forças israelenses enquanto levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza

"O mundo precisa de lideranças fortes e corajosas para romper não só as relações diplomáticas, mas qualquer cumplicidade com o genocídio", afirma o ativista - (crédito: Junio Silva)

O recente acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo Hamas é “insuficiente”, afirma o ambientalista e ativista brasiliense Thiago Ávila. Recém chegado ao Brasil, após sete dias na prisão Kesdiot, no deserto de Negev, ele planeja uma nova flotilha, ainda maior, que será enviada à Gaza. 

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover

O objetivo é “romper o cerco ilegal” que já dura 18 anos na região. Para o ativista, as ações internacionais devem se intensificar até que os palestinos tenham direito à determinação e que cesse o cerco militar israelense na área. 

Após as 40 embarcações da Flotilha Global Sumud - que contavam com 420 ativistas de diferentes nacionalidades, incluindo 14 brasileiros -  terem sido interceptadas por forças israelenses enquanto levavam ajuda humanitária, Thiago e os demais participantes foram presos e deportados dias depois.

Em entrevista ao Correio, Thiago Ávila comenta a resposta de Israel à Flotilha Global Sumud e o recente acordo de cessar-fogo, encabeçado pelo presidente Donald Trump.

Nessa última missão, vocês notaram um alcance mundial maior em relação às outras? 

A cada missão que fazemos para romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza e criar um corredor humanitário, vamos percebendo um aumento da consciência global. Essa talvez seja a vitória mais importante. As pessoas começaram a entender mais sobre a causa palestina. Vimos governos, que antes ficavam apáticos, esperando nós sermos atacados e presos, dessa vez mandando embarcações militares para acompanhar a gente. 

Os participantes com mais destaque midiático, como você e Greta Thunberg, já imaginavam que seriam mais visados pelas forças israelenses? 

Sofremos muitas ameaças antes de realizar a missão e, sobretudo, enquanto estávamos em alto mar. Os riscos de não sermos libertados eram grandes. Isso não deve ser motivo suficiente para deixarmos de fazer algo que consideramos mais importante. Há palestinos que estão na cadeia há mais de quatro décadas sem nenhum direito ou perspectiva. 

É muito mais perigoso vivermos em um mundo que permite um genocídio, um mundo que perdeu sua humanidade, do que o risco de tentar mudar essa situação. Um caminho de transformação sempre vai incomodar pessoas que detêm muito poder e capacidade de uso da violência.

A abordagem israelense contra a flotilha também mudou, se comparado com as missões anteriores?

Israel é um Estado colonial bastante violento e a gente compreendia que, dessa vez, eles tentariam fazer uso da força contra a flotilha. De fato, isso aconteceu. [Na prisão] foram negados os direitos a medicamentos, ao contato com o mundo exterior. Eu fui agredido fisicamente. Greta foi agredida fisicamente, foi colocada em posição humilhante para segurar a bandeira de Israel, foi amassada no chão. Eu era ameaçado constantemente durante os interrogatórios. Mas a verdade é que nada se compara ao que eles fazem com os palestinos. Eles têm 11 mil palestinos nas prisões israelenses e 400 destes são crianças. Perto do que o povo palestino passa, não foi nada. 

Existiu realmente uma chance concreta das embarcações da flotilha chegarem à Gaza? 

Como tudo na luta anticolonial, são etapas. Nas missões anteriores, sabíamos que as chances eram muito pequenas. Nessa missão, as chances aumentaram muito a partir do momento em que tínhamos outros países endossando. Tínhamos as ruas do mundo fervilhando de gente disposta. Trabalhadores portuários de todo o Mediterrâneo ameaçando parar tudo e, de fato, pararam quando houve a interceptação. Todas essas coisas, levavam a gente a acreditar que talvez dessa vez fosse possível. 

Como você observa o cessar-fogo recentemente assinado e encabeçado pelo presidente Donald Trump?

Para nós, é sempre um alívio quando deixam de cair as bombas sobre o povo palestino. Não podemos esquecer que, tanto o presidente da maior potência militar do mundo [Donald Trump] quanto o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tinham planos de limpeza étnica total. Então, ter um cessar-fogo é, sobretudo, uma vitória do povo palestino, mas também dos povos do mundo que derrotaram as maiores máquinas de guerra da nossa geração. 

Trump sempre vai anunciar como vitória, mas o que importa de fato é que o povo palestino derrotou a ideia da limpeza étnica. A gente encara isso com muito alívio, mas ainda é insuficiente. O que há em Gaza é um frágil cessar-fogo. 

Como você observa a posição do governo brasileiro? O presidente Lula fez discursos contundentes durante a Conferência da ONU, mas as relações com Israel ainda não foram rompidas. 

Eu acredito que, no mundo, temos diferentes patamares de lideranças em cada momento histórico. Neste momento, o mundo precisa de lideranças fortes e corajosas para romper não só as relações diplomáticas, mas qualquer cumplicidade com o genocídio. Questionaríamos o Brasil romper relações com a Alemanha nazista ou com o regime do apartheid na África do Sul? Ao contrário, as pessoas olham para a história do apartheid e se orgulham do rompimento do governo brasileiro. 

Quais são seus planos agora? Organizar mais missões?

Sem dúvida nenhuma. Nós vamos preparar uma nova flotilha que vai ser ainda maior que a anterior. As condições que fazem essa flotilha existir ainda estão presentes. Israel ainda mantêm o regime colonial, ainda mantêm uma lógica em que o povo palestino não tem direito a soberania e auto determinação. Sequer esses projetos de Donald Trump, Tony Blair, e outros criminosos de guerra contemplam a possibilidade do povo palestino ser dono do seu próprio território, como deve ser com qualquer povo em qualquer país do mundo.

 

  • Google Discover Icon
postado em 17/10/2025 07:15 / atualizado em 17/10/2025 09:53
x