
Para o secretário-geral da Organização de Estados Ibero-Americanos(OEI), Mariano Jabonero, educação e democracia andam de mãos dadas. Em entrevista ao Correio, ele aponta que os países mais democráticos são os que criaram sistemas de ensino estáveis, participativos e críticos, enquanto ditaduras e gestões autoritárias suprimiram a educação.
Formado em filosofia e em ciências da educação pela Universidade Complutense de Madri, Jabonero chefia a OIE desde 2018. A entidade promove cooperação entre 23 países da América Latina e da Península Ibérica nas áreas de educação, ciência e cultura, fomentando o desenvolvimento sustentável.
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Ele aponta ainda que “a educação na região tem uma grave carência de qualidade, equidade e inclusão”, mas que investir no setor é o caminho para a transformação, principalmente na preservação do meio ambiente. O secretário também abordou a implementação de sistemas digitais nas escolas, nos últimos anos, defendendo que é preciso ir além de apenas entregar equipamentos às instituições. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Quais são, hoje, os principais desafios educacionais na Ibero América?
Temos muitas evidências científicas, e não apenas opiniões, sobre por que a educação na América Latina não está ruim. Eu diria que está bem. Há uma cobertura ampla, com praticamente todas as crianças do ensino infantil, primário e básico frequentando a escola.
No entanto, a educação é de má qualidade e não abrange a todos. Além disso, notamos um problema que fará com que a situação não melhore: a queda no investimento governamental a partir da covid-19. Mais de 15 governos da região diminuíram o aporte. Portanto, temos um problema financeiro e de qualidade gravíssimo.
É possível fazer uma avaliação de qual país da região está em pior situação e qual está melhor?
A América Latina tem uma grande diferença interna. Falarem “América” não existe: é preciso falar em países. Alguns nunca tiveram guerra civil, como o Uruguai, e outros saíram de guerras há poucos anos, como Colômbia e El Salvador.
Eu diria sempre que os países que têm situação democrática mais estável e equilibrada são os que, em geral, têm melhor educação. Curiosamente, o país com a situação mais consolidada é o menor, o Uruguai. E é o país que tem um sistema educativo mais eficaz e qualificado. O mesmo ocorre como Chile. Por outro lado, a pobreza ou a confusão social fazem com que uma educação de qualidade seja inviável.
Podemos dizer, então, que a educação está diretamente ligada à democracia?
Claramente. Há países no mundo neste momento que não permitem que as meninas vão à escola, e são os países mais autoritários, ditatoriais e isolacionistas. Quanto mais democrático é um país, mais ele apoia a educação, porque é o sustento da democracia
A democracia é dar voz a todos, é dar oportunidades a todos os cidadãos. Os países mais democráticos são aqueles que construíram sistemas educativos mais estáveis, livres, participativos, críticos e abertos, buscando perpetuar um sistema democrático. Existe uma relação direta e histórica entre educação e democracia, que se remonta à Grécia, onde começa a coexistir ofato democrático e o fato educativo.
Que ações a OEI propõe para melhorar a educação?
Sem financiamento suficiente, estável e continuado para a educação, não há melhora possível. A educação não é gratuita nem barata. E há um baixo nível de formação dos docentes, além de pressões sociais, como a forte incidência de greves, e fatores climatológicos (como estradas inundadas) que fazem com que as escolas não funcionem sempre.
Outro aspecto é que milhões de crianças na região vão à escola com fome ou com baixa alimentação. E, assim, não se aprende.
Como o senhor avalia a transformação digital nas escolas ibero-americanas?
A avaliação na qual a OEI, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e os especialistas concordam é que foi um investimento muito pouco eficiente. Pensou-se que entregar computadores resolveria o problema. Eu acredito que foi, basicamente, um grande negócio para empresas multinacionais que venderam milhões de dispositivos.
Eu classificaria isso como uma moda, e as modas são sempre efêmeras e pouco eficazes. É preciso pensar em sistemas digitais híbridos (presencial e virtual), com docentes formados, com conteúdo digital e com uma boa programação que, no final, gere uma mudança educativa real.
Sobre a formação de professores, que modelos bem sucedidos a OEI recomenda replicar?
Atualmente, a formação para ser professor costuma ser fraca e breve, focando em fundamentos da educação. Fala-se muito em pedagogia (os grandes fins da educação), e pouco em didática, que é aparte da ciência da educação que estuda e propõe o que ocorre nas escolas: como se ensina, para que se ensina, com que ferramentas.
Por outro lado, defendemos sistemas que combinem formação presencial e virtual. A virtual deve chegar a todos. Na pandemia, mais de 50% dos 186 milhões de crianças e jovens confinados não tiveram acesso a nenhuma atividade educativa, pois não tinham conectividade em seus lares, nem livros, nem internet, e suas famílias não tinham dispositivos.
Quais são os principais desafios em educação ambiental e sustentabilidade na região?
Em primeiro lugar, que as escolas assumam que são um lugar para transmitir a cultura da sustentabilidade e das mudanças climáticas. Não é apenas um lugar para aprender matemática ou inglês, a educação ambiental faz parte dessa formação.
Em segundo lugar, o desafio está associado a um conceito de cidadania. Não há uma pessoa bem-sucedida na vida que não seja um bom cidadão, que é ser uma pessoa que crê no meio ambiente, na democracia, nas liberdades, no diálogo, no consenso e no respeito à diferença.
Como a ciência, a cultura e os saberes tradicionais podem dialogar para enfrentar as mudanças climáticas?
A história demonstra que é muito fácil os países chegarem a acordos e consensos em temas educativos, científicos e culturais. Estamos falando de coisas que são básicas e necessárias, nas quais os acordos mínimos são muito simples:como melhorar a educação, como fazer com que os jovens aprendam melhor, como apoiar a pesquisa e a cultura.
É mais fácil entender-se em torno de tudo isso do que se começar a falar de presunções ideológicas que, muitas vezes, são excludentes e não fazem sentido.
Como a organização colaborou com o Brasil durante a COP30?
A COP30 é um dos 634 projetos que a OEI desenvolve no Brasil (e um dos 650 na América Latina), mas é singular e de grande impacto. Demonstrou que a sinergia entre o governo brasileiro e uma organização multilateral, como a OEI, faz as coisas funcionarem e serem eficazes. E está dando à COP uma agenda de conteúdo futuro.
É muito importante incorporar temas de educação, cultura, ciência e pesquisa na agenda da COP, pois são os elementos que darão uma projeção futura ao evento. A COP não é um lugar de chegada, é um lugar de arranque.
Como você enxerga a realização da conferência em uma cidade da Amazônia?
Foi um grande acerto e uma grande oportunidade. Fazer uma COP em Nova York, Paris ou Buenos Aires seria bom, mas seria uma atividade mais acadêmica e política. Em Belém, a atividade foi muito real. Ao decidirmos participar da COP com o Brasil, recebemos muitas críticas nos meios de comunicação e em foros políticos.
Contudo, demonstramos que o lugar era idôneo, pois se trata de uma prioridade mundial. As mudanças climáticas não são uma opção de opinião ou um adorno. O câmbio climático mata centenas de milhares de cidadãos, seja por meio dos incêndios na Amazônia, onde morrem natureza e pessoas, ou por meio de tempestades, como uma na Espanha que matou mais de 200 pessoas.
Qual o legado mais importante da COP30?
Por um lado, são os indicadores e as metas aprovadas, que são objetivos que queremos que todos os países cumpram. Em segundo lugar, gerar uma agenda de sustentabilidade para o dia a dia, apoiada por atividade educativa e cultural.
A COP não deve ser um evento isolado, mas sim, um evento que construa as políticas públicas do futuro. E o aprendizado da colaboração com governo é muito importante para nós. A COP é um exemplo de que a confiança entre um governo e uma agência multilateral podem somar forças.
Finalmente, a amplíssima participação da comunidade. Foi um evento onde não vimos somente políticos e pesquisadores. As comunidades amazônicas participaram continuamente.

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