
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em novembro em Belém, marcou o início da coordenação brasileira nos debates globais sobre o tema até a próxima edição, na Turquia, em 2026. Especialistas, porém, alertam que ainda há muito a ser feito.
O evento na capital paraense reforçou a urgência de debater os impactos do aquecimento global, que tornam as tragédias climáticas mais frequentes. Porém, a ausência de diversos países — especialmente os Estados Unidos — gerou frustração quanto à agenda para cumprir o Acordo de Paris, cujas metas ainda estão longe de ser atingidas.
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"O governo brasileiro estava preparado para esse cenário, porque não foi uma COP em que se resolve tudo, mas ela impediu um retrocesso maior, que poderia acontecer", avalia Gustavo Tosello Pinheiro, associado-sênior do think tank climático Third Generation Environmentalism (E3G).
Para ele, seguindo as tradições da ECO92 e da Rio 20, a COP30 deu sinais daquilo que será preciso ser entregue até 2033. "A conferência organizou a agenda e traz alguns avanços, mas escancara os desafios que teremos pela frente para a transição energética", alerta. "O maior resultado foi que o multilateralismo ainda pode acontecer e Belém evitou um cenário de desarticulação do sistema climático global, ainda que não tenha grandes resultados", frisa.
Na avaliação de Pinheiro, o texto final do acordo, embora não tenha incluído menções aos combustíveis fósseis, representa um resultado significativo. Segundo ele, o conteúdo também refletiu a influência da Arábia Saudita — um dos maiores produtores de petróleo do mundo — que manteve um dos maiores estandes na Zona Azul da COP30.
"O pacote de Belém não coloca o planeta na trajetória da meta de 1,5º Celsius prevista no Acordo de Paris, mas cria alguns ganchos que o processo continue acontecendo para chegarmos a essa meta até o fim do século", ressalta. Ele recorda que, há três anos, o mundo tem registros em torno de 2,5º C, e isso começa a se consolidar, o que coloca mais pressão para uma ação no futuro. "Mas, realmente, estamos apenas correndo atrás do prejuízo", lamenta.
TFFF
A aposta do governo é fortalecer o Fundo Internacional para as Florestas Tropicais (TFFF na sigla em inglês) e impulsionar um "mapa do caminho global" para a redução da dependência de combustíveis fósseis, mas há dúvidas em relação a essa agenda.
Especialistas afirmam que o desempenho do Brasil na cúpula pode afetar a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a complexa política interna, marcada por discursos ambientais ambiciosos no exterior e decisões controversas, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e a pressão sobre biomas ameaçados.
O ambientalista Daniel Nepstad, doutor em ecologia florestal pela Universidade de Yale e diretor-executivo e fundador do Earth Innovation Institute (EII) — instituto de pesquisa aplicada que implementou no Brasil, Colômbia, Indonésia e Peru a "abordagem jurisdicional" para o desenvolvimento socialmente inclusivo e positivo para as florestas nas regiões de floresta tropical — considerou a realização da COP30 em Belém "super importante".
Segundo Nepstad, o evento foi a primeira conferência climática dos trópicos com grande representação indígena. No entanto, ele reconheceu que houve poucos avanços concretos durante a cúpula. "Foi muito bonito de ver a interação entre os representantes com mais de 2 mil indígenas dentro da Zona Azul, mas, em termos concretos, a COP que deveria ser a COP da implementação da rota do caminho para a transição dos combustíveis fósseis e do fim do desmatamento, não teve uma decisão final", afirma.
- Leia também: COP30: entre lacunas e vitórias discretas
O cientista também lamentou o fato de o acordo final não ter mencionado combustíveis fósseis no texto, como se houvesse alternativa. "Acho que cada vez mais, o progresso vai se impor. Temos a China com essa agenda global de mitigação dos combustíveis fósseis, que está catalisando a energia limpa, e três governos estaduais brasileiros manifestaram interesse em parcerias com os chineses", diz.
Nepstad fez ressalvas em relação ao TFFF, lançado pelo governo brasileiro durante a cúpula de líderes, que tem meta de arrecadar US$ 25 bilhões. Para ele, esse fundo ainda deve demorar vários anos para ser estruturado e, com isso, o governo perdeu a oportunidade de mostrar aos investidores em Belém que existem estados brasileiros preparados para entrar no mercado de carbono, que foi regulamentado em 2024.
Em sua avaliação, ainda é difícil tornar os sistemas de mercado de carbono compreensíveis para o público em geral. "A COP era o momento para mostrar que existem 10 estados brasileiros que estão caminhando para emitir créditos de carbono. Foi uma oportunidade perdida, mas o governo brasileiro ainda tem 10 meses à frente da COP30 para corrigir isso", considera.
De acordo com ele, esses estados podem atrair entre US$ 10 bilhões e US$ 21,6 bilhões até o fim de 2030, valores que poderiam começar a ser captados a partir de 2026 caso existam programas estruturados. "Infelizmente, não se falou disso na COP30 entre os porta-vozes, mas ainda dá tempo para o governo brasileiro recuperar essa agenda", lamenta.
Foz do Amazonas
Para Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, essas contradições não anulam a capacidade do Brasil de exercer influência internacional. Segundo ela, o líder brasileiro conseguiu preservar sua imagem. "O Lula manteve ali a sua imagem de líder climático quando falou do mapa do caminho global", diz.
Ainda assim, Herschmann reconhece que a exploração de petróleo na Amazônia representa um risco concreto para as metas climáticas. "A Foz do Amazonas é um problema para o clima. Vai ser muito mais difícil conseguir limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC se for encontrado petróleo ali e se a gente explorar", alerta. Para a especialista, a abertura de novas frentes de extração vai na contramão do esforço necessário para conter o aquecimento global.
Ela pondera, contudo, que o problema não é exclusivo do Brasil. "Os outros países também não estão parando. A Inglaterra tem um compromisso de não abrir novas frentes, mas isso ainda é exceção", observa. Daí a importância, segundo ela, de um compromisso coletivo. "A gente precisa desse comprometimento de todos os países. Por isso esse mapa do caminho global é tão importante, porque ele vai discutir exatamente isso."
Daniel Nepstad também considera preocupante a exploração de petróleo próxima à floresta amazônica. "O Brasil poderia avançar na transição energética, aproveitando sua matriz limpa, mas a abertura na Foz do Amazonas é contraditória em relação à agenda florestal", afirma. Ele acrescenta que, globalmente, não existem condições para que países produtores de petróleo deixem de explorá-lo sem comprometer a competitividade, como tentou a Colômbia, e o impacto disso ainda é incerto.
Multilateralismo em xeque
No plano global, especialistas destacam os limites do modelo multilateral de decisões por consenso. "O regime multilateral tem um limite. O consenso leva sempre ao mínimo denominador comum, e isso não acompanha a velocidade e a urgência da crise climática", afirma Stela Herschmann, do Observatório do Clima, sobre os resultados da COP30.
Apesar dos avanços desde o Acordo de Paris — a estimativa de aquecimento global caiu de mais de 4 ºC para cerca de 2,5 ºC —, Herschmann alerta que é preciso acelerar ainda mais as ações. Ela ressalta que o mercado tem reagido a sinais políticos, como a disseminação de energias renováveis, mas que essa resposta ainda é insuficiente frente à crise e à complexidade da articulação internacional.
"É plenamente possível conciliar desenvolvimento econômico com metas climáticas ambiciosas", afirma, destacando não apenas os benefícios ambientais, mas também os ganhos geopolíticos da transição energética e a urgência de realocar subsídios públicos para soluções sustentáveis e de longo prazo.
Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, elogia a atuação do presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, nas negociações e destaca que um passo importante para essa meta foi dado na direção da reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
"O Brasil foi muito habilidoso em acolher os pontos de outros países e o embaixador André Corrêa do Lago teve um papel bem importante para conseguir avançar com a pauta. Isso foi um sinal muito positivo para negociarem o que interessa", acrescenta. Na avaliação da executiva, a COP30 demonstrou o protagonismo do setor privado na agenda de transição climática, especialmente por meio de soluções para a descarbonização da economia.
Ao todo, 195 delegações compareceram a Belém, mais de 42 mil pessoas acessaram a Zona Azul e um impressionante número de 294 mil pessoas participaram da Zona Verde e de eventos paralelos, recordou Nicola. "Isso demonstra que esta foi uma COP com forte participação da sociedade civil e em especial de empresas", destaca.
Para Alexandre Prado, do WWF- Brasil, a COP30 apresentou resultados mistos. "Tem o copo cheio e o copo vazio", diz, lembrando avanços simbólicos, como a maior participação de atores vulneráveis, mas também os limites claros impostos pelo espaço formal de negociações da UNFCCC (Convenção- Quadro da ONU sobre Mudanças do Clima).
Prado elogia o papel da presidência brasileira na coordenação internacional da conferência, mas aponta contradições internas que podem comprometer a credibilidade do país, como o avanço da exploração da Foz do Amazonas.
Para acelerar a transição energética, ele defende a eliminação de subsídios a combustíveis fósseis, o incentivo a energias renováveis e a eletrificação do transporte. "As alternativas existem e precisam ganhar escala. O incentivo deve ir para renováveis, não para a produção de petróleo e gás", conclui Prado.
O debate evidencia que, embora o Brasil tenha conquistado protagonismo internacional e registrado avanços simbólicos, o grande desafio permanece: alinhar políticas internas e compromissos multilaterais de forma consistente, fortalecendo sua liderança climática na COP31 e além.

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