O Distrito Federal é o novo lar de um filhote do maior cervo da América Latina: o Blastocerus Dichotomus, também conhecido como cervo-do-pantanal. O indivíduo é o único da espécie a habitar as terras brasilienses. Em vez do pomposo nome em latim, na capital, ele foi apelidado de Dudu.
O nome é uma homenagem ao antigo cuidador, um adolescente morador de uma fazenda em Mato Grosso. Em junho do ano passado, o filhote se perdeu da mãe em uma área de mata na propriedade. Ao derrubar a vegetação para ampliar o espaço para o gado, a família de Eduardo encontrou o cervo sozinho e o acolheu.
“Com o barulho das máquinas, a mãe deve ter fugido. Na idade em que estava, se não reencontrasse a mãe, viria a óbito”, ressalta o superintendente de manejo de fauna do Zoológico de Brasília, Gabriel Campanati. Mas Dudu ainda teria uma missão importante para cumprir no Distrito Federal.
O bicho vivia solto na área rural, em meio aos outros animais. Por sorte, a mãe de Eduardo não era só dona da fazenda, mas também zootecnista. Quando não pôde mais tratar do animal, que crescia de maneira veloz, a mulher acionou a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab).
Resgate
Foi então que o especialista em cervídeos José Maurício Barbanti atou nas duas pontas dessa história e possibilitou a viagem de Dudu de Mato Grosso para o Distrito Federal. Em 11 de fevereiro, uma van com dois motoristas, um biólogo e um veterinário deixou a capital federal rumo ao município de Lucas do Rio Verde (MT).
No trajeto, não pararam sequer para dormir, e os motoristas se revezavam no volante. Tudo isso para resgatar Dudu o mais rápido possível. Os 1,3 mil quilômetros que dividem as duas cidades foram cumpridos em cerca de 15 horas.
Ao chegar lá, para a surpresa dos tratadores, Dudu era afável, e colocá-lo na caixa para o transporte foi uma tarefa tranquila. Isso porque a espécie é bastante arisca, mas Dudu, cuidado entre outros bichos e por humanos, é manso. Uma vez no carro, chegou o momento de seguir para o novo lar. A viagem de volta ao Zoo em Brasília também foi feita em um dia.
Tratamento
Desde que desembarcou em Brasília, Dudu é tratado em um recinto no Hospital Veterinário (Hvet). Ele vai precisar de mais alguns meses antes de ser apresentado ao público e só será exposto depois do desmame. “É filhote, veio de área selvagem, pode acabar trazendo doenças contagiosas”, afirma o superintendente.
Por lá, o cervo-do-pantanal é cuidado com todas as regalias: leite de cabra, ração, folhas, legumes e frutas. “Tudo para que ele cresça de forma adequada”, explica Gabriel. Atualmente com 39kg, o animal chegar pode a 140kg, com 2m de comprimento quando atingir a idade adulta.
Dudu passou por uma bateria de exames laboratoriais. Como é dócil, não foi necessária sedação. O cervo foi aprovado pelos cuidadores no teste de personalidade: “Sou a pessoa mais próxima dele aqui, ele chega perto para receber carinho, é um rapaz bastante simpático”, conta Gabriel.
Preservação
Gabriel ressalta que Dudu não deve deixar de viver em cativeiro, mas que fará parte de um programa de reprodução da espécie. Hoje, restam cerca de 25 mil espécimes do cervo-do-pantanal em todo o país, e quase 78% desses indivíduos, que antes se espalhavam do sul do Amazonas ao Rio Grande do Sul, agora, se concentram na região pantaneira.
O novo morador de Brasília é uma esperança para toda a espécie. “A gente faz uma reprodução controlada dessas espécies para que os descendentes possam ser reintroduzidos na natureza. É uma forma de manter a população em cativeiro como um socorro à espécie na natureza”, frisa Gabriel.
Cuidar da fauna é, também, preservar a flora, acrescentou o superintendente. “É um herbívoro grande. Geralmente, esses herbívoros têm grande capacidade de dispersão de sementes. Para a regeneração natural das florestas, esses animais são bastante necessários”, destaca Gabriel.
Ameaça
Os cervos-do-pantanal são mais abundantes na região pantaneira e em Tocantins. Esses animais têm sido ameaçados pela caça ilegal e pelo desmatamento. O cervo-do-pantanal está entre as espécies citadas como vulneráveis à extinção no Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A publicação ressalta que “novas fronteiras agrícolas na região Centro-Oeste resultam na degradação da vegetação do Pantanal e, consequentemente, de sua fauna associada. A caça e captura de animais silvestres, seja para o comércio ilegal da fauna, seja para consumo, é a segunda maior ameaça”. Os registros históricos dão conta de que apenas em 1967, 20% de todos os cervos-do-pantanal que viviam na bacia do Rio Paraná foram abatidos.
“A caça esportiva é proibida, mas acontece no Brasil, pelo interesse na carne e no couro, que é muito usado em celas de cavalo”, destaca Gabriel Campanati. Outro problema do avanço das agropecuárias é que esses animais têm mais contato com o gado, o que eleva o risco de contraírem doenças infecciosas, como a febre aftosa.
Modernidade
Para além da situação de ameaça, Gabriel ressalta que ter o bicho no Zoo é uma vantagem. “É uma novidade bem legal, é uma espécie diferente das que a gente tem aqui. Hoje, a gente tem esse conceito de zoológico moderno, de ter os animais para conservação e poder ter uma importância para trabalhar nesse sentido. Além de manter os animais com qualidade de vida, educa a população”, pondera.
Ficha técnica
Cervo-do-pantanal
Nome científico: Blastocerus dichotomus
Habitat: várzeas e planícies alagadas
Alimentação: brotos, gramíneas e plantas aquáticas
Indivíduos no Brasil: 25 mil e 100 cativos em 18 instituições
Gestação: 251 a 271 dias, um filhote por vez
Predador: onças-pintadas, onças-pardas e sucuris
Fonte: ICMBio
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