Pandemia

Covid-19: pesquisadores da UnB são confundidos com golpistas e suspendem estudo

Caso aconteceu na Estrutural após informações falsas terem sido publicada nas redes sociais alegando que cientistas seriam criminosos

Edis Henrique Peres
postado em 04/06/2021 21:09
 (crédito: Beto Monteiro/ Secom UnB)
(crédito: Beto Monteiro/ Secom UnB)

Os pesquisadores do grupo Zarics, coordenado pelo professor Wildo Navegantes, da Universidade de Brasília (UnB), suspenderam um estudo sobre a covid-19, na Estrutural, devido a uma fake news divulgada por um morador da região administrativa. Os pesquisadores estiveram em campo entre 27 e 30 de maio colhendo informações nas residências, no entanto, na segunda-feira (31/5), alguns moradores foram até a delegacia e registraram um boletim de ocorrência contra os profissionais da universidade.

A publicação incorreta sobre o grupo de estudos aconteceu ainda no primeiro dia de coleta de dados na região, em 27 de maio. Um líder comunitário foi abordado pela equipe para que participasse da pesquisa, mas, incomodado, pediu para gravar um vídeo sobre a ação dos pesquisadores. No mesmo dia, o homem questionou o trabalho dos pesquisadores nas redes sociais e recorreu ao Governo do Distrito Federal (GDF) em busca de esclarecimentos. Mas a orientação do GDF foi de que o líder comunitário procurasse a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), e, por isso o morador, divulgou o alerta.

Em uma das postagens divulgadas, um texto informa que um casal estava indo em diversas casas para coletar sangue dos residentes. “Esse casal tá dizendo que é para uma pesquisa da UnB sobre a covid-19. Todos os dias esse casal troca de carro. Cuidado, morador da Estrutural, ainda não sabemos se essa pesquisa é verdadeira. Até agora, já foram nas casas de alguns líderes comunitários. Fique ligeiro, meu povo, ou então o seu sangue será tirado!”, postaram. Nos grupos, os pesquisadores chegaram a ser chamados de criminosos, estelionatários e golpistas.

A divulgação causou medo aos pesquisadores, e um dos integrantes do grupo de pesquisa, o farmacêutico João Marcos Torres, responsável pela coleta de sangue dos moradores, decidiu sair da equipe, pois teve o rosto divulgado nas redes sociais e teme por retaliações.

Desinformação

Raíssa Nogueira Brito, pesquisadora da UnB e uma das integrantes do grupo Zarics, revela que o medo dos profissionais não se restringiu ao João Marcos. “O João estava desempenhando um trabalho com excelência, mas ficou preocupado com o risco dessa informação falsa e optou por sair. Outros profissionais também relatam essa insegurança, porque foi divulgado que éramos criminosos, o que gera certo medo nos integrantes. Tememos que outras pessoas também deixem o trabalho devido a isso”, revela.

A pesquisadora também ressalta que o GDF desconhecia o projeto, pois ele não está vinculado à Superintendência de Saúde. “Temos vários projetos em andamento, alguns acontecem na unidade básica de saúde e, nesse caso, a Superintendência de Saúde tem todos os ofícios e sabe da pesquisa. Mas no caso da nossa atuação em campo, que já é outra pesquisa, não compete à Superintendência e não havia aviso prévio de que o trabalho estava acontecendo para a Secretaria de Saúde ou o GDF, porque não os envolve. No entanto, a nossa equipe já havia avisado a administração e o Batalhão da Polícia da Estrutural, mas houve falhas de comunicação”, pontua.

A pesquisadora destaca que a equipe vai a campo uniformizada, com identificação e que todas as informações da pesquisa e contatos telefônicos, caso a população tenha dúvidas, são informados. Agora, devido ao engano, a equipe suspendeu o trabalho em campo e realiza a divulgação do projeto com os moradores e líderes comunitários da região.

“Na quinta-feira (3/6), fizemos uma reunião com um líder comunitário que foi muito receptivo e deu diversas instruções de como a gente poderia produzir o trabalho na região. Na segunda, pretendemos nos encontrar com a administração da RA (região administrativa) e com o Batalhão da PM. Precisamos fazer isso para a segurança da equipe, além do mais, colocar um trabalho desse em campo exige uma mobilização enorme e um gasto muito grande, por isso os estudos estão suspensos até as pessoas estarem cientes da nossa atuação”, explica.

O que é a pesquisa?

A pesquisadora Raíssa Nogueira Brito explicou ao Correio como funciona a pesquisa realizada pela UnB. “Nós somos do núcleo de pesquisa de medicina tropical da UnB e estudamos a covid-19 e as arboviroses, como dengue, zika e chikungunya. Atualmente, desenvolvemos na Estrutural quatro projetos: três na unidade básica de saúde da RA, que chamamos de Vigilância Ambulatorial, e a pesquisa feita em campo, o Inquérito de Soroprevalência, para saber quantas pessoas possuem anticorpos para determinadas doenças”, conta.

O objetivo das pesquisas é entender quais os custos que a pandemia trouxe para a população, os danos que foram causados tanto na saúde e os danos socioeconômicos. “Nos postos vamos acompanhar essa situação de saúde por um ano. Já a pesquisa feita em campo, que é diferente da realizada na unidade básica de saúde, deve ser finalizada até dezembro. A pesquisa em campo é o que chamamos de vigilância ativa, pois vamos em busca das pessoas para fazer o diagnóstico familiar e descobrir casos de pacientes assintomáticos”, frisa.

Raíssa afirma que a pesquisa é importante, pois geralmente, em períodos de crise sanitária, as ações voltadas para outras doenças costumam ter queda de eficiência. “Queremos saber quantas pessoas tiveram covid-19, dengue, zika, chikungunya e sarampo, porque imaginamos que os casos de dengue, por exemplo, estejam subnotificados. E a metodologia que estamos usando já é conhecida: fazemos um sorteio aleatório das casas e vamos com uma equipe abordar os moradores e explicar o que é a pesquisa. Caso o residente aceite fazer parte, fazemos uma entrevista para coletar os dados clínicos, de identificação, além de dados socioeconômicos. Por fim, fazemos coletas de amostras de sangue para saber se a pessoa teve ou não a doença.”

Nesse método, os pesquisadores conseguirão ter uma fotografia de quantas pessoas foram acometidas e quais regiões mais afetadas. “Isso serve como evidência para direcionar os gestores na tomada de decisão, assim eles vão saber quais áreas precisam de determinadas ações de saúde pública para o controle dessas doenças”, detalha a pesquisadora. O grupo de pesquisa também pretende expandir as RAs de atuação na capital. “Se conseguirmos aumentar o número da nossa equipe, a ideia é ir para outras regiões do DF, como Ceilândia, Plano Piloto e Águas Claras”, detalha.

Posicionamento do GDF

Em nota, o GDF informou que apoia iniciativas que trazem benefícios à população. Mas, para evitar equívocos ou aplicação de golpes, o governo orienta aos moradores a solicitar a identificação dos pesquisadores e, em caso de dúvidas, buscar ajuda da Polícia Civil. “O GDF considera fundamental o trabalho desenvolvido por pesquisadores e em nenhum momento houve a intenção deliberada de taxar os estudiosos de criminosos”, diz a nota.

Devido ao mal-entendido, a UnB também disponibilizou os números de contatos dos responsáveis pela equipe de pesquisa, caso algum morador tenha dúvidas sobre os procedimentos: (61) 3107-0051 ou (61) 99444-6569.

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