Uma data para não esquecer. O feriado de Finados, no Distrito Federal, foi marcado por homenagens com velas, músicas, faixas, orações, coroas de flores e outras demonstrações de amor e saudade. O tempo nublado deixou o momento solene. Para atender os brasilienses, as seis unidades cemiteriais — Asa Sul, Taguatinga, Brazlândia, Gama, Planaltina e Sobradinho — abriram os portões uma hora mais cedo, às 7h. O encerramento das atividades ocorreu às 18h30.
O mecânico Marcelo Martins, 52 anos, compareceu, por volta das 8h, no Campo da Esperança da Asa Sul para visitar o túmulo do pai, do irmão e do sobrinho. Como de costume, o católico estava com a Bíblia na mão e pretendia fazer uma reza para os entes queridos. Com os olhos marejados, o homem lembrou com carinho e emoção daqueles que partiram. "Para mim, Finados não é só um tempo de tristeza, mas, sim, um momento de alegria e lembranças boas. Sou uma pessoa religiosa, então acredito que meus familiares estão ressuscitados com Cristo. Ir ao cemitério significa que estou diante de quem amo, mesmo que eles tenham partido cedo", ressalta Marcelo.
De acordo com a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), responsável por coordenar a concessão das unidades cemiteriais, mais de 500 mil pessoas foram aos cemitérios. Em decorrência da covid-19, no ano de 2020, o público foi de 250 mil. Vacinada contra o novo coronavírus, Elza Gomes, 75, foi visitar o túmulo do irmão e aproveitou para passar na sepultura de Ana Lídia — à época com 7 anos, a menina foi assassinada de forma misteriosa, na noite de 11 para de 12 de setembro de 1973, em uma área de cerrado no campus da Universidade de Brasília. Em homenagem à criança, o Parque da Cidade ganhou um local com o nome da criança.
Elza revela que Ana Lídia sempre abençoou suas promessas. "Tenho uma prima que foi ganhar neném e ela estava com um cisto, mas eu fiz uma promessa, e a filha dela nasceu com saúde e, com 8 anos, veio aqui e deixou uma boneca. Da mesma forma, eu fiz com a minha comadre, ela estava esperando neném, mas passava muito mal, desmaiou e chegou a ficar quinze dias entubada. Mas eu fiz outra promessa, e minha afilhada nasceu com saúde. Com 5 anos, ela também trouxe um brinquedo para Ana Lídia", lembra a paraíba, de Campina Grade.
Elza conta que a história de Ana Lídia cruzou com a sua. O assassinato aconteceu um dia depois de ela desembarcar no Distrito Federal para trabalhar. Desde então, sempre que pode, a mulher leva uma rosa, visita o túmulo e pede para que a criança interceda pela sua família.
Covid-19
No cemitério de Taguatinga o movimento era intenso. No início da tarde, cerca de 300 pessoas estavam no local. O seminarista Leandro Alves, 21, estava com um grupo de religiosos da Arquidiocese de Brasília, que rezavam e prestavam auxílio espiritual a quem quisesse. O rapaz destaca que a missão da Igreja é oferecer palavras de amor aos necessitados.
"A Diocese tem a intenção de levar a presença da Igreja para as pessoas. Somos cerca de 80 cristãos em todos os cemitérios do DF, para rezar o terço, auxiliar nas missas e ir ao encontro de quem deseja. Nós conversamos e cantamos uma música, mas é um trabalho voluntário, nada forçado. Há muito tempo, eu fazia uma caminhada forte na Igreja e, ao longo de um período, percebi que o chamado era mais forte. Como diz São Pedro, eu precisava lançar as redes em águas mais profundas", falou o jovem.
Em frente ao túmulo dos pais e de um grande amigo, as mulheres da família Araújo rezavam. Considerado como um "segundo" pai, Luiz Batista morreu em decorrência da covid-19, em abril. "Mesmo tomando a primeira dose da vacina, o Luiz não resistiu. Ele seguiu os protocolos, era uma pessoa saudável, ficava em casa, e ninguém sabe como ele pegou. Mas ele se sentiu mal, foi internado e começou a ter complicações. Em 1978, meu pai e ele foram contemplados no programa social de moradias da época, eles se conheceram em Ceilândia", descreve Andreia Araújo, 46. Ela estava acompanhada das irmãs Amanda, 38, e Adriana, 43, e da sobrinha Maria Alice, 11.
Para Amanda, diversas vidas foram ceifadas antes do tempo devido à negligência do Estado. "Quando o Luiz morreu, ele foi enterrado, aqui, porque a família ficou muito abalada e pelo grau de proximidade também. A filha dele é técnica em enfermagem, e eles sabiam como se cuidar, não foi por negacionismo. Usavam duas máscaras e tudo. Quando descobriu, ele não estava em estado grave, mas começou a ter apagões. Depois disso, ele teve um acidente vascular cerebral e não melhorou mais, pois ele não reagia e não tinha estímulos. No Hospital de Base, foi decretada morte encefálica. A gente fica triste, porque demorou para sermos assistidos em relação a vacina", lamenta Amanda.
Culto messiânico
"Mesmo que a missão do corpo físico se encerre, a do pensamento continua a existir. A ligação dos que se foram seguem conosco", explicou o reverendo Sandro Vieira Nunes, responsável pela região Centro-Oeste da Igreja Messiânica Mundial do Brasil. Fundada no Japão por Meishu-Sama, os devotos têm uma visão espiritualista em relação ao mundo. Eles acreditam que o ser humano é constituído de corpo físico e espiritual. E, quando a missão da carne acaba, a do espírito continua em outro plano.
"A visão que temos de espirito do messiânico é o mundo do pensamento e do sentimento, que tem total influência na nossa vida aqui. Nós temos a prática de cultuar os que já se foram e reconhecer também que eles continuam fazendo parte da nossa vida por meio do que pensamos e sentimos. Nós somos a continuidade deles, e eles são a nossa origem", descreveu o reverendo.
Para os messiânicos, cultuar os antepassados é uma forma de agradecer e manter a conexão entre diferentes planos espirituais. O lugar que os mortos ocupam, agora, é um local que precisa de "envio" de sentimentos. Desta forma, quanto mais sentimentos e pensamentos positivos as pessoas que vivem no plano terreno mandarem, mais os espíritos terão a oportunidade de alcançar níveis elevados de felicidade.
Na noite de terça-feira (2/10),o Culto às Almas dos Antepassados foi realizado no templo da 315/316 Norte, às 20h, de forma presencial e virtual. O ritual se iniciou com duas orações em japonês e, em seguida, uma em português. Os messiânicos ofertaram oferendas no altar para agradecer tudo que vem de Deus e que mantém a vida material, como moradia e alimentos.
"A tradição diz que 2 de novembro é o dia em que todos os ancestrais têm permissão de interagir com o mundo material. No Dia de Finados, os descendentes — quem está no mundo material — oferecem orações, que fazem diferença para o outro plano. Assim, eles terão mais êxito na continuidade da missão deles", explica o reverendo Sandro Nunes.
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