Meio ambiente

Polícia e pesquisadores entram no quarto dia em busca de predador

Fontes ouvidas pelo Correio trabalham com duas hipóteses: onça-parda ou cachorros domésticos. No último domingo (13/2), duas éguas de um haras foram atacadas. Uma delas morreu e a outra ficou ferida

Adriana Bernardes
Renata Nagashima
postado em 19/02/2022 06:00
Testemunhas dizem que a onça tem aparecido desde novembro. Suspeita é de que ela tenha filhotes -  (crédito: Material cedido ao Correio)
Testemunhas dizem que a onça tem aparecido desde novembro. Suspeita é de que ela tenha filhotes - (crédito: Material cedido ao Correio)

As investigações sobre o que está matando animais domésticos no Núcleo Rural Lago Oeste, no Distrito Federal, entram neste sábado (19/2), no quarto dia consecutivo. Após a varredura inicial, a hipótese mais provável levantada pela equipe do tenente Tales Filipowitz, do Batalhão de Polícia Militar Ambiental, é a de que os animais tenham sido mortos ou feridos por uma onça-parda, conhecida também como suçuarana. O Correio ouviu pesquisadores do Instituto Pró-Carnívoros e, na opinião deles, existe outra possibilidade: a de que os ferimentos tenham sido provocados por cachorros.

Em entrevista ao Correio, o tenente Filipowitz revela ter encontrado pegadas de diferentes tamanhos, o que levanta a suspeita de que uma onça tenha sido a autora dos ataques e que ela tenha filhote. "Pelas marcas das feridas nas presas e quantidade de animais predados, a gente acredita, sim, tratar-se de uma onça-parda que está ensinando os filhotes a caçar. Mas essa é uma hipótese que depende do monitoramento para ser confirmada. É um trabalho demorado e que precisa ser executado com cautela", detalha.

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Com o mesmo cuidado, o pesquisador associado e presidente do Instituto Pró-Carnívoros, Ricardo Boulhosa, analisou as fotos da égua e da potrinha atacadas, juntamente com outros pesquisadores da entidade. Na avaliação deles, esses dois animais não foram atacados por uma onça. A hipótese mais provável é a de que o agressor seja um cachorro doméstico. "As características dos ferimentos e a quantidade de carne consumida não batem com o padrão de ataque de onça. A onça, geralmente, morde na jugular e mata a presa por estrangulamento. Os ferimentos que analisamos têm lacerações compatíveis com mordidas de cachorro", afirma.

Inicialmente, os militares instalaram câmeras e sensores de movimento para a identificação da espécie e do tamanho do animal. Agora, o batalhão trabalha com a possibilidade do bicho estar acompanhado por filhotes. Segundo o comandante da operação, pegadas de tamanhos diferentes encontradas na mata levaram os militares a levantarem a hipótese. "Vai ser feito o monitoramento para confirmar. É um serviço demorado e que precisa ser feito com cautela", explica o tenente Tales Filipowitz.

Biólogos do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) auxiliam os militares na tentativa de localização da suçuarana. Na fase adulta, esse animal pode alcançar até 1,2 metro de comprimento e pesar mais de 70kg. É muito ágil, conseguindo subir com facilidade em árvores.

Grupo atua na região do Altiplano Leste na captura do animal
Grupo atua na região do Altiplano Leste na captura do animal (foto: Divulgação/Insituto Brasília Ambiental)

Concluída a fase de monitoramento, será feito o planejamento e a captura do animal vivo. Posteriormente, ele será remanejado para uma área maior e mais distante das ocupações humanas. "Vamos monitorar o comportamento dela. A princípio, estamos trabalhando em parceria com o Ibram, e eles têm uma postura mais garantista e de preservação do animal", completa o tenente Filipowitz.

Independentemente de o ataque ser de onça ou de cachorro doméstico, Ricardo Boulhosa, do Pró-Carnívoros esclarece que é possível evitá-los. "Manter o rebanho perto da propriedade e impedir que ele entre em áreas de matas; manter os cachorros presos à noite porque temos estudos mostrando que eles percorrem uma distância de até 10km da propriedade quando ficam soltos. Se tornam cães errantes, se juntam a outros e saem para caçar. Depois, voltam para casa", cita.

Entenda o caso

Na madrugada do último domingo (13/2), duas éguas foram atacadas, supostamente pela onça, em um haras da região. Um dos animais foi encontrado ferido e o outro, morto embaixo de uma árvore, com ferimentos no pescoço e na região da barriga. Dono do haras onde as éguas viviam, Marco Antônio Sampaio Filho contou ao Correio que outros animais sofreram ataques em 6 de fevereiro. "Cerda de 11 galinhas foram mortas. E, agora, novamente, de sábado (12/2) para domingo, uma potra foi morta e outra ficou ferida", disse o advogado.

Na chácara de outro morador, o bicho matou seis ovelhas e uma delas foi encontrada a 200 metros do local onde as outras estavam, já dentro da mata próximo à propriedade. De acordo com o presidente da Associação dos Produtores Rurais do Altiplano Leste, Randolfo Martins de Oliveira, moradores da região relataram ter visto a onça desde novembro do ano passado. "Em janeiro, houve uma filmagem deste animal próximo a uma chácara e a gente constatou a presença da onça. Outras pessoas se manifestaram em dezembro e janeiro também", contou.

*Colaborou Arthur Souza

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O que fazer?

Ronaldo Morato, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)

No DF, a Polícia Ambiental apura denúncia de moradores de que uma onça estaria atacando os animais domésticos. Isso é algo corriqueiro?

Os casos são bastante comuns onde há criações em propriedades próximas das reservas. Por isso, é importante evitar esse tipo de confronto (animal silvestre com as criações) e garantir a proteção dos felinos.

Caso as mortes dos animais domésticos do Lago Oeste sejam consequência de ataque de onça, o que precisa ser feito para evitar novos episódios?

Naquela região, temos um grande número de pequenas propriedades, com diferentes tipos de criação: cavalos, porcos, galinhas, ovelhas. Cada propriedade tem um tipo de manejo específico para a sua atividade. Por isso, para cada caso há uma recomendação diferente. De modo geral, existem algumas técnicas que podem afastar o felino.

Quais são essas técnicas?

O uso de buzina de carnaval; colocar colares com sino e que emitem luz vermelha intermitente no rebanho; e cerca elétrica para contenção dos animais são algumas delas. Nesse último caso, é preciso que a cerca tenha baixa amperagem e voltagem alta para o animal não ficar grudado no fio. O choque funciona como um soco. Também é possível usar cães-guardiães, que são animais que protegem o rebanho. Mas não é qualquer cão, e ele precisa ser treinado, saber o que fazer para proteger os animais. Algumas das raças criadas para este fim são o pastor-maremano-abruzês; o pastor húngaro e o pastor-da-Anatólia.

Não é a primeira vez que onças aparecem naquela região. O que fazer quando ficar de frente com uma onça?

A expectativa é de que, vendo a pessoa, ela desvie do caminho e fuja. Não é o que sempre vai acontecer. Pode ser que ela se assuste e entre em confronto. No caso de adultos, o melhor a fazer é levantar as mãos, bater palmas, gritar, fazer o máximo de barulho. Quanto às crianças, os pais ou os responsáveis devem acompanhá-las e não deixá-las entrar nas áreas de mata.

 

Projeto Pardas do Tietê

Estratégias de conservação para onças-pardas estão fortemente relacionadas ao conhecimento de aspectos da ecologia, comportamento e uso do habitat pela espécie. Embora a onça-parda tenha uma distribuição muito mais ampla do que a onça-pintada, tem sido muito menos estudada. Pouco se sabe sobre seus padrões de movimentação e uso do habitat. Os planos de conservação são muitas vezes baseados em parâmetros estruturais da paisagem, sem necessariamente considerar como as diferentes espécies percebem e fazem uso das características da paisagem.

O Projeto Pardas do Tietê vem estudando onças-pardas na bacia do rio Tietê desde o final de 2013. O objetivo do projeto é avaliar a situação ambiental das áreas — próprias e de terceiros —sob influência da AES Tietê, utilizando a onça-parda como ferramenta de conservação, através do monitoramento de indivíduos da espécie no entorno das usinas da empresa.

Atualmente em sua segunda fase, o projeto já encoleirou e monitorou 14 onças-pardas, sendo 3 fêmeas e 11 machos. O estudo vem monitorando as onças de forma intensiva e os dados coletados têm gerado informações extremamente interessantes e importantes para a conservação não só das onças, mas das espécies das quais elas dependem.

Para saber mais acesse https://procarnivoros.org.br/.

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