Legislativo

CPIs da Pandemia e do Iges seguem engavetadas na Câmara Legislativa

Instrumento de fiscalização do parlamento, as comissões de inquérito servem como pressão política sobre o Executivo. Dois requerimentos são motivos de embate: CPI do Iges e a da Pandemia. Único processo finalizado nesta legislatura foi o do feminícidio

Edis Henrique Peres
Pablo Giovanni*
postado em 26/02/2022 06:00
 (crédito:  Poliana Gomes/Divulgação)
(crédito: Poliana Gomes/Divulgação)

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são importantes ferramentas de fiscalização do Poder Legislativo. Ao longo do atual governo, uma CPI foi concluída, duas estão em andamento na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), e sete aguardam assinaturas suficientes para serem prioridade no parlamento. No entanto, além de um dispositivo de fiscalização, as comissões desempenham um papel de articulação política e estratégia.

No governo Ibaneis Rocha (MDB), a CLDF concluiu a CPI do Feminicídio, com a entrega do relatório final em maio de 2021. Presidente da Comissão, Cláudio Abrantes (PDT) destaca que a investigação desafiou todos os envolvidos. "Foi um mergulho na realidade da mulher que, de alguma forma, vive em situação de risco, vítima de abusos e agressões. Vale lembrar, por exemplo, que a condução dos trabalhos teve como um dos entraves a pandemia, em um período de ainda mais incertezas e sem a presença das vacinas. O principal recado que a CPI deixa, inclusive para a política, é a necessidade de que haja integração entre toda a sociedade e do poder público. A educação, o engajamento permanente de todos, o combate ao silêncio, sem espaço para qualquer tipo de omissão ou procrastinação, é o que vai construir uma realidade positiva para a mulher", pondera.

O relatório final produzido avaliou que "os serviços especializados funcionassem de forma integrada e fossem coibidas práticas de violência institucional" as "trágicas mortes de mulheres entre 2019 e 2020 poderiam ser evitadas". Diversas ações foram propostas pelos parlamentares, incluindo medidas para o Judiciário, para o Legislativo e para o Executivo, entre elas, a criação de um Observatório do Feminicídio e o monitoramento integrado das medidas protetivas de urgências. Em agosto, o Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) publicou a decisão que acrescentou o observatório entre as medidas de proteção à mulher.

No entanto, desde 2019, não houve outra CPI finalizada pela CLDF. Cientista política, Fernanda Barros destaca que a comissão "tem um caráter de identificar os atos omissos e as improbidades feitas pelo Poder Executivo". "Ela também tem um papel na proposta política, enquanto um grupo de pressão da agenda governamental, e tem uma função bastante precisa. Essa medida (da CPI) está dentro do nosso rito constitucional, justamente para que o nosso Legislativo possa judicializar e fiscalizar o Executivo, cobrando aquilo que se espera dos governantes", explica.

Essa ação é considerada um instrumento de minoria, pois prevê o quorum de aprovação de um terço dos parlamentares, conforme detalha o advogado e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Caio Morau. "Os membros da comissão tem poderes iguais aos de autoridade judiciais, e a CPI oferece uma leva de instrumentos muito grande de investigação, como convocação de autoridade para depor, quebra de sigilo fiscal, bancário e de telefone, busca e apreensão e uma série de dispositivos previstos na Constituição", enumera.

Votação para composição de membros da CPI do Feminicídio. Única concluída neste mandato
Votação para composição de membros da CPI do Feminicídio. Única concluída neste mandato (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Caio cita que, ao final do processo, a CPI entrega um relatório com duas partes principais. "O indiciamento das pessoas, se há indício de autoria e materialidade de possíveis crimes; e o aperfeiçoamento de determinadas normas para que sejam criadas novas leis ou medidas referente ao tema", complementa o professor. Após essa fase o documento é entregue ao Ministério Público (MP), que vai decidir se oferece uma denúncia.

Em mãos

Duas CPIs estão em andamento na Câmara Legislativa. Presidente da Comissão de Sonegação Fiscal, Rodrigo Delmasso (Republicanos) avalia que os trabalhos estão "em bom andamento". "Fizemos alguns requerimentos e pedimos informações para a Secretaria de Economia. Recebemos parte desse retorno. A área técnica está analisando, e esperamos concluir a primeira etapa até 7 de março. A ideia é verificar se existe uma sonegação por parte dos bancos e, caso exista, queremos aumentar a arrecadação do DF", adianta o deputado.

A segunda CPI em andamento trata sobre maus-tratos a animais. Daniel Donizet (PL), presidente da Comissão, argumenta que diariamente os animais são vítimas de violência. "A natureza dos casos registrados vai desde atos de crueldade até a morte, perseguição, caça, apanho e utilização de espécimes da fauna silvestre. Portanto, é incontestável a necessidade de que a situação seja investigada e fiscalizada", defende o parlamentar.

Apesar disso, segundo Donizet, "as próprias autoridades do DF confessaram não fiscalizar e apurar boa parte das denúncias de crimes contra animais por falta de efetivo ou de local para levar os animais resgatados. Eu recebo inúmeras mensagens, diariamente, de cidadãos reclamando". O deputado ressalta que a CPI busca mapear os casos de maus-tratos e "solicitar informações aos órgãos do governo, à Polícia Civil, ai Instituto Brasília Ambiental e ao Tribunal de Justiça do DF e Territórios".

Interferência

Com tais prerrogativas, as CPIs desempenha um papel de articulação política. Neste governo, dois requerimentos estão parados: a da Pandemia, que pretende investigar a regularidade dos atos praticados pelo Poder Executivo; e a do Instituto de Gestão Estratégica (Iges) que avalia a contratação de empresas e o sobrepreço em contratos e gastos corporativos do instituto. Uma das parlamentares que assinou e propôs as duas CPIs é Arlete Sampaio (PT), oposição da base do governo.

A parlamentar destaca que "13 deputados fizeram o requerimento da CPI da pandemia, ou seja, a maioria da Casa, pois somos 24 parlamentares". "Era obrigação da Mesa conseguir prioridade para a CPI da Pandemia. Contudo, depois, um deputado retirou a assinatura. O que vale dizer é que o nosso objetivo não é a condenação prévia de ninguém, é uma apuração séria do que aconteceu com a Saúde. Da mesma forma com a CPI do Iges, que temos as oito assinaturas necessárias, mas não o suficiente para ela ser considerada prioridade, e só podemos ter, pelo regulamento da Casa, duas CPIs em andamento. A gente percebe que algumas propostas de CPIs são apenas uma manobra de direcionamento do governo", opina Arlete.

Cientista político e advogado, Valdir Pucci explica que esse é um movimento comum dentro da política. "A CPI é instrumento desse jogo, porque, muitas vezes, um deputado que é desprestigiado pelo governador coloca o nome em um pedido de CPI, uma vez que o instrumento permite a retirada do nome até a Comissão ser instaurada, afim de buscar um prestígio junto ao Poder Executivo", conta.

Na avaliação de Valdir, algumas CPIs que aguardam para serem aprovadas na CLDF não devem ser emplacadas até o fim desta legislatura. "Pela força do governador, não acredito na instauração de CPI contra a (Secretaria) de Saúde e o Iges passarem por esse processo, porque os deputados assinaram e, depois, retiraram a assinatura. O apoio ao governo é majoritário na Câmara", destaca.

Apesar dos esforços para a aprovação de uma CPI, e do tempo que dura a investigação da Comissão, nem sempre o MP considera que há materialidade para instaurar um inquérito. Especialista em direito público, Amanda Caroline explica o motivo de a população muitas vezes ficar com a impressão de que a investigação "acabou em pizza". "A CPI no relatório final pode arquivar o fato, caso não tenha indício de fraude ou crime, ou apresentar o processo ao Ministério Público, pois ele é o detentor da ação penal", afirma.

"Muitas pessoas pensam que a CPI vai punir os responsáveis, porque, passados tantos dias ouvindo-os, se acredita que esse será o fim do procedimento. No entanto, a Comissão não tem esse poder. Será o MP que avaliará se a denúncia tem provas e indícios fortes, com materialidade e autoria, para que a ação seja iniciada. Nem sempre o processo vai adiante, e o MP pode simplesmente dizer que as provas são frágeis, como no caso que todo o país presenciou, da CPI da Covid-19, quando o Ministério Público, sem exemplificar quais provas, apenas disse que o indiciamento estava frágil", detalha Amanda Caroline.

Raio-X

Entre 2019 e 2022, a CLDF concluiu uma CPI e têm duas em andamento na Casa, além de sete requerimentos protocolados. Confira:

Requerimentos:

CPI do Iges: investigar denúncias de direcionamento de contratação de empresas, sobrepreço em contratos, gastos em cartões corporativos e aluguel de imóveis em superfaturamento. Assinado em 28 de abril de 2021. De autoria da base do governo e da oposição.

CPI da Pandemia: investigar a regularidade dos atos praticados pelo Executivo em decorrência da pandemia. Assinado em 4 de agosto de 2020. De autoria da oposição.

CPI dos Contratos da Saúde: investigar irregularidades em auditorias e inspeções da Controladoria Geral do DF na execução de despesas, formalização e execução de contratos com a Secretaria de Saúde. Assinado em 16 de setembro de 2020. De autoria da base do governo.

CPI da Secretaria de Saúde: investigar irregularidades e causas de desvios endêmicos entre 1º de janeiro de 2011 a 10 de setembro de 2020. Assinado em 15 de setembro de 2020. De autoria da base do governo.

CPI da Papuda: investigar superfaturamento e prejuízo de mais de R$4 milhões em obras dos Centros de Detenção Provisória no Complexo Penitenciário da Papuda. Assinado em 15 de setembro de 2020. De autoria da base do governo.

CPI das Pirâmides Financeiras: investigar operações fraudulentas em empresas de serviços financeiros ligados a criptomoedas e na divulgação de informações falsas. Assinado em 26 de agosto de 2020. De autoria da base do governo.

CPI da Fake News: investigar a produção e propagação de notícias falsas, desinformações e boatos. Assinado em 14 de abril de 2020. De autoria da base do governo e da oposição.

Em andamento:

CPI da Sonegação Fiscal: investiga instituições financeiras por possíveis fraudes na arrecadação de Impostos Sobre Serviços (ISS). Assinada em 8 de setembro de 2020. De autoria da oposição e da base do governo.

CPI dos Maus-tratos contra animais: investiga diversos maus-tratos a animais. Assinada em 26 de março de 2019. De autoria da base do governo.

Concluída:

CPI do Feminicídio : Investigou os casos de feminicídio no DF e apontou diversas recomendações para o Executivo, Legislativo e Judiciário, com o objetivo de reduzir as vítimas deste crime. Assinada em 12 de setembro de 2019. De autoria da base do governo e da oposição.

*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Poderes Investigativos

Raíssa Isac, advogada criminalista

"As Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstas no art. 58, § 3º, da Constituição, tendo seu regramento detalhado na Lei nº 1.579/52 e nos Regimentos Internos das Casas (Senado Federal, Câmara dos Deputados Federal e Congresso). A instauração da CPI somente ocorrerá após o preenchimento de três requisitos: o requerimento de, no mínimo, um terço dos parlamentares; a indicação do fato determinado que será o objeto da apuração; e o prazo de sua duração.

Importante esclarecer que, preenchidos os três requisitos, a CPI deve ser instaurada, não havendo qualquer discricionariedade por parte do presidente da Casa ou da Mesa Diretora para impedir sua criação. Isso porque, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o direito constitucional de investigar, expressamente outorgado às minorias das Casas, deve prevalecer.
Ainda, necessário pontuar que, embora a CPI tenha poderes investigativos, a Comissão não tem autonomia para indiciar qualquer autoridade pública que figure como investigada, bem como não possui competência para julgar ou punir os investigados, se limitando a encaminhar, ao final, um relatório com suas conclusões ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União (AGU) para que sejam adotadas as medidas criminais e cíveis aplicáveis."

Como funciona

O Regimento Interno da Câmara Legislativa define que a CPI deve ter o prazo de 180 dias para realizar os trabalhos, podendo ser prorrogado por mais 90 dias. Ao fim do período, a Comissão pode apresentar o resultado de que não concluiu crime ou levar o relatório final, com indiciamento, para o Ministério Público.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação