CARNAVAL

Bloco brasiliense promove conscientização sobre a reabilitação do AVC

Com promessa de muito samba, confete e serpentina, coletivo idealizado por pacientes que se recuperaram de um acidente vascular cerebral sai às ruas neste fim de semana. Objetivo dos organizadores é fazer o tema alcançar cada vez mais gente

Ana Maria Pol
postado em 04/05/2022 06:00
Apaixonada pelo carnaval e uma das criadoras do bloco Suvaco da Asa, Érika Ferreira se recupera há três anos de um AVC -  (crédito:  Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Apaixonada pelo carnaval e uma das criadoras do bloco Suvaco da Asa, Érika Ferreira se recupera há três anos de um AVC - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Tradicionalmente conhecido como uma festa para todos, o carnaval é, sem dúvidas, a celebração da diversidade. Pensando nisso, e com objetivo de promover a inclusão de pessoas com todos os tipos de deficiência, brasilienses em reabilitação de acidente vascular cerebral (AVC) criaram o coletivo AVenCemos. O projeto, abraçado por blocos carnavalescos tradicionais do Distrito Federal — como o Suvaco da Asa e o grupo Patubatê —, leva às ruas uma mensagem de apoio e incentivo, por meio do diálogo e da convivência entre todos que vivem processos nos mais variados estágios da doença, inclusive familiares e amigos de pacientes.

Com a promessa de levar muita música, confete e serpentina para a Galeria dos Estados, o coletivo promove a festa de lançamento do bloco no sábado. O evento será das 14h às 20h, com programação diversa (leia Programe-se). A iniciativa partiu da paixão da doutora em educação e linguagem Érika Ferreira, 47 anos, pelo carnaval. Idealizadora do Suvaco da Asa, que integra a programação pré-carnavalesca da capital federal desde 2006, ela sofreu um grave AVC durante um voo de volta das férias, em novembro de 2019.

  • O presidente do tradicional Suvaco da Asa, Pablo Feitosa, com a amiga de longa-data Érika Ferreira Arquivo Pessoal
  • 03/05/2022 Crédito: Carlos Vieira/CB. Avencemos. Na Foto Erika Ferreira. Carlos Vieira/CB
  • 03/05/2022 Crédito: Carlos Vieira/CB. Avencemos. Na Foto Erika Ferreira. Carlos Vieira/CB
  • Iniciativa teve apoio de foliões em diferentes estágios da recuperação do derrame cerebral Reprodução/AVenCemos

A demora no atendimento deixou Érika com sequelas, como afasia de broca — transtorno neurológico que afeta a região do cérebro responsável pela linguagem, o que prejudicou a capacidade dela para produzir palavras. Em reabilitação há três anos, a pesquisadora precisou de ajuda da irmã, a servidora pública Nara Ferreira, 58, para dar entrevista ao Correio. "Ela sempre gostou da alegria do carnaval e, durante o tratamento, surgiu a sementinha de levar alegria para pessoas que também estavam passando por esse processo", conta Nara.

No atendimento de reabilitação neurocognitiva na Rede Sarah, Érika conheceu o poeta e professor Guilherme Carvalho, 39, que teve um derrame em maio de 2020. Ele se tornou um dos incentivadores do projeto AVenCemos. "Estava dormindo, e quando acordei, tive uma convulsão. Fui para o hospital. Lá, identificaram o problema, fiz uma cirurgia e, no fim, deu tudo certo. Acabei ficando com paralisia no braço, afasia e apraxia, sequelas que dificultam coordenar ou programar a fala", explica.

A paixão pelo carnaval uniu os dois, que decidiram promover a alegria, apesar das adversidades cotidianas: "Sabemos que não são todos que, como nós, têm a mesma paixão. Mas aqueles que gostam querem ver a alegria de quem encara a superação de problemas, enquanto temos vida e condições de viver com alegria. A proposta do grupo é essa", completa Érika.

Quando se fala em derrame, cada segundo pode ser crucial. Em questão de minutos, é possível salvar memórias, fala, mobilidade e, claro, uma vida. Por isso, Guilherme explica que o intuito do bloco é, também, conscientizar. "O AVC é uma doença que mata muitas pessoas e deixa sequelas. Quem sabe, um dia, você precise lidar com isso? Vejo um preconceito, e isso é desgastante. De uma hora para a outra, você é especial. Tudo muda. Passei por isso durante a pandemia, e foi bem complicado não poder comemorar os pequenos passos que dei com os sorrisos de amigos, minha rede de apoio. As pessoas precisam ser mais receptivas com as diferenças, seja com quem sofreu um acidente vascular cerebral ou não", observa.

O grupo, que nasce com o DNA da integração, está aberto a receber pessoas com deficiência de todos os tipos, além de amigos e familiares delas, para a vivência de momentos com alegrias e experiências partilhadas. "Nos casos de AVC, costumamos pensar no que poderia ser evitado e que, se tivéssemos tido um atendimento mais rápido, não teríamos ficado com sequelas. Ao mesmo tempo, nós nos sentimos gratos ao pensar que algo pior poderia ter acontecido. Então, a mensagem é esta: a vida precisa ser vivida da melhor forma possível, com o que temos em nossas mãos. É sobre superar problemas e celebrar isso", destaca Érika.

Recuperação

Presidente do bloco Suvaco da Asa e amigo de Érika há mais de 15 anos, Pablo Feitosa Nunes Amorim, 48, defende que o AVenCemos mostra a importância de trabalhar a diversidade, principalmente no carnaval. "Os blocos de rua começavam a ter uma pegada inclusiva, e esse surge como forma de conectar todo o trabalho. É como um prêmio para quem tratava da questão dentro de grupos menores", comemora. Ele acrescenta que, apesar de pequeno, o coletivo tem potencial para sensibilizar muita gente: "A inclusão vem de quem se sensibiliza pela dor do outro e quer fazer algo mais. O coletivo nasce dessa essência".

Fred Magalhães, 47, idealizador do grupo Patubatê — uma das atrações do evento de sábado —, promover debates no carnaval é uma forma de fazer temas relevantes alcançarem ainda mais pessoas, devido ao caráter popular da festa. "Nós não costumamos saber muito sobre o AVC, e é algo bastante comum. Essa é, inclusive, uma forma de alertar a população quanto aos cuidados que deve tomar", sugere.

O grupo performático, que atua com percussão em materiais recicláveis, planeja ir além e mostrar o papel da música para o tratamento de pessoas que enfrentaram um derrame. "Esse é um elemento de cura e até para acompanhamento de quem tem síndrome de Down ou autismo. Com ela (a música), conseguimos transformar vidas, e o AVenCemos, com certeza, promoverá isso", finaliza Fred. 

Programe-se

A festa do Coletivo AVanCemos tem entrada gratuita e será na Galeria dos Estados, das 14h às 20h. Conheça mais sobre as atrações, que contarão, ainda, com os DJs Karla F e Luciano Kalatalo.

Grupo Patubatê
Na ativa há mais de 19 anos, o Patubatê é conhecido no Brasil e no mundo por fazer música com instrumentos inusitados, a partir do reaproveitamento de sucatas como latas, tonéis, baldes, panelas e peças de automóveis. Os percursionistas tocam ritmos brasileiros, incluindo maracatu, samba funk, afro, ijexá, carimbó e ciranda, sempre acompanhados de um DJ de música eletrônica.

Orquestra Popular Marafreboi
Surgiu da variedade de gêneros musicais do Norte e do Nordeste, como maracatu, frevo, bumba meu boi, xote, baião, ciranda, maxixe, xaxado, baião, entre outros. Por meio dessa relação, surgiu um trabalho autoral que personifica a diversidade cultural do país, presente nas apresentações da orquestra.

Suvaco da Asa
Um dos blocos mais tradicionais do pré-carnaval de Brasília, o Suvaco da Asa é inspirado na folia de Momo de Pernambuco e faz homenagem às festas populares de Recife e Olinda. Com referências à folia do estado nordestino, o grupo promete arrastar foliões no embalo de marchinhas, frevo, baião e muito mais.

Informações: @avencemos_df, nas mídias sociais.

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