ELEIÇÕES 2022

Violência contra a mulher vira debate na campanha de candidatos ao GDF

Caso da brigadista morta pelo ex-marido com golpes de uma pia quebrada é mais um triste episódio na estatística criminal. Candidatos ao Palácio do Buriti detalham ações para tragédias diárias como feminicídios

Ana Isabel Mansur
Arthur de Souza
postado em 20/09/2022 00:01 / atualizado em 20/09/2022 15:48
O aprimoramento da segurança pública precisa incluir o enfrentamento à violência contra as mulheres -  (crédito:  Minervino Junior/CB/D.A Press)
O aprimoramento da segurança pública precisa incluir o enfrentamento à violência contra as mulheres - (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Os índices de criminalidade e violência no Distrito Federal terão de ser enfrentados com rigor por quem ocupar o Palácio do Buriti a partir de janeiro. Somente até agosto deste ano, a capital do país registrou 21,7 mil crimes violentos letais intencionais e contra o patrimônio. O número inclui homicídios, latrocínios (roubos seguidos de morte), lesões corporais seguidas de morte, furtos, roubos e estupros, além de tentativas de homicídio e latrocínio, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Em meio às tristes estatísticas, o recorte de gênero chama a atenção: apenas em 2022, são 13 casos de feminicídio no DF. A última vítima, Patrícia Rufino, 40 anos, foi assassinada no sábado pelo ex-marido, Cleiton Rogério Pereira Costa, com golpes de partes de uma pia, que ele quebrou para agredi-la. Patrícia deixa cinco filhos, dos quais quatro são do assassino.

O aprimoramento da segurança pública precisa incluir o enfrentamento à violência contra as mulheres. Professor de direito penal do Ceub, Víctor Minervino Quintiere lembra que esse combate deve ser feito de maneira articulada entre União, estados, DF, municípios e organizações não governamentais. "Mais importante do que reprimir, é evitar que as mulheres continuem sendo vítimas dessa prática monstruosa", avalia. O professor defende ações articuladas para evitar os crimes letais. "Os candidatos devem demonstrar capacidade de integração operacional da segurança pública com outras áreas, como assistência social, saúde, trabalho, educação e habitação." O próximo governador do DF, conforme explica Víctor, deverá trabalhar pelo fortalecimento de estatísticas de monitoramento "para identificar focos e aprimorar políticas educacionais". Ele também pede o aumento do atendimento policial especializado, para dar vazão às demandas.

O Correio reuniu as propostas dos candidatos ao governo para enfrentar a violência no Distrito Federal. Os programas dos seis políticos que lideram as intenções de voto — de acordo com a última pesquisa Correio/Opinião, de 5 de setembro — incluem a valorização dos profissionais, integração entre as forças de segurança, investimento em tecnologias, construção de inteligência articulada e rigor no combate à violência de gênero.

Programas sociais

Em busca da reeleição, o governador Ibaneis Rocha (MDB) reconhece a importância da autonomia da mulher na construção de uma sociedade mais segura. "A gente tem de combater o feminicídio cada vez mais e dar qualificação profissional para as mulheres. A maioria é líder dos lares da nossa cidade, e temos realizado, com os programas sociais, meios de entregar sempre o cartão do benefício nas mãos das mulheres, porque sabemos que elas têm responsabilidade e ajudam muito mais as suas famílias."

A senadora Leila do Vôlei (PDT) relembra os feitos do mandato, como a criação da Lei do Stalking (perseguição) e a destinação de 5% do fundo de segurança para a proteção das mulheres. "No meu plano de governo, estão previstas a construção de mais duas unidades da Casa da Mulher Brasileira e a criação de uma Delegacia Especial da Mulher na região norte do DF. Vamos lançar o projeto Mulher Segura, promovendo ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres e o feminicídio, e capacitar servidores da segurança pública para atendimento humanizado das mulheres vítimas de violência", detalha Leila.

Candidato do Partido Social Democrático (PSD), o empresário Paulo Octávio afirma que, caso assuma o GDF, fará uma gestão com "tolerância zero com o crime". "O aumento no número de agentes de segurança e a implementação de novas tecnologias trarão reflexos para a diminuição do crime", frisa. Em relação à violência doméstica, PO pretende criar um programa de proteção às mulheres. "Ele consiste no monitoramento do agressor e segurança preventiva da vítima, viabilizando um acionamento anti-pânico em caso de aproximação do autor do crime."

O deputado distrital Leandro Grass (PV), candidato da federação PV-PT-PCdoB, afirma que a segurança da população será assegurada com o aumento e melhor distribuição dos policiais nas cidades e áreas rurais, além da criação de um sistema integrado de prevenção. "Ele vai envolver não só as polícias militar e civil, como também as comunidades e outros órgãos do governo", comenta. Para a proteção das mulheres, Grass quer fortalecer e ampliar a Rede de Enfrentamento às Violências contra as Mulheres. "Vamos fazer campanhas para conscientizar, prevenir e educar a população para combater o machismo, o racismo, o capacitismo, o etarismo e a LGBTfobia", frisa o distrital.

Policiamento

Candidato pela federação PSDB-Cidadania e PRTB, o senador Izalci Lucas (PSDB) garante que, caso eleito, vai integrar as polícias Civil e Militar, com uso tecnologia como drones, e intensificar o policiamento ostensivo e preventivo. "Vamos contratar PMs reformados para trabalhar na segurança das escolas. Faremos um revezamento do comando da SSP-DF entre um representante da Polícia Militar e um da Polícia Civil." Em relação à violência contra a mulher, o candidato cita a criação de mais delegacias especializadas, qualificação de pessoal e cobertura às vítimas. "A atual onda de feminicídio precisa ser estancada e somente uma vigilância mais permanente sobre os homens acusados pode evitar isso", alerta.

Keka Bagno (PSol), da federação PSol-Rede, propõe um modelo de segurança preventivo e comunitário, por meio da integração das forças e do aprimoramento das técnicas de investigação. A candidata também destaca a valorização da saúde física e mental dos profissionais. "Vamos priorizar a consolidação dos Conselhos de Segurança Pública em cada região administrativa, investir nas tecnologias e atuar para equiparação salarial e melhores condições de trabalho. A saúde dos trabalhadores será prioridade." Para ela, a defesa das mulheres deve incluir assistência social e educação. "Elas são as mais pobres e estão nas filas das creches e das unidades de saúde. Vamos garantir o acesso prioritário delas às políticas públicas em todas as áreas e construir mais uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, em Planaltina, para atender a região norte."

 

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Armamento ou desarmamento, eis a questão

Embora o assunto não seja de competência do Executivo local, o Correio questionou os candidatos sobre a flexibilização do acesso dos brasilienses às armas de fogo. Eduardo Galvão, professor de políticas públicas do Ibmec, destaca que "já é um consenso na literatura especializada que, quanto mais armas em circulação, maior é a probabilidade de ocorrência de crimes. Com a população desarmada, o número de homicídios cai drasticamente". Ibaneis não quis comentar o assunto. Leila do Vôlei é contra o armamento da população em qualquer circunstância. "Meu plano de governo propõe uma campanha de conscientização social para a entrega voluntária de armas e munições."

Paulo Octávio (PSD) afirma que, nas áreas rurais, o armamento garante proteção adicional aos donos das terras. No entanto, o candidato tem ressalvas quanto ao armamento indiscriminado da população. "Prioritariamente, as forças de segurança pública e segurança privada devem estar bem armadas. Precisamos estudar mais esse impacto junto à população, pois o porte indiscriminado poderá ter efeito diverso do que se pretende atingir."

Leandro Grass compartilha da opinião da candidata do PDT. "Sou totalmente contra armar a população. Considero essa política nociva para a sociedade e até criminosa. Nós sabemos, por estudos e pelo que vemos, que é sempre um risco, principalmente quando ocorre de maneira desenfreada, sem controle da posse e do porte e sem rastreamento de munições. Armas devem ser usadas apenas pelos militares e profissionais de segurança pública, responsáveis pela proteção da sociedade."

O senador Izalci Lucas discorda dos colegas, mas defende cautela no armamento dos indivíduos. "Não pode ser generalizado, para não assistirmos mortes por motivos fúteis, como brigas de trânsito ou mesmo acidentes domiciliares. Sou contra a proliferação descontrolada de armas à população. É preciso que haja critérios rigorosos, além de uma avaliação psicológica para ver se a pessoa está habilitada a usar uma arma em sua defesa. Deve haver critérios específicos para quem mora na área rural, que deem tranquilidade e segurança para quem vive nesses locais, devido a baixa densidade populacional, com fazendas e chácaras isoladas."

Keka Bagno acredita que o aumento da segurança por meio do armamento dos cidadãos é uma "falsa promessa". "Sou contra. Não é colocando armas nas mãos das pessoas que vamos combater as violências, ao fazer justiça com as próprias mãos. É uma falsa promessa de segurança, que atenta contra a vida das mulheres, crianças, adolescentes e idosos, dentro e fora das casas, e também contra a vida dos profissionais da segurança pública."

Crimes no DF

  • Roubos e furtos a transeuntes: 12.931
  • Roubos e furtos de veículo: 6.541
  • Roubos em transportes coletivos, comércios e casas: 1.160
  • Estupros: 448
  • Tentativas de homicídio: 358
  • Homicídios: 173
  • Tentativas de latrocínio: 68
  • Feminicídios: 13
  • Latrocínios: 10
  • Lesões corporais seguidas de morte: 2

    Total: 21.704

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do DF. Dados coletados até 1º de setembro de 2022

Política de governo

Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito da Universidade de Brasília (UnB), pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (UnB) e do Grupo Candango de Criminologia (UnB)

A persistência da violência contra mulheres e meninas evidencia o quanto elas não estão, de fato, seguras no Distrito Federal. Apesar das conquistas legais, os dados evidenciam a cultura do feminicídio, do estupro, do assédio sexual, da violência intrafamiliar e doméstica.

É um quadro bastante grave, e o enfrentamento exige, necessariamente, a mobilização de múltiplas frentes e atores dentro de uma abordagem interinstitucional e multidisciplinar, na implementação e efetivação de ações e de políticas públicas, não apenas punitivas e repressivas mas, sobretudo, preventivas, que garantam a autonomia pessoal, econômica, social e política das mulheres. Pela seriedade e complexidade do problema, a violência contra mulheres e meninas no DF deve ser tratada como política de Estado, não somente de governo, com historicidade e continuidade.

No caso do DF, os rumos da condução de uma política específica, timidamente utilizada, tem se mostrado um desafio, como é o caso do monitoramento de homens agressores com tornozeleiras eletrônicas. Outra medida que tem mostrado algum efeito prático e preventivo é o botão antipânico. Em diversos casos, o monitoramento eletrônico tem sido efetivo no rompimento do ciclo de violência, garantindo o cumprimento das medidas protetivas e evitando feminicídios e estupros.

Ibaneis Rocha (MDB)

» Ampliar o Sistema de Videomonitoramento e os Centros de Monitoramento Remotos.

» Projeto Trilha Segura de prevenção à violência e à criminalidade, com atendimento e acompanhamento psicossocial de adolescentes entre 14 e 20 anos.

» Programa Órfãos do Feminicídio; incentivar maior participação no âmbito do Sistema de Recompensas do Distrito Federal; e ampliar investimentos de combate aos crimes de gênero.

» Trabalhar pela isonomia da Polícia Civil com a Polícia Federal; inserir policiais militares e bombeiros militares do DF no plano de saúde do GDF.

» Construir a Penitenciária do Distrito Federal 3.

 

Leila do Vôlei (PDT)

» Fortalecimento dos órgãos para melhoria da segurança nas escolas.

» Intensificar o policiamento preventivo comunitário nas proximidades das escolas e a percepção de risco a toda a comunidade escolar.

» Criar alternativas
econômicas e sociais para evitar o engajamento de jovens egressos do sistema socioeducativo em dinâmicas do crime.

» Capacitação de servidores do sistema de segurança pública para atendimento humanizado, condução da ocorrência e encaminhamentos das meninas, mulheres e da população LGBTQIA em situação de violência.

» Investimento em tecnologias
de monitoramento modernas.

 

Paulo Octávio (PSD)

» Reestruturar e valorizar
as carreiras dos profissionais
e unificar a base de
dados de todas as
forças de segurança.

» Implementar o programa Tolerância Zero à violência doméstica e combater com especial atenção o feminicídio.

» Criar o programa
Segurança do Futuro,
com novas tecnologias,
como sensores, câmeras, inteligência artificial e
botão antipânico.

» Segurança preditiva: identificar os locais com maior probabilidade de ocorrência de crimes, por meio de base de dados e análise criminal.

» Fortalecer e integrar o
serviço de inteligência dos órgãos de segurança pública do DF e do Entorno.

 

Leandro Grass (PV),da federação PV-PT-PCdoB

» DF em Paz: criar um sistema integrado, nas cidades e no meio rural, para combater todas as formas de violência, proteger as pessoas e afastar o medo e a insegurança.

» Envolver as comunidades, as polícias militar e civil e outros órgãos de governo que podem contribuir para efetivar a segurança no DF.

» Valorizar os profissionais de segurança pública.

» Evoluir para o conceito de segurança cidadã e comunitária.

» Estabelecer de forma
clara, transparente e
continuada o diálogo entre a população e governo em temas como ambientes urbanos, fachadas cegas, áreas sem iluminação e o papel das
forças de segurança.

 

Izalci Lucas (PSDB), da federação PSDB-Cidadania e PRTB

» Segurança pública integrada, com estratégia baseada em concepção científica, adoção de ferramentas tecnológicas digitais e legislação atualizada.

» Recomposição e adequação gradual do efetivo das corporações e ajuste da remuneração.

» Polícia comunitária.

» Ação conjunta das forças de segurança pública do DF e da Região Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno (Ride), dos órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário e da sociedade civil e, também, o compartilhamento de
dados e inteligência.

» Estruturar o atendimento, ações e programas de prevenção, acolhimento e proteção para vítimas de violência.

 

Keka Bagno (PSol), da federação PSol-Rede

  • Criar casas de acolhimento provisório para mulheres em situação de violência e regulamentar as leis do Programa Órfãos do Feminicídio e do Orçamento Mulheres.
  • Valorizar a remuneração dos servidores e investir na formação continuada em mediação de conflitos, técnicas de negociação e direitos humanos.
  • Realizar workshops sobre práticas antirracistas, antimachistas e anti LGBTQIA+fóbicas.
  • Promover, no sistema penitenciário, programas efetivos de reinserção social, qualificação educacional e profissional.
  • Construir medidas de justiça restaurativa para crimes de menor potencial ofensivo.
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