O número de ciclistas mortos no trânsito do Distrito Federal, entre janeiro e agosto deste ano se igualou ao registrado em todo 2021: 16 no total. Na última semana, o Correio percorreu ruas da capital e observou motoristas não respeitando a distância de segurança das bicicletas — 1,5m — e ciclistas tendo de dividir vias com veículos em alta velocidade. Mesmo com uma malha cicloviária com 636,890km de extensão, quem pedala vive uma rotina de medo. ONGs olham os números com indignação e apontam que o cenário é resultado de uma longa história de desrespeito por parte dos condutores e descaso de governos. Em 2020 — quando houve as medidas restritivas mais severas de combate à pandemia da covid-19 —, comparado aos últimos cinco anos, tem a marca de mais óbitos: 24.
Há 14 anos, a bicicleta é o meio de transporte usado pelo auxiliar de construção civil Claudio Moraes, 36 anos. O morador de São Sebastião pedala diariamente para ir e voltar do trabalho. A insegurança no trânsito é constante, e a indignação passou a fazer parte da rotina. "Aqui, tem motorista que não respeita as leis. Mas, um grande problema também é a falta de sinalização e de passagens adequadas. Aqui, tem ciclovia, mas isso não é a realidade geral", reclama.
Cláudio sempre retorna do trabalho com o colega Marrone Costa, 18. O jovem relata que passou por alguns apuros na hora de voltar para casa. Um deles poderia ter terminado em tragédia. "Tem dois meses que pedalamos juntos. Nesse período, vivi algumas situações de desrespeito. Um carro quase bateu no pneu traseiro da minha bicicleta. Foi um susto, mas não me machuquei", lembra.
Há sete anos fazendo da bicicleta um meio de transporte e para o lazer, Anthony Kevin, 19, sofre, cada vez mais, com o desrespeito no trânsito de Brasília. "Às vezes, estou andando, e um carro me fecha sem motivo. Em alguns casos, dá pra ver que foi falta de atenção, em outros, (os motoristas) simplesmente jogam o veículo em cima e ainda saem xingando", denuncia o morador de São Sebastião.
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A rotina de acidentes e imprudências pode ser avaliada como sintoma de um contexto maior. Segundo Renata Aragão, coordenadora geral da ONG Rodas da Paz, o modelo de transporte do DF é uma "carrocracia", em que os ciclistas são deixados de lado, tanto por condutores quanto pelo governo. "Infelizmente, só existem investimentos para os veículos motorizados, como o alargamento de vias e construção de viadutos e pistas velozes. (O governo) não segue a lei de mobilidade distrital e, quando constroem novas estruturas, não concebem ciclovias e travessias de pedestres no projeto original. Depois que tudo está pronto, fazem um puxadinho ou passarelas que levam os modais ativos a se deslocarem muito mais e em piores condições, os colocando em risco", critica.
Joyce Ibiapina, coordenadora administrativa da ONG avalia que outro fator de perigo é o desrespeito por parte dos condutores. Ela reforça a importância da conscientização de atitude no trânsito que valorizem a vida de ciclistas. "É importante que os condutores respeitem o ciclista porque, em cima de uma bicicleta, vai uma vida, que pedala como meio de transporte, lazer ou esporte. É um veículo democrático que atende a diversos usuários", frisa.
Indignação
O desrespeito aos ciclistas tem consequências que, por vezes, são irreparáveis. Mônica Alyne Santos, 38, perdeu o irmão Joelson Santos, 38. O morador da Cidade Estrutural foi atropelado, na pista Norte da via Estrutural, por um criminoso que havia roubado um veículo e estava em fuga da polícia, em fevereiro. "Todos da família estão muito abalados. Nossas vidas não são mais as mesmas. Não tenho nem palavras para expressar o tamanho da dor que sentimos nesse momento", lamenta a irmã.
O criminoso foi preso em flagrante, porém, na família, paira a indignação frente ao atropelamento que matou Joelson. "Meu irmão iria fazer 39 anos no dia 11 (de fevereiro), mas esse bandido tirou a vida dele faltando apenas oito dias para o aniversário", protesta Mônica. Para ela, há certa impunidade para motoristas que provocam esse tipo de morte. "Um descaso, tanto dos motoristas quanto do governo. Faltam leis mais severas para esses condutores que tiram vidas no trânsito. Eles matam e saem tranquilos", afirma.
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Via de mão dupla
Três elementos são os principais potencializadores de risco de acidente nas vias, segundo o porta-voz do Detran-DF, Glauber Peixoto: uso de álcool, desatenção e excesso de velocidade — aspecto que pode ser mais perigoso em vias com limites entre 70km/h e 80km/h. "Infelizmente, em alguns dos acidentes graves que nós tivemos, aqui, no DF, esses fatores estavam envolvidos, principalmente o excesso de velocidade. Em outros, o condutor para de observar o trânsito por segundos para olhar uma mensagem, não enxerga a presença de um ciclista na via e muda de faixa ou adentra o acostamento, como já aconteceu", detalha.
Apesar da imprudência ser fator de alto risco para os que pedalam pelas ruas, inobservância de condutas de segurança por parte daqueles que pedalam contribuem para que incidentes ocorram. "Com certeza, os riscos são muito maiores quando o condutor dos veículos em geral não respeitam a presença do ciclista na via, mas, é importante que o ciclista tenha conhecimento da forma correta de transitar na via para não se expor ao perigo", afirma Glauber Peixoto.
Os ciclistas do DF podem participar de minipalestras e campanhas educativas oferecidas pelo Detran-DF, como as promovidas pelos projetos Bike em Dia e Bike em Dia na Madrugada — em que ciclistas são abordados na rua para que recebam orientações sobre condutas que podem tomar e que ajudam a diminuir o risco de acidentes nas pistas.
*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho
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O que diz a lei?
Em relação às infrações de trânsito, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê:
Art. 201: Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta — infração média; multa de R$ 130,16 e quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Art. 220: Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito ao ultrapassar ciclista — infração gravíssima; multa de R$ R$ 293,47 e sete pontos na CNH.
Fonte: Detran-DF
Fica a dica
- Por lei, o ciclista tem que andar no mesmo sentido de circulação dos demais veículos
- Utilizar roupas em tons claros ou alguns elementos refletivos, que possam mostrar a presença do ciclista com mais facilidade aos condutores
- O capacete não é uma obrigação, mas é importante que o ciclista use o equipamento
- Observar com atenção áreas de cruzamento de vias, por ser um local mais delicado em que, muitas vezes, o condutor está observando o trânsito de veículos e acaba não vendo o ciclista
- Não ficar mudando de faixa e não circular em meio aos veículos
Fonte: Glauber Peixoto, porta-voz do Detran-DF