Implementado em fevereiro deste ano, o "violentômetro" é uma ferramenta informativa utilizada como instrumento de prevenção à violência de gênero. Segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) — responsável pela criação do "violentômetro" —, ele possibilita que as pessoas identifiquem e reconheçam os diferentes tipos e graus que a violência pode assumir nas relações íntimas de afeto. Usando o material como critério, o Correio foi às ruas do Distrito Federal e fez o teste, tanto com homens quanto com mulheres.
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Seis aceitaram participar do questionário: três de cada gênero. Entre elas, todas apontaram condutas de violência contra a mulher, se reconhecendo como possível autor ou como vítima. Apenas uma mulher não se viu no contexto de violência doméstica, mas conseguiu identificar conhecidas que viveram situações listadas na ferramenta. Foi a estudante Emilly Dias, 21. Ela conta que teve apenas um relacionamento na vida, até o momento, mas que ele foi bastante tranquilo.
Sobre a amiga que sofreu abusos, Emilly recorda que ela chegou a mudar completamente o comportamento, deixando até de sair com o grupo de amizade, por conta do namorado. "Tentei alertá-la diversas vezes, mas o próprio namorado fazia a cabeça dela, dizendo que eu não era amiga de verdade, porque estava tentando separá-los", afirma. "Foi nesse momento que ela parou de falar comigo, acabou me enxergando como a inimiga", lamenta. Segundo ela, o casal se separou logo depois.
Traumas
Mesmo a primeira abordagem não sendo de uma mulher que tenha sofrido abuso, não foi difícil encontrar uma história de sofrimento. Antônia*, 21, lembra até hoje de seu primeiro namoro, que deixou marcas profundas. "Fiquei com uma pessoa durante um ano e só fui perceber os sinais de violência no final do relacionamento, que coincidiu com a época que entrei na faculdade e comecei a conhecer novas pessoas. Nesse momento, passamos a ter problemas", conta.
De acordo com ela, o primeiro sinal de que algo estava errado foi o ciúme excessivo. "A gente brigava por tudo: se eu curtisse a foto de alguém nas redes sociais ou o contrário; se eu começasse a seguir um homem ou o contrário. Eu não podia ter amigos", relata. A estudante confessa que foram as amigas quem abriram seus olhos para o relacionamento abusivo. "Acho que se dependesse somente de mim, talvez tivesse demorado um pouco mais para perceber", afirma. Antônia conta que ainda passou por um período em que recebia ligações e mensagens do ex-namorado. "Cheguei ao ponto de ter que bloquear. Ele dizia que ia mudar, mas ainda bem que não dei chance. Não me arrependo da minha decisão", desabafa.
Assim como ela, Angélica*, também de 21 anos, tem um relato de abuso sofrido no passado. Segundo a jovem, um de seus namorados da adolescência era bastante agressivo e chegava a socar portas e armários durante discussões. "Eu era muito nova, tinha 15 anos. Não sabia muita coisa sobre o que poderia representar uma violência ou relacionamento abusivo, mas achava o comportamento estranho", conta. Foi só depois que o namoro terminou — e ela entrou na faculdade —, que Angélica soube, de verdade, pelo que passou.
"Conheci alguns movimentos sociais e me inteirei sobre o feminismo. Foi a partir daí que percebi o que tinha vivido. Eu me senti muito mal quando descobri, mas foi um excelente alerta para mim", destaca. A partir daí, ela nunca mais se deixou viver um relacionamento abusivo. "Atualmente, estou namorando (um mês de relacionamento) e está tudo tranquilo. Não identifiquei nenhum tipo de perigo", ressalta Angélica.
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Olho aberto nos sinais
Passando para o lado masculino da relação, a surpresa dos entrevistados reforça a necessidade de divulgação maciça dos temas abordados no "violentômetro" da Sejus. É mais comum do que se pode imaginar a quantidade de homens que não se reconhecem como autores de violência, por estarem inseridos numa sociedade que banaliza esse tipo de crime. É o caso de Paulo*, 46. Ao saber que insistir para ter relações com a companheira, mesmo quando ela não quer, é um tipo de abuso sexual, ele ficou espantado. "Sinceramente, não sabia disso, e admito que já cometi esse abuso", confessa. "Agora, com essa informação, sinto que é importante me policiar mais e buscar conhecimento para saber o que é ou não é violência contra a mulher", ressalta Paulo.
Colocando toda a sua sinceridade em jogo, ele afirma que, nas sua rodas de amigos, costuma escutar bastante casos de homens "reclamando" que a mulher não estava afim de sexo, mas insistiram mesmo assim. "Até então, considerava isso como normal. Mas agora, sabendo que isso é errado, vou passar essa informação para eles, para que isso não se repita mais", promete.
Outro que também se encaixa como possível autor de violência é Pedro*, 22. Dizendo que mentiu em algumas relações que teve na vida, ele mesmo se entende com essa possibilidade de cometer algum tipo de agressão, por mais que nunca tenha chegado a esse ponto. "O simples fato de ser homem, me faz reconhecer que é possível", admite. "Para evitar isso, costumo me colocar no lugar da mulher. Fiz isso antes e continuo fazendo no meu relacionamento atual", detalha Pedro.
Ele conta que, fora dos relacionamentos, foi bastante agressivo e, por causa disso, se controla ainda mais, para não fazer esse tipo de coisa dentro do seu namoro. "As brigas sempre ficam na conversa, mas quando percebo que pode evoluir para algo pior, por eu estar estressado, saio para dar uma volta ou peço espaço para a mulher", comenta. "Com isso, evito não só a violência, mas até mesmo a fala de um modo mais agressivo, o que já é algo ruim", ressalta.
Além de Pedro, João*, 20, confessa ter mentido ou enganado uma mulher durante o relacionamento, mas, assim como Paulo, também ficou surpreso ao saber que isso se tratava de uma violência. "Era muito novo na época, não tinha noção de nada", conta. "Só que agora, sabendo que o que fiz foi um tipo de abuso, acho que não repetiria as mesmas coisas, a gente sempre evolui", complementa. Para ele, o mais importante é que os homens pensem se suas atitudes estão corretas. "Outro ponto é que, se o relacionamento está ruim, apenas saia dele. Nada justifica a violência, de forma alguma. Só segue em frente e deixa a mulher viver também", completa.
*Nomes fictícios para preservar as identidades dos entrevistados
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Fonte: Sejus