Mês da Mulher

As mãos que oferecem acolhimento a mulheres vítimas de violências

Elas estão na linha de frente do acolhimento especializado a todas as que sofreram diversos tipos de abusos por homens

Margarida, da Casa da Mulher: "Precisamos trabalhar as emoções todos os dias. Não podemos nos fragilizar. Devemos estar fortes para os acolhimentos" -  (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)
Margarida, da Casa da Mulher: "Precisamos trabalhar as emoções todos os dias. Não podemos nos fragilizar. Devemos estar fortes para os acolhimentos" - (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)
postado em 12/03/2024 06:00

Beatriz Mascarenhas *

Aos 8 anos de idade, Margarida Minervina diz haver entendido o que queria evitar. Por ver mulheres serem tratadas com grosseria por homens, decidiu: "nunca terei dono". Seguindo, porém, os costumes do interior do Maranhão, seu estado natal, casou-se aos 16. Esse primeiro relacionamento foi marcado por agressões. Aos 23, se separou e veio cuidar da vida em Brasília. "Eu achava que, na capital, não tinha brutalidade. Precisei me reinventar", contou. Hoje, aos 51, pedagoga e assistente social, chefia o Núcleo de Alojamento de Passagem da Casa da Mulher Brasileira, em Ceilândia, instituição de acolhimento a pessoas que enfrentam violência de gênero. Esse atendimento é essencial à recuperação da autoestima, à proteção e à inserção vítimas femininas de abusos de diversos tipos em uma rede de apoio.

A Casa da Mulher Brasileira funciona 24 horas todos os dias. É um serviço de porta aberta que recebe todas que o procuram. E, dependendo do caso, a pessoa pode ser encaminhada a outras instituições, como o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Caem) ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Para Margarida, trabalhar na casa é gratificante, mas não é fácil. "Precisamos preparar nosso (equilíbrio) emocional todos os dias. Não podemos nos fragilizar com um caso, devemos estar fortes para acolhê-las", recomenda.

A psicóloga Maria Carolina Araújo, 36, atende no núcleo coordenado por Margarida. Segundo ela, os casos mais comuns são os de violência física e psicológica. As vítimas dessas situações, ao chegarem lá, percebem que estão amparadas pelo Estado e que não precisam voltar àquela situação de sofrimento. Elas contam com atenção psicossocial e a uma avaliação do risco de morte.

Num primeiro momento, é analisado o estado da saúde mental e física delas. São levantados, também, dados como a diferença etária entre o agressor e a vítima, e se o abusador tem armas e faz uso se álcool e drogas. "Há dias em que eu fico devastada e penso: vai melhorar. Ainda bem que essa mulher chegou até aqui", revela Maria Carolina.

A psicóloga explica ainda que há diversas formas de violência. "No meu primeiro atendimento, acolhi uma mulher que chorava muito. O que mais a incomodava era porque o agressor havia soltado o gado em cima da plantação de mandioca que ela havia passado semanas trabalhando. Isso me comoveu porque a gente normalmente pensa em violência física, mas esse tipo de crueldade afeta demais", conta.

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Equilíbrio

Cada atendimento é realizado por duas pessoas da equipe, para que uma apoie a outra. Suporte necessário como o de uma mulher que Maria Carolina está acompanhando. "Toda vez que ela vem aqui, eu preciso me tranquilizar para apoiá-la porque mexe muito comigo. Ela descobriu primeiro o abuso sexual contra a filha e depois contra o filho. Não terminou o casamento com o agressor por conta da religião. Não havia desconfiado porque eles frequentavam juntos a igreja", relata. Casos assim, segundo a profissional, são comuns na unidade. "Muitas vezes, a religião se transforma em uma justificativa para as mulheres não saírem da situação de violência. Então, elas vêm aqui só para desabafar." E ressalta: "Todo dia é uma luta, mas o bom de trabalhar nessa área é saber que estou ajudando um pouco. Todas as mulheres estão juntas para que a gente consiga acabar de vez com essa violência que todas nós passamos."

No local, há três quartos que, juntos, contam com 14 camas para as vítimas, que podem ser abrigadas por 48 horas. Durante esse período, a casa entra em contato com familiares delas. "Muitas vezes, a família não quer receber essa mulher agredida. Algumas vezes, por medo do agressor, outras por estar saturada com a situação", explica a coordenadora da casa, a administradora Francisca Cléia, 48. Após os dois dias, segundo ela, a vítima pode escolher, então, ir para um abrigo, com endereço mantido em sigilo.

Francisca lamenta que, há 20 anos, as informações sobre violência de gênero não eram tão difundidas. Ela explica que passou por uma situação de abuso patrimonial em um relacionamento que viveu, ficando endividada e tendo demorado para se reerguer. "Se eu tivesse continuado naquele relacionamento, ao invés de coordenadora, eu teria entrado aqui e virado estatística", reflete.

"A quebra do ciclo de violência é uma escolha da mulher. É muito difícil recuperar a autoestima, recomeçar um novo caminho. Mas, se elas quiserem, nós damos as mãos para segurar, qualificar, proteger e até inseri-las no mercado de trabalho", garantiu a administradora.

Na casa, as mulheres podem participar de cursos de qualificação e de inserção no mercado de trabalho. Atualmente, dois estão sendo oferecidos: cuidadora de idosos e recepcionista. Também há oficinas, como cuidados com a beleza, artesanato e pintura artística. "Essas atividades também são importantes para as mulheres criarem uma rede de apoio entre si, tanto econômica, quanto de cuidados próprios", conta Francisca. E afirma: "O centro não acolhe apenas mulheres das periferias. Infelizmente, a violência contra a mulher é democrática. Não escolhe classe social".

Assistência

A Secretaria da Mulher do Distrito Federal, Giselle Ferreira, diz que, em Brasília, são oferecidos vários tipos de ajuda à vítima de violência doméstica. "É oferecida uma assistência ampla, desde o acolhimento psicológico com terapeutas e assistentes sociais, profissional com a área de empreendedorismo e capacitação profissional, saúde e planejamento familiar."

Além disso, ela ressalta que o GDF desenvolve ações para incentivar o empreendedorismo e a capacitação das mulheres que enfrentam esse problema e dependem financeiramente do seu agressor. Segundo a secretária, essas iniciativas "auxiliam no processo de fazer a mulher entender que há uma porta de saída da violência".

A titular da pasta lembra que, antes da violência, existem sinais, como palavras rudes e empurrões. As nuances da violência doméstica podem passar despercebidas, mas quando notadas, a advogada Ana Izabel Gonçalves de Alencar, Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB DF e especialista em violência de gênero, explica que se deve buscar ajuda, imediatamente. "Denunciar (à autoridade policial) é sempre o melhor caminho", aconselha.

Ana Izabel explica que o início do controle em um relacionamento abusivo se dá de diversas formas. A mais comum é quando o agressor mantém a autoestima da vítima baixa. A mulher acaba entrando em um relacionamento abusivo, ficando dependente emocional e financeiramente do parceiro. A advogada ainda afirma que estar em meio a um grupo de apoio feminino é primordial. "A união das mulheres é fundamental porque descobrem que não estão sós e acabam se apoiando e se ajudando", analisa.

Transformação

A advogada Leila Brant Assaf, 28, faz parte da gestão do Instituto Umanizzare, uma organização não governamental (ONG) que, desde 2015, acolhe e atende a mulheres em situação de violência e de vulnerabilidade social. Leila conta que já trabalhava com a pauta de violência contra a mulher, antes de conhecer o instituto, mas que a entidade tem feito muito bem até para ela mesma.

"Eu vejo o tanto que conseguimos tocar na vida daquela pessoa, mesmo que seja o mínimo. Nem que seja apenas para colocar um sorriso no rosto. Sinto gratidão em trabalhar na Umanizzare, em poder transformar a vida de uma pessoa que não acredita mais que pode ser ajudada. A gente vê transformações completas de vida. Fazer bem ao próximo é fazer bem a si, isso me motiva a ir todos os dias pro instituto", considera Leila.

No Instituto Umanizzare, a mulher é atendida por psicóloga e assistente social. A entidade oferece, gratuitamente, sessões de psicoterapia individual ou em grupo, aconselhamentos social e jurídico, capacitações, formação multidisciplinar e acesso ao mercado de trabalho.

* estagiária sob supervisão de Manuel Martínez

 

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