Investigação

No centro de fraude milionária, golpistas assumem venda de passagens; ouça

Reportagem do Correio revelou como funciona o esquema dos chamados "valeiros", responsáveis por venda ilegal de passagens. Prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 162 milhões por ano

Venda ilegal de passagem de ônibus causa prejuízo de mais de R$ 160 milhões aos cofres públicos.
 -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
Venda ilegal de passagem de ônibus causa prejuízo de mais de R$ 160 milhões aos cofres públicos. - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

Os chamados “valeiros”, responsáveis pela venda ilegal de passagens de ônibus, assumem, sem discrição, o crime (ouça o áudio abaixo). Uma reportagem especial publicada pelo Correio nesta segunda-feira (17/2) revelou a rede criminosa milionária articulada por golpistas.

A equipe do Correio conversou com um dos suspeitos de vender passagens em cartões de terceiros. O homem costuma cobrar mais barato: se a passagem é R$ 3,80, ele faz por R$ 3,50 ou R$ 3, a depender da quantidade de pessoas. O homem em 45 anos já trabalhou em uma empresa de transporte de ônibus do DF. Alinhado ao “bico”, carrega nas costas uma vasta ficha criminal, com registros desde 2013 por roubo, furto, ameaça e lesão corporal no âmbito da Lei Maria da Penha, além de investigações por estelionato que não resultaram em inquérito.

Na conversa, a equipe questiona se ele sabe que a atividade é ilegal. Ele responde: “O cartão é meu. Eu compro ele e passo o quanto que eu quiser.” Ele assume ganhar uma “mixaria”, em torno de R$ 60 por dia, mas opta pelo “bico” por estar desempregado. “Estou enviando currículo”.

Novamente, a reportagem questiona se todos os cartões pertencem a ele e se ele compra o cartão de terceiros. “O pessoal da rua joga fora e a gente pega. [...] a gente compra também mais barato”, complementa se referindo aos cartões em nome de outras pessoas.

Lucro

O custo anual do transporte público na capital federal é de aproximadamente R$ 2,7 bilhões. Esse valor subsidia todo o sistema, desde a ampliação da frota aos custos com campanhas de conscientização. No entanto, nesse mesmo período, o governo perde pouco mais de R$ 160 milhões — 6% do orçamento — em fraudes. Isso inclui a ação dos “valeiros”.

Além dos cartões de vale-transporte, os criminosos usam para a fraude os cartões das gratuidades, como o Passe Livre Estudantil (PLE), cartão do idoso e o cartão para Pessoas com Deficiência (PCD). Nesses, os suspeitos lucram 100%.

A regra é clara: os cartões só podem ser utilizados pelo titular do benefício. O uso por terceiros é proibido e leva ao bloqueio. O secretário explica que há duas fontes de detecção de possíveis fraudes. No caso dos vales sem taxas e no de vale-transporte, a fiscalização é pela biometria. A cada uso, as câmeras captam o rosto do usuário e o sistema avalia a existência de pontos de divergência.

Em caso de incompatibilidade entre o usuário e o titular do cartão, inicia-se um processo de aviso ao responsável, com direito à manifestação e sob o risco de bloqueio. Essa etapa leva em média 10 dias e, nesse período, os “valeiros” aproveitam. Como o usuário tem o direito de três embarques no intervalo de três horas, o acesso em um curto intervalo de tempo gera desconfiança dos fiscais, que iniciam uma investigação interna.

A identificação da fraude no sistema de passagens exige uma análise minuciosa. Por dia, são três mil veículos transportando passageiros em mais de 920 linhas, com 22,5 mil viagens. Junto à Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), as auditorias do BRB Mobilidade no Sistema de Bilhetagem Automática e a Polícia Civil do DF desencadeiam operações frequentes para coibir a ação dos “valeiros”.

No ano passado, as operações levaram à prisão de seis pessoas por venda ilegal de passagens no transporte público e à apreensão de 100 cartões de diferentes modelos. Os titulares dos cartões também foram prejudicados. Contra eles, foram instaurados processos internos, medida imposta antes dos bloqueios.

Darcianne Diogo
postado em 17/02/2025 20:57 / atualizado em 17/02/2025 22:52
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