Fique atento!

Era da fake news liga alerta para 1º de abril, Dia da Mentira

Para além das mentiras inocentes de 1º de abril, há quem dissemine notícias falsas continuamente, atitude que pode gerar consequências graves. Pesquisadores do DF investigaram os impactos da desinformação no cérebro

Diferentemente dos mentirosos, o comportamento de quem compartilha desinformação ou ideias conspiracionistas não é necessariamente um ato intencional ou de má-fé -  (crédito: Maurenilson Freire)
Diferentemente dos mentirosos, o comportamento de quem compartilha desinformação ou ideias conspiracionistas não é necessariamente um ato intencional ou de má-fé - (crédito: Maurenilson Freire)

Quem nunca mentiu ou caiu em uma brincadeira de 1º de abril, que atire a primeira pedra. Na escola, no ambiente de trabalho ou em casa, sempre há um 'engraçadinho' que não perde a oportunidade de pregar uma peça. Fato é que, para além das mentiras inocentes, normalmente contadas ou compartilhadas de forma intencional e pontual, há quem dissemine desinformação continuamente. E as consequências podem ser graves. 

Segundo a psicóloga social Isadora Araújo, o comportamento de mentir é parte das interações sociais humanas. "Estar em sociedade demanda a existência de normas de conduta e manifestação de comportamentos. A partir disso, pessoas exibem algumas características e deixam outras de lado. Há informações que podem ser melhor acolhidas em um grupo do que em outro. Nisso, a mentira pode surgir e ter vários usos, desde uma performance social que cause admiração nas pessoas, até um senso de autoproteção, para se preservar", explica.

Isadora, que é integrante do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, lembra que, mesmo em contextos nos quais é demandado falar a verdade sempre, a mentira pode ser cogitada, visto que há verdades difíceis de lidar. "A mentira, então, passa a ser até desejada em alguns momentos", acrescenta. E, a depender do uso, esse comportamento pode afetar a autonomia e a independência dos sujeitos.

"Pessoas podem realizar leituras enviesadas da realidade por conta de mentiras que reforçam as percepções que elas têm. A depender de como as informações aparecem, elas podem ativar nossas emoções e as nossas defesas, causando medo, ódio e indignação com fenômenos que não são bem como achamos que eles são", argumenta a psicóloga. 

Diferentemente dos mentirosos, o comportamento de quem compartilha desinformação ou ideias conspiracionistas não é necessariamente um ato intencional ou de má-fé. Ao contrário, os sujeitos tendem a acreditar profundamente nas informações imprecisas que compartilham.

É o que defende uma pesquisa inédita — e que, em maio, será apresentada no México, sobre os impactos da desinformação no cérebro das pessoas e estratégias para superá-la, coordenada por José Jance Marques, jornalista, advogado, pesquisador do mestrado em comunicação digital no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e doutorando em direito pela Universidade de Brasília (UnB).

Atalhos emocionais

O estudo, que mapeou elementos que acionam gatilhos mentais em mensagens de WhatsApp, imagens e vídeos, mostrou que os conteúdos desinformativos são altamente eficazes em ativar áreas cerebrais relacionadas à atenção e à resposta afetiva, principalmente quando utilizam elementos visuais e linguísticos expressivos — como aquele vídeo 'chocante' que te enviam nas redes sociais.

"Quando expostos à desinformação, os indivíduos demonstram um envolvimento profundo com os conteúdos que evocam emoções fortes, como raiva ou medo, especialmente em mensagens que exploram temas políticos, religiosos e morais", explica José Jance. 

Além disso, a identificação da fonte do conteúdo, como figuras públicas e autoridades políticas, intensifica o impacto da desinformação, aumentando a aceitação da mensagem, mesmo quando seu conteúdo é reconhecidamente falso. "Esses achados revelam que a desinformação explora atalhos emocionais para se perpetuar no cérebro humano, criando uma resposta rápida e, muitas vezes, automática, que dificulta a análise crítica ou resistência", afirma o pesquisador.

A pesquisa, realizada com 84 pessoas do DF, identificou que, em média, uma a cada seis pessoas compartilharia conteúdo desinformativo mesmo o reconhecendo como fake news. A média de tendência de compartilhamento de conteúdos reconhecidos como falsos no WhatsApp ficou em 8%. Quando a fake news é distribuída em forma de cartão de mensagem, as chances sobem para 10% e disparam para 31,75% quando estão no formato de vídeo.

Nada de confronto

O pesquisador José Jance Marques explica que o confronto direto não é eficiente no combate à desinformação, "justamente porque o negacionismo e a crença em teorias da conspiração não são simplesmente questões de racionalidade ou ignorância". Segundo o estudo, essas crenças têm raízes emocionais profundas, relacionadas ao estresse, à angústia, à sensação de perda de controle e à necessidade de pertencer a um grupo social.

Assim, confrontar diretamente as pessoas que circulam a desinformação com fatos e evidências, por mais claros e verdadeiros que sejam, ignoraria as causas subjacentes da adesão a essas crenças. Algumas pessoas que afirmaram compartilhar determinados conteúdos reconhecidos como desinformação admitiram não buscar necessariamente a verdade factual, mas, sim, uma narrativa coerente que explique seus sentimentos de ansiedade, frustração e impotência diante do mundo caótico e ameaçador que percebem.

De acordo com o especialista, as técnicas mais eficazes para combater a desinformação são aquelas que "criam pontes emocionais e acolhem as angústias das pessoas". "Abordagens que estabelecem conexão emocional em vez de confronto direto permitem introduzir gradualmente perspectivas alternativas e promover uma reflexão mais profunda, podendo efetivamente levar à revisão dessas crenças irracionais", diz o coordenador da pesquisa.

Seis passos para identificar notícias falsas: 

» Título chamativo, sensacionalista ou bombástico: verifique se o conteúdo foi publicado em sites confiáveis de notícias.

» Identificou erros ortográficos ou gramaticais? Fique atento!

» A desinformação mora em sites ou canais desconhecidos, por isso, cheque se outras plataformas também falaram sobre o assunto.

» Fuja de textos opinativos tratados como se fossem notícia.

» Parece verdadeira, mas é uma notícia antiga? Sinal amarelo. Nem sempre as notícias são falsas, mas podem ser antigas e/ou estar gravemente descontextualizadas, gerando desinformação. Por isso, é tão importante verificar a data do texto.

» Cuidado com o golpe da URL falsificada! É comum que as notícias falsas sejam divulgadas em páginas com endereços que aparentemente pertencem a um veículo tradicional. Só que, ao serem acessados, direcionam o usuário para outro endereço onde está publicado o texto enganoso. Dessa forma, verifique se o site também é verdadeiro.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Povo fala

Rute Alves da Silva
Rute Alves da Silva (foto: Leonardo Rodrigues/CB)

Rute Alves da Silva,

63 anos, autônoma e moradora do Gama

Ela relata que, ainda jovem, estava nas ruas do Gama e seu irmão veio por trás com uma jaqueta preta nas mãos e simulou um assalto com ela. "Tomei um susto e cheguei a desmaiar. Ele ficou desesperado gritando 'é brincadeira, é brincadeira'". 

Robert Pedro Soares
Robert Pedro Soares (foto: Leonardo Rodrigues/CB)
 

Robert Pedro Soares,

18, estudante de educação física na UnB e morador de Ceilândia 

Uma vez, um ex-amigo falou que tinha passado na universidade também, mas quando Robert foi conferir na lista de aprovados, o nome dele não estava lá. "Ele falou que fazia educação física também. Eu disse 'ué, cadê esse cara que não tá aqui?'. Quando fui ver a lista de aprovados, o nome dele nem estava lá". 

Éder Fonseca
Éder Fonseca (foto: Leonardo Rodrigues/CB)
Éder Fonseca,

42, massoterapeuta e morador do Recanto das Emas 

Ele recorda que, uma vez, quando ainda estava acordando, recebeu uma ligação de uma amiga dizendo que seu cachorro tinha morrido. "Eu já estava chorando. Meu chão já tinha ido. Mas logo ela mandou a mensagem, dizendo que era apenas uma brincadeira". 

João Pedro Zamora
João Pedro Zamora (foto: Leonardo Rodrigues/CB)

João Pedro Zamora,

19, estudante de jornalismo da UnB e morador da Asa Sul

Há muito tempo, o tio enganou João Pedro, dizendo que a mãe dele tinha batido o carro. "Eu era criança e fiquei em choque, não tinha noção nenhuma do que significava bater o carro. Só descobri que era mentira porque minha mãe chegou em casa bem". 

João Gabriel Carvalho
João Gabriel Carvalho (foto: Leonardo Rodrigues/CB)

João Gabriel Carvalho,

17, estudante de engenharia elétrica da UnB e morador do Guará II

O rapaz foi dormir na casa do pai, e ele mentiu dizendo que iria se mudar para Teresina (PI). "Eu tinha uns 8 anos e fiquei uma hora chorando. Até que meu pai virou e falou 'primeiro de abril'. Lembro que fui embora para casa, pois fiquei com muita raiva do meu pai, mas ele se desculpou". 

*Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado

postado em 31/03/2025 05:50 / atualizado em 31/03/2025 14:54
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