URBANISMO

População e especialistas destacam desafios e soluções para a mobilidade no DF

Governo trabalha na atualização do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) e na elaboração do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS). Especialistas e usuários apontam pontos de melhoria

Especialistas afirmam que a construção de mais vias contribuem também para o aumento do fluxo de veículos -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
Especialistas afirmam que a construção de mais vias contribuem também para o aumento do fluxo de veículos - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

No próximo dia 5, o Governo do Distrito Federal (GDF) vai debater, por meio de uma audiência pública, o diagnóstico dos problemas levantados em relação ao que é preciso fazer ou construir para que as pessoas possam se deslocar com facilidade, segurança e conforto na capital do país. Os itens fazem parte do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS), que está sendo elaborado pela Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob). Além disso, a pasta está aproveitando a oportunidade para atualizar o Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU).

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Mas, afinal, do que se trata cada um desses planos? (veja em Saiba mais). O mais importante é saber que eles são instrumentos indispensáveis para ajudar na organização e aprimoramento do sistema de transporte e da mobilidade. O PDTU, por exemplo, foi elaborado em 2011 e, desde então, não foi revisado. O número de veículos no DF, por exemplo, saltou de 1,6 milhão em 2015 para mais de 2,1 milhões no ano passado, um aumento de 29% em apenas uma década. Enquanto isso, a população cresceu em um ritmo bem menos acelerado, 7,95% no mesmo período.

Ao Correio, o secretário da Semob, Zeno Gonçalves, disse que a pasta está cumprindo todos os requisitos legais que a lei determina na revisão do PDTU e na construção do PMUS. "O plano diretor deveria ter sido revisto entre 2020 e 2021, mas a pandemia acabou jogando a revisão para agora, iniciando em 2024. Estamos concluindo a primeira fase, que é a do diagnóstico. Ela foi concluída e vamos apresentá-la oficialmente numa audiência pública, que vai acontecer dia 5 de julho. A partir daí, inicia a nova fase, que é a de prognóstico e a construção do plano", explicou.

Segundo ele, o foco está na priorização do transporte coletivo, no estabelecimento de corredores exclusivos, na despriorização do transporte privado individual, na melhoria da infraestrutura e, principalmente, da mobilidade ativa, o que inclui a micromobilidade. "Hoje, temos um excessivo volume de veículos se utilizando das vias para a mobilidade, prejudicando o deslocamento dos transportes públicos", admitiu. "A gente precisa inverter essa lógica e o plano tem que prever, a médio e longo prazo, investimentos nessa infraestrutura de mobilidade, a fim de que a gente reverta essa composição", observou.

Armadilha

O pesquisador em mobilidade urbana Carlos Penna, no entanto, discordou da solução proposta. "O principal desafio é sair da armadilha rodoviarista que se estabeleceu em Brasília. A produção de automóveis e a falta de transporte público de qualidade fazem com que as novas pistas fiquem sempre congestionadas. Aí se duplica ou triplica a pista e, novamente, se congestiona", ressaltou. De acordo com o especialista, a estrutura viária atual do DF favorece os automóveis (motocicletas, carros, ônibus e caminhões). "Além disso, sempre são esquecidos os ciclistas e os pedestres. No próprio Plano Piloto, é possível observar que, quem quer cruzar os Eixos Sul ou Norte, ou não tem ou têm péssimas passarelas subterrâneas", lamentou.

Porém, segundo Penna, sempre é possível corrigir os erros. "O que se gasta em viadutos, duplicação e triplicação de ruas, túneis, etc., dá tranquilamente para ser investido em Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), Metrôs e Trens Urbanos", avaliou. Para que seja possível adequar a mobilidade urbana do DF, de modo que automóveis, ciclistas, pedestres, entre outros usuários convivam de maneira harmônica, o pesquisador destacou dois pontos.

"Em primeiro lugar, lembrar do beabá da mobilidade: as distâncias curtas são preferencialmente feitas a pé ou de bicicletas. As distâncias médias são para VLTs, ônibus e metrô. As distâncias longas são para metrô e trens urbanos", argumentou. "Por último, não se deve punir quem tem automóvel com 'pedágios urbanos', como a cobrança de estacionamentos. Isso só deve ser aplicado quando já existe um sistema de transporte de qualidade (metrôs, VLTs e trens urbanos). Cobrar de quem tem o automóvel foi a fórmula dada pelo sistema e isso não é correto", acrescentou o especialista.

Entraves

A reportagem conversou com alguns usuários para saber o que é preciso melhorar na mobilidade urbana do DF. O taxista Laércio Ribeiro, 47 anos, morador do Gama, trabalha há 17 anos nas ruas do DF e afirmou que a limitação das faixas exclusivas é um obstáculo no exercício da profissão. "Os táxis deveriam ter direito a todas as faixas exclusivas. Quando pego uma corrida para o Gama, vejo aquela pista do BRT que só vão ônibus, ambulâncias e viaturas, e penso que eu poderia usar também", defendeu.

O motoboy Joedson Galdino, 35, que mora na Asa Sul, ressaltou a dificuldade de encontrar vagas adequadas para motos como um dos principais entraves na mobilidade urbana. "A escassez de estacionamentos específicos para motocicletas força os condutores a deixarem os veículos em locais inapropriados, o que acaba gerando multas. Muito injusto", reclamou.

Para os que preferem ou precisam se locomover a pé ou praticam atividades físicas, os desafios também são muitos. O professor de educação física Tiago Lima, 35, contou que sofreu um acidente durante uma corrida, por causa da má qualidade do asfalto no Novo Gama (GO). "Devido ao asfalto ter subido por conta da raiz de uma árvore que cresceu, tropecei e torci o pé. Isso prejudica muito a nossa prática, e até desanima quem está iniciando", comentou o morador de Santa Maria.

A servidora pública Maritsa Ishioka, 49, de Taguatinga, também apontou falhas estruturais, mas das ciclovias da capital. "Estão melhorando, poré,. ainda estão faltando alguns pedaços que não têm continuidade. Por isso, temos que pegar a calçada, o que é perigoso. No Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) tem uma parte que não tem faixa de pedestres para a gente passar, e o trânsito ali é muito pesado", alertou.

Usuários do transporte coletivo enfrentam uma situação ainda mais exaustiva. Moradora de Valparaíso de Goiás, a auxiliar de serviços gerais Isabel Duarte, 40, começa sua jornada ainda de madrugada e passa mais tempo no trajeto do que com a própria família. "Saio de casa às 4h da manhã para entrar no serviço às 6h30 e, mesmo assim, acabo me atrasando. Na volta, é pior ainda. Saio às 16h e só chego em casa depois das 19h. A situação está horrível. Demora a passar ônibus, e ainda tem engarrafamentos e acidentes", desabafou.

Integração

O secretário Zeno Gonçalves afirmou que, além da audiência pública em 5 de julho, outras oficinas de propostas, em todas as regiões, devem ocorrer, entre os meses de julho e agosto. "Feito isso, consolidamos uma proposta de planos, apresentamos uma audiência pública final, já com o projeto do PDTU, que deve se transformar em projeto de lei, assim como o PMUS", detalhou. "A nossa meta é concluir essa fase e encaminhar o projeto de lei à Câmara Legislativa (CLDF) até, no máximo, novembro, para que seja votado antes do recesso", revelou o gestor.

Presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU/CLDF), o distrital Max Maciel acompanha, de forma ativa, tanto o processo de revisão do PDTU quanto a elaboração do PMUS. Na opinião do parlamentar, as melhores alternativas para construir uma mobilidade urbana harmônica no DF envolvem a integração entre os modais, o planejamento participativo, o fortalecimento do transporte público como direito social e a implementação de políticas como a Tarifa Zero. "Além disso, é preciso repensar o espaço urbano, priorizando as pessoas em vez dos carros, por meio de calçadas acessíveis, ciclovias seguras e áreas urbanas mais democráticas e seguras", avaliou.

  • Joedson Galdino reclama da escassez de estacionamentos específicos para motocicletas
    Joedson Galdino reclama da escassez de estacionamentos específicos para motocicletas Vitória Torres/CB
  • Laércio Ribeiro:
    Laércio Ribeiro: "Os táxis deveriam ter direito a todas as faixas exclusivas" Vitória Torres/CB
  • Isabel Duarte, sobre os engarrafamentos:
    Isabel Duarte, sobre os engarrafamentos: "A situação está horrível" Vitória Torres/CB
  • Maritsa Ishioka afirma que é preciso interligar as ciclovias
    Maritsa Ishioka afirma que é preciso interligar as ciclovias Vitória Torres/CB
  • Tiago Lima torceu o pé ao tropeçar em uma calçada quebrada
    Tiago Lima torceu o pé ao tropeçar em uma calçada quebrada Vitória Torres/CB

*Estagiária sob a supervisão de Patrick Selvatti

 


Saiba mais

» PDTU — É um instrumento de planejamento, que tem por objetivo definir as diretrizes e as políticas estratégicas para a gestão dos transportes urbanos no âmbito do Distrito Federal, e de apresentar proposta de gestão compartilhada para os municípios do Entorno imediato. Fundamenta-se na articulação dos vários modos de transporte com a finalidade de atender às exigências de deslocamento da população, buscando a eficiência geral do Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal (STPC-DF), primando pela eficiência na prestação dos serviços, mediante rede de transporte integrada que prioriza os meios coletivos e não motorizados (pedestres e ciclistas);

» PMUS — A Lei Federal 12.587/2012 estabeleceu a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), cujos princípios, objetivos e diretrizes devem ser efetivados por meio da elaboração do Plano de Mobilidade Urbana (PMUS). No DF, com uma população estimada de 2,8 milhões de habitantes (IBGE, 2022), é obrigatória a elaboração do PMUS. Nesse sentido, é essencial a elaboração de um plano efetivo para o planejamento sistemático da mobilidade urbana, promovendo a acessibilidade e o desenvolvimento sustentável da cidade por meio da definição de objetivos, metas e ações para os eixos que compõem a mobilidade urbana.

Fonte: Semob

Palavra de especialista

A população de Brasília pode ser toda transportada nos automóveis particulares da cidade. E olha que só precisamos usar os bancos do motorista e do carona. São mais de 1,6 milhão de carros nas ruas, dois habitantes em cada veículo. Na virada do século isso já era possível, mas precisávamos usar todos os assentos do carro: eram pouco mais de quatro moradores por veículo privado.

A situação atual contraria o que acontece em boa parte do mundo desenvolvido onde a sustentabilidade econômica e ambiental rege ações de governos e sociedades. Mais espaço para as pessoas nas ruas, para as bicicletas, para o transporte coletivo, para o verde na cidade, para a segurança no trânsito e mais vida. Enfim, as cidades de lá estão ficando cada vez mais humanas, o que não parece ser o caso de Brasília.

Aqui as ações governamentais facilitam a aquisição de carros com a redução de impostos, aumentam as vias para sua circulação, constroem túneis e viadutos para que essa circulação seja priorizada, não cobram estacionamentos em áreas públicas e garantem mais e mais vagas nas edificações privadas. Além disso, as populações estão sendo cada vez mais empurradas para residências longe de seus locais de trabalho, em processo perverso de falta de planejamento do uso da terra no DF e desenfreada especulação imobiliária.

Com tais incentivos e o espalhamento da população no território, essa arapuca aprisiona boa parte da população dentro de armaduras metálicas, como gladiadores tensos em batalhas diárias no trânsito, simplesmente para cumprir suas atividades de rotina. Se os planos e incentivos dos governos não forem revertidos, como acontece no mundo desenvolvido, a oportunidade que temos de nos salvar da violenta selva de carros é a mudança radical no comportamento das pessoas.

Elas sabem que é mais saudável andar a pé ou de bicicleta. É mais econômico o uso de veículo coletivo ou compartilhado. É mais seguro usar esses modos de transporte do que ter que se arriscar de carro nas ruas. Tal narrativa frequente, no entanto, ainda não virou prática e, mesmo sabendo de tudo isso, continuamos a viver "como nossos pais", diria o poeta Belchior.

Wilde Cardoso Gontijo Junior, coordenador da Associação Andar
a Pé - o movimento da gente

postado em 23/06/2025 06:00
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