
Motoristas que dirigem por rodovias movimentadas do Distrito Federal provavelmente já se depararam com animais silvestres tentando atravessar a via ou, pior, atropelados e mortos. Não por acaso, é comum passar por estradas com sinalizações que advertem para a travessia de espécies típicas do cerrado, como lobos-guará, saruês e jiboias. E, mesmo com a implementação de passagens de fauna por diferentes pontos, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou 78 sinistros de trânsito envolvendo animais em rodovias do DF e Entorno, de 2022 até maio deste ano.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular?
Em 10 de julho, 14 capivaras foram atropeladas na QL 32 do Lago Sul; 12 morreram. Uma semana antes, uma jaguatirica morreu após ser atingida por um veículo em Santa Maria. Em 2024, outro caso chamou atenção. Um lobo-guará foi resgatado pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) após ser atropelado, também em Santa Maria, em 2024. Encaminhado ao Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus), o animal recebeu uma placa ortopédica sob medida em sua pata, que havia sido quebrada, e depois de cinco meses de acompanhamento, foi reintroduzido na natureza.
"Ele (lobo-guará) chegou aqui quase morto. Tivemos muito orgulho de conseguir reintroduzi-lo na natureza e temos notícias de que ele está muito bem", comenta o biólogo Thiago Marques de Lima, coordenador do Hfaus. Entre os fatores que implicam na quantidade de resgates e de acidentes estão os impactos ambientais por ação humana, como fogo e desmatamento, e migrações de animais à procura de recursos (água, alimentos e parceiros reprodutivos).
Somente nos quatro primeiros meses de 2025, o BPMA fez 3.447 resgates de fauna silvestre, quase 30% a mais que o quantitativo registrado em todo o ano de 2024. Segundo a tenente Thays Gonçalves, do Batalhão, animais resgatados em rodovias costumam estar em rotas de transição. "Seu habitat foi possivelmente fragmentado, talvez pela construção de uma nova pista, rodovia ou indústria, algo que rompeu o seu espaço. Com isso, o animal fica perdido e, para se alimentar, tenta migrar de uma área verde para outra, cruzando estradas e correndo o risco do atropelamento", explica.
Perigo constante
Das 82 unidades de conservação do DF sob gestão do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), apenas quatro não são margeadas por rodovias — fato que, em parte, justifica a quantidade de incidentes. Informações do Ibram dão conta de que as principais causas dos atropelamentos estão associadas à velocidade dos veículos, à ausência ou ineficácia da sinalização específica para a fauna, à pavimentação e ao tipo de pista das rodovias.
"Rodovias duplicadas e asfaltadas apresentaram as maiores taxas de atropelamento, seguidas por rodovias simples asfaltadas e, por último, rodovias simples não pavimentadas", detalha o gerente de fauna silvestre do Ibram, Rodrigo Santos. Atualmente, o Brasília Ambiental não possui números da quantidades de acidentes e de suas causas.
"O instituto teve um projeto intitulado Rodofauna, que fazia esta estatística em alguns pontos específicos do DF, nos anos de 2010 a 2015. Este projeto encerrou, e não há tratativas, no momento, para seu retorno", completa Rodrigo. Conforme o último levantamento do Rodofauna (de 2010 a 2015), foram contabilizados 5.355 animais atingidos por veículos em rodovias da capital. Desse quantitativo, 4.422 eram silvestres. As aves foram as mais atingidas, com 3.009 registros (68%), seguidas de répteis, com 690 (16%), mamíferos com 448 (10%), e anfíbios, com 274 (6%).
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema), responsável por definir políticas e propor ações relacionadas à proteção da fauna silvestre, informa que também não possui dados acerca do tema. "O DF está relativamente atrasado, no tocante à proposição de leis e políticas voltadas para a proteção da fauna silvestre em estradas e rodovias", avalia Leonardo Fraga, biólogo, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador na área de ecologia de estradas.
Impacto
Segundo o pesquisador, os pequenos animais (ou pequenos vertebrados) são as maiores vítimas do tráfego nas rodovias. Entre as aves, o pássaro tiziu é uma das espécies mais encontradas atropeladas. "Seu voo baixo e sua preferência alimentar por sementes de gramíneas, presentes nas margens das rodovias, ajudam a explicar os atropelamentos", explica Leonardo Fraga.
O popular sapo-cururu se destaca entre os anfíbios atropelados. Seu maior tamanho corporal e principalmente suas glândulas de veneno —as quais afastam outros animais que poderiam se alimentar do sapo) contribuem para a permanência e detecção de sua carcaça nas rodovias. Entre os mamíferos, o saruê aparece em grande número nos registros de atropelamentos. "Seu hábito noturno e adaptação às áreas povoadas os transformam em vítimas de atropelamentos, principalmente em vias urbanas e peri-urbanas", acrescenta o professor.
Entre as espécies com estados de conservação mais preocupantes, também vítimas constantes de atropelamento, estão os tamanduás e as antas. Em 2021, uma tamanduá-bandeira e seu filhote foram atropelados na quadra 18, no Park Way. Em 2022, o mesmo ocorreu com uma anta na Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia) Norte, perto da Granja do Torto. No ano seguinte, um novo atropelamento de anta resultou em sua morte.
"O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) alerta que essas espécies estão em risco de extinção e são classificadas como 'vulneráveis', devido à perda de habitat e redução populacional. Soma-se, ainda, características reprodutivas como as da anta, cuja gestação (de apenas um filhote por vez) pode passar de 400 dias. Assim, para essas espécies, mesmo poucos eventos de atropelamentos representam uma significativa perda da biodiversidade genética das populações, problema que resulta em menor adaptação às mudanças ambientais e maior vulnerabilidade a doenças, processos que aceleram a extinção em curso", detalha Fraga.
No caso dos grandes mamíferos, os hábitos predominantemente crepusculares e noturnos intensificam os atropelamentos. Uma vez avistados nas vias, o tempo de reação do motorista, em condições de pouca luminosidade, é reduzido para evitar a colisão. A sazonalidade também exerce influência na quantidade de incidentes, como no caso de anfíbios que atravessam mais as rodovias durante o período chuvoso, quando se deslocam para reprodução.
Passagens de fauna
Com o objetivo de aumentar a proteção de animais silvestres nas rodovias do DF, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) tem implementado passagens de fauna, dispositivos para permitir a travessia de animais com segurança; sinalização específica para indicar a proximidade com áreas de preservação ambiental e presença de bichos; controladores de velocidade; ondulações e sonorizadores. Há, pelo menos, quatorze locais com medidas de proteção à fauna empreendidas pelo DER.
Na Rodovia DF-001, no trecho do Balão do Colorado até entroncamento com a DF-170, foram instalados oito controladores do tipo "pardal" para fiscalização da velocidade, 14 ondulações transversais, três sonorizadores e 27 placas de sinalização informando sobre a travessia de fauna e a proximidade com o Parque Nacional de Brasília. As passagens de fauna subterrâneas estão presentes na terceira saídas de Águas Claras, em pontos da DF-285, da DF-345, da DF-131 — onde também há cercas direcionadoras —, entre outras localidades.
No entanto, o furto das telas dos alambrados, instalados nos corredores ecológicos, é um desafio na garantia de proteção aos animais. "A reposição dessas telas é necessária para que a passagem de fauna não perca a função para a qual foi construída. Isso onera muito os cofres públicos. Manter a integridade dos alambrados direcionadores de fauna garante a travessia segura da fauna, bem como previne acidentes graves e muitas vezes fatais decorrentes de colisões veiculares com animais nas rodovias", destaca a diretora de meio ambiente do DER-DF, Maria Dulcinea Xavier Nunes.
Para o pesquisador Leonardo Fraga, além das passagens de fauna, "que devem ser aprimoradas", destaca, é preciso instituir políticas ambientais, ao nível dos órgãos do Poder Executivo do DF (Sema e Ibram), implementar grupos de trabalho com pesquisadores ligados ao tema e representantes da sociedade civil, promover audiências públicas, aperfeiçoar propostas e desenvolver levantamentos dos principais pontos de atropelamentos de fauna silvestre.
Orientações
Caso aviste animais silvestres correndo risco de atropelamento, é crucial seguir os seguintes passos para evitar acidentes e salvar vidas:
- Parar em local seguro: nunca pare o veículo no meio da estrada, procure um local seguro para estacionar;
- Sinalizar o local: use triângulos, cones ou outros sinalizadores de trânsito para alertar os demais motoristas;
- Não se aproxime do animal: animais feridos podem reagir de forma agressiva. Observe o animal de longe e repasse as informações aos socorristas;
- Acione o BPMA: ligue no 190 para que a ocorrência seja gerada e o batalhão seja designado ao local. É importante informar a localização e a condição do animal, além dos dados pessoais como o telefone para que os policiais consigam mais detalhes em tempo real e se equipem conforme a necessidade do resgate;
- Aguarde as instruções: siga as orientações dadas pelos militares até a chegada da equipe de resgate.
Cidades DF
Cidades DF
Cidades DF