
Mesmo em meio ao vento bagunçando os cabelos grisalhos, Juliana Batista, de 79 anos, olhava para a imensidão do Lago Paranoá emocionada. Com um sorriso feliz e um silêncio de quem contemplava a água, a idosa não parecia a mesma que estava com medo e se recusava a entrar no barco minutos antes. "Eu nunca tinha pisado em um barco, mas gostei. Gostei muito", disse ela, que quase não fala mais.
Ontem, 100 idosos dos Lares de Velhinhos Maria Madalena e Bezerra Menezes foram agraciados com uma hora de passeio no lago. Concedido pela Associação Brasiliense de Empresas de Transporte de Passageiros, Eventos e Turismo Náutico no Lago Paranoá (Abetur), o projeto voluntário busca levar associações que acolhem pessoas vulneráveis para momentos agradáveis sobre as águas.
Juliana está há anos no Lar Bezerra de Menezes. Os cuidadores do local contaram que ela foi levada até lá após vizinhos contatarem o governo quando notaram a idosa andando pelas ruas procurando seu filho, que já havia sido morto, há anos, no Jardim Roriz. Segundo eles, a idosa ainda pergunta por ele mas, ontem, não perguntou. Calada, ela sentiu a brisa do lago no rosto envelhecido e abriu um sorriso largo.
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Assim como Juliana, Abdenago Almeida, de 76 anos, pareceu esquecer dos problemas, ali, em meio à imensidão azul. "Eu só não sou peixe, mas amo a água", disse o idoso, rindo. Nascido no Rio Grande do Norte, ele contou que o passeio o lembrou do passado, da sua infância nas praias. "Pra quem nasceu na praia, ficar só na terra é um lamento", recordou ele que, em sua cadeira de rodas, queixa-se apenas por não poder nadar. "Hoje em dia, já não posso mais, mas se pudesse, viveria na água", completou.
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Há dois meses vivendo no Maria Madalena, Édio Alves, de 65 anos, contou que o passeio o lembrou de quando ele andava de barco no Pará. Da cidade de Parauapebas, onde seus filhos ainda vivem, ele chegou a Brasília nos anos 70 e disse que já pescou muitas vezes nas águas do Paranoá. "Pegava muito tucunaré, em varinhas simples, daquelas de bambu. Já fiz de tudo na vida", lembrou o idoso. Embora ele diga gostar do Lar de Velhinhos, admite que sair um pouco faz toda a diferença. "A gente sente o vento, olha a paisagem. É algo muito bom, acho que todos nós gostamos".
Para a psicóloga do Bezerra de Menezes, Quézia Aguiar, passeios como esse são importantes para que os pacientes preservem suas habilidades cognitivas, além de estimular a interação social. "Esse contato com o lado de fora é essencial, porque eles acabam ficando muito tempo institucionalizados, o que pode trazer um prejuízo. A conversa com outras pessoas e outros lugares preserva suas funções", apontou Quézia. "Acima de tudo, traz um bem estar a eles, principalmente mental. Até os que estavam com medo, nervosos pela água, estão se divertindo", completou.
Maria Neuza, de 83 anos, nunca entrou um barco antes. Há um ano no Lar Maria Madalena, ela contou que estava ansiosa pelo evento. "Eu queria muito dar uma volta. Embora eu goste muito de lá, sinto falta de visitar mais lugares", ponderou a idosa, que morou, por muito tempo, em Taguatinga. Maria era a mais animada entre as amigas e não parou de sorrir em momento algum durante o passeio. "O Lago é muito bonito, nunca tinha visto assim tão de perto", contou, emocionada.
Para o presidente da Abetur, Fabiano dias, 38, o dever foi cumprido ao ver o semblante feliz dos navegantes. "Tivemos essa ideia de começar um trabalho voluntário e trazer pessoas que, normalmente, não teriam chance de curtir o lago", explicou. A experiência foi a primeira do projeto, que deve chamar outras associações, segundo Fabiano. "Foi muito positivo, poder dar a eles a chance de curtir o lago, curtir o barco. Foi sensacional. Planejamos fazer mais vezes, sempre oferecendo o passeio a alguma parcela da população em vulnerabilidade", assegurou ele. "A gente sabe que o lago não é acessível a todos, muitas vezes pela questão de locomoção ou pelo preço pago nos tours que, embora não sejam caros, não estão na realidade de todos", completou.
Voltando felizes de volta aos Lares, os idosos comentavam entre si o que viveram. Como escreveu Carlos Drummond de Andrade: "Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons." Ontem, sentados em suas cadeiras de rodas, sentindo o balançar do barco sobre o lago, os velhinhos sorriam alegres, assim mesmo como uma criança com sua caixa de bombons.