No solo alaranjado do Cerrado, brotam boas ideias, como a de transformar a capital em um polo de produção de uvas e vinhos. De acordo com dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), existem, atualmente, 60 produtores de uvas no Distrito Federal. Em 2024, a produção da fruta movimentou R$ 18,3 milhões, um aumento de quase 80% em relação a 2023, que registrou R$ 10,2 milhões, mostrando um crescimento do novo mercado na cidade.
Embora o DF ainda não exporte internacionalmente seus vinhos, a capital tem seus rótulos vendidos em parceiros ao redor do país, principalmente no Sul. As vinícolas, que cobrem de verde o horizonte do Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PADF), existem há menos de uma década por aqui e têm crescido mais a cada ano.
Tudo começou com a ideia do casal Ana e Ronaldo Triacca. Sulistas, com família de produtores rurais pioneiros na PADF, Ronaldo sonhava em trabalhar com vinhos e, em 2018, colocou o plano em prática.
"Começamos com apenas um hectare e colhemos nossa primeira safra em 2019. Desde então, nossos vinhos já ganharam prêmios, plantamos muito mais e pudemos construir nosso espaço no Distrito Federal", conta Ronaldo, o pioneiro nas vinícolas do Distrito Federal. "Hoje somos mais de 10 produtores, cada um com seus rótulos próprios. Acredito que ainda temos potencial para crescer muito mais nos próximos anos. Espaço não falta por aqui", celebrou o produtor.
A Villa produziu, no ano passado, 50 toneladas de uvas, divididas em 11 variedades. Com seis rótulos de vinhos na casa, o local, que também é um hotel e spa, oferece visitas para degustação dos produtos, todos os dias de manhã e à tarde. "O nosso sonho já está realizado, que era fazer vinhos de qualidade, mas o meu desejo, ainda, é que essa região seja de fato reconhecida mundialmente, como produtora de vinhos de alta gama, de alta qualidade", conta Ronaldo.
Mercado em crescimento
O vinhedo do casal é um entre os 10 que integram a Vinícola Brasília. Grande produtora de vinhos da capital, a empresa recebe parte da colheita das vinícolas associadas e produz os rótulos, funcionando como uma grande indústria. Para Thiago Alvim, sommelier da Vinícola Brasília, o mercado no DF, que tem menos de uma década de existência, só tende a crescer nos próximos anos.
"Estamos atualmente com 10 sócios e 65 hectares, mas há mais de 40 outros produtores na região. Então é um ramo que está se expandindo bastante e a tendência é que a gente consiga crescer em produção e em número de plantas também nos vinhedos", projeta Thiago. "Temos feito várias degustações às cegas e temos nos saído muito bem. Os vinhos têm sido enviados para várias competições, como o nosso rótulo, o Monumental, que ganhou, ano retrasado, em uma das competições mais importantes do Brasil todo, como o melhor tinto barricado do Brasil inteiro", lembra o sommelier.
De acordo com Thiago, os vinhos de Brasília têm uma característica a seu favor: a técnica da dupla poda, que faz com que a colheita seja feita no inverno e a uva acumule mais açúcar. "Usamos o frio das noites e o calor dos dias, o que faz com que a complexidade dessa uva seja muito alta. Temos um acúmulo maior de taninos e resveratrol, que são substâncias benéficas para a saúde, assim como os ácidos fenólicos", explica o especialista. Segundo ele, o solo argiloso do Cerrado também é um fator para a qualidade do produto final. "Temos uma boa retenção de água, o que deixa o vinho mais vivo, uma vez que a planta se alimenta melhor e gera uma fruta com uma quantidade grande de açúcar, que é revertido em álcool. Então o teor alcoólico é um pouco mais alto, com uma acidez natural por conta dos frios da noite", reitera.
Segundo o pesquisador Tadeu Gracioli, da Embrapa Cerrados, a capital possui condições ambientais e climáticas, além de infraestrutura agronômica e tradição agrícola favoráveis à produção de uvas, tanto para mesa quanto para vinificação. "As altitudes do DF, entre 900 e 1.100 m, proporcionam boa amplitude térmica entre as temperaturas diurnas e noturnas, fator importante para a obtenção de produtividade elevada e de índices importantes para a expressão da qualidade enológica das uvas, como elevados teores de açúcares, acidez equilibrada, desenvolvimento de pigmentos e taninos", explica Gracioli.
Além disso, as condições de elevada luminosidade e baixa umidade relativa do ar durante grande parte do ano são condições climáticas favoráveis para a obtenção de uvas com índices mais elevados de sanidade devido à menor ocorrência de doenças, contribuindo para a produção sustentável dos parreirais", completa.
