
Eles são professores, farmacêuticos, servidores e uma infinidade de profissões, mas quando se reúnem formam uma só voz. Os integrantes do mais antigo coral independente de Brasília, o Cantus Firmus (do latim, canção firme, no sentido de "ponto de referência"), que aos 33 anos, foi o único selecionado da América Latina para o Festival Corais da Áustria, em novembro — quando mais de 1 mil vozes se encontrarão. Há, aí, um sentimento duplo: orgulho desafiador e satisfação pelo reconhecimento, mas apreensão porque o grupo precisa angariar R$ 100 mil para as despesas. Por ser autônomo, não há patrocínio nem apoio extra, o grupo sobrevive por meio das mensalidades que os membros pagam e dos cachês que recebem de espetáculos que não são beneficentes. Porém, é insuficiente.
"Infelizmente, a arte é a primeira atingida quando há falta de recursos. Não à toa, os corais perpassaram ao longo dos séculos graças ao apoio das igrejas e dos palácios, hoje por sorte se ouve muita música, inclusive erudita nas salas de cinema", analisa a regente Isabela Sekeff, cuja tese de doutorado, em fase de produção, trata sobre "Como desenvolver um coro de alta performance fundamentado na gestão e liderança". "O Cantus sobrevive por amor, determinação e muita cumplicidade", afirma.
Sem dúvidas, Isabela conduz o Cantus ignorando que ali estão "não musicistas profissionais", mas 54 amadores dedicados, dos quais 40 estão com malas quase prontas para atravessar o oceano rumo à Áustria. O nível de exigência da regente é elevado que, quando o coral viaja para apresentações no exterior, há quem questione se realmente não é profissional. A ponderação é motivo de comemoração e mais responsabilidade. Até a pandemia, o coral havia conquistado três medalhas de ouro, uma prata, além de três diplomas dourados. (em concursos de coros nos Estados Unidos, África do Sul e Alemanha)
Diferencial
Após três décadas, o Cantus ganhou forma e estilo próprio. Impossível resistir, o Correio acompanhou os ensaios de terças-feiras à noite, a felicidade com que os integrantes interpretam transborda em cada cantor. Para Isabela Sekeff, os diferenciais do coral se sustentam em alguns pilares, que considera básicos: a cumplicidade dos integrantes, o planejamento, a disciplina e o rigor com a técnica, além, claro, da escolha do repertório. Segundo ela, é fundamental mostrar a capacidade de inovar e também de executar peças consideradas difíceis, conquistados com muitos ensaios com o coro misto de afinação, sonoridade, performance e expressividade.
Para as apresentações na Áustria, por exemplo, o coral ensaia a Missa número 6 de Schubert em Mi bemol Maior, a última composição dele antes de morrer, considerada de performance elevadíssima e que exige um nível técnico muito preciso. A regente afirma que estão programados ainda espetáculos em várias igrejas e alguns teatros, tanto em Viena quanto em Salzburg, onde nasceu Mozart.
"Nosso repertório é bastante eclético, vai da desafiadora Missa número 6 de Schubert a Domingo no Parque, do Gilberto Gil; e Aquarela Brasileira, do Ary Barroso, também incluímos sempre Villa Lobos e obras da produção coral contemporânea", conta Isabela, que detalha a programação com brilho nos olhos. "Por onde passamos, as pessoas vibram com a música brasileira. É incrível o quanto a nossa música encanta. Definitivamente, não tem nada igual ao nosso ritmo", reage ela, após mais de 40 anos dedicados à música.
Histórias de vida e perseverança
Após 33 anos, o Cantus Firmus une música e afetos, que o diga a professora de inglês Rita Andrade Moran, 46, e há 27 no coral. Ali, ela deu vazão à paixão por cantar e conheceu o marido, violinista equatoriano, em uma das centenas de apresentações. "A minha história se confunde e foi construída com a do Cantus. Cheguei no coral jovem, conheci o amor, tive dois filhos Eduardo e Teresa, que são muito musicais, e sigo cantando", resume. "Quem me conhece sabe da minha paixão por música sabe até na tatuagem", diz ela, mostrando a arte estampada no corpo. "Eu levo com profissionalismo, que sou totalmente entregue, sem o peso do trabalho."
O farmacêutico Pedro Luís Silva Pereira, 37, e há 11 no Cantus, diz que encontrou na música o equilíbrio e o caminho para desenvolver o lado artístico. Segundo ele, a conquista é diária, sobretudo quando são apresentadas peças de performance elevada, que exigem um aperfeiçoamento técnico de sonoridade e afinação. "É uma paixão pelo canto em conjunto, mesmo tendo estudando o repertório individual, esse contato muda tudo. Esse nosso repertório diferenciado, que é uma diversidade, entusiasma muito", relata.
Para o regente assistente e pianista, Matheus Mota, 26, o Cantus vai muito além do que um coral representa. De acordo com ele, a integração do grupo é tão grande que transmite essa cumplicidade para quem assiste às apresentações. O musicista que nasceu no meio artístico afirma ter certeza que o "ambiente acolhedor" dá um sentido diferente para o conjunto. "O Cantus tem um nível muito alto, inclusive é difícil encontrar uma qualidade artística tão elevada. Aparecem as dificuldades e todos se unem para resolver", observa.
Saiba Mais
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte