SUSTENTABILIDADE

Consumo com propósito: como a moda circular movimenta a economia do DF

Nova geração impulsiona a moda circular em Brasília, movimentando brechós e feiras criativas. A busca é por peças repletas de estilo, identidade, atitude e compromisso com o meio ambiente e a economia local

Jane Cartaxo abriu seu brechó em 2018 e recebe todos os tipos de clientes      -  (crédito:  Bruna Gaston CB/DA Press)
Jane Cartaxo abriu seu brechó em 2018 e recebe todos os tipos de clientes - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

Brechós, bazares e feiras criativas vêm redefinindo o conceito de moda na capital. O que antes era sinônimo de roupa velha e usada, agora é símbolo de personalidade, compromisso sustentável e atitude. O consumo consciente é a nova tendência entre os jovens e adultos do Distrito Federal. 

Layara Gomes, 20 anos, estudante da Universidade de Brasília (UnB), compra em brechós há seis anos. Para ela, a prática é símbolo de consciência. "A moda sustentável é uma forma de prolongar a vida das peças e dar um novo significado ao que já existe. Ela me faz repensar o consumo e valorizar o que já foi produzido, evitando o desperdício e o ciclo do consumo exagerado", avalia.

Layara Gomes frequenta brechós há cerca de seis anos
Layara Gomes frequenta brechós há cerca de seis anos (foto: Acervo pessoal)

Apaixonada por brechós desde sempre, Jane Cartaxo abriu sua marca em 2018, em um pequeno espaço na quadra 406/407 da Asa Norte. Atualmente, o Mania de Brechó cresceu e tem diversos públicos. "Recebo todos os tipos de clientes: desde aquela pessoa que vem fissurada, querendo uma marca, até aquela mais humilde, que quer se vestir bem por um preço menor. Digo que recebo da classe A à F, porque todo mundo vem", conta.

Os jovens estão entre os que mais procuram a loja. "Muitos gostam daquela pegada mais retrô", afirma a empresária. Jane observa que o número de consumidores interessados em moda sustentável vem crescendo: "De três ou quatro anos para cá, acho que as pessoas abriram mais a cabeça, porque, antes, existia um preconceito". Ela destaca a durabilidade das peças de segunda mão. "No varejo, você compra uma calça jeans por R$ 190, R$ 200, mas é uma peça que não dura. Se usar diariamente, não aguenta dois meses. Agora, se comprar uma peça de brechó, de qualidade, vai ter uma calça para o resto da vida. Temos calças ali há mais de 20 anos, intactas. Por isso, é legal a moda sustentável: você consegue itens maravilhosos", ressalta.

A Feira da Lua, que ocorre periodicamente no DF, também valoriza a moda responsável. "Somos, por natureza, um espaço de consumo consciente. Ao reunir produtores locais, marcas independentes e artesãos que criam em pequena escala, o evento incentiva o público a repensar a forma de consumir — valorizando peças únicas, duráveis e feitas com propósito", assinala a idealizadora Ana Cristina. 

Edição recente da Feira da Lua
Feira da Lua reúde produtores locais, marcas independentes e artesãos (foto: Acervo - Feira da Lua)

Crescimento

Rafaella Lacerda, professora do Centro Universitário Iesb, mestre e doutoranda em design pela UnB, afirma que o crescimento de brechós na capital é notável. "Por não ser um polo industrial, o Distrito Federal precisou reinventar suas formas de consumo e produção, e os brechós surgem como alternativa natural nesse cenário. Trabalhar com o produto pronto é uma maneira eficiente de criar economia local, circular e criativa", explica.

No entanto, é um processo que possui particularidades. "O boom atual é muito positivo, mas exige, agora, um novo estágio: segmentação e profissionalização. É importante diferenciar brechós de curadoria vintage, outlets de desapego e projetos de reúso criativo, construindo, assim, um mercado mais maduro e autoral", acrescenta a designer.

A especialista em moda e sustentabilidade da empresa Cora Design, Laura Madalosso, está entre os que acreditam que o aumento no número desses estabelecimentos no DF e em outras cidades do Brasil tem muito a ver com uma mudança de mentalidade em relação ao consumo. "A moda deixou de ser apenas sobre o 'novo' e passou a ser sobre o 'significativo'", analisa.

Ela comenta o interesse do público jovem pelo reúso: "A nova geração busca autenticidade, história e propósito — e o brechó entrega tudo isso: peças únicas, acessíveis e com menor impacto ambiental".

Impacto

Laura enfatiza que a moda é uma das indústrias mais impactantes ambientalmente. E, por isso, a economia circular é necessária. "Da produção de fibras à logística de entrega, o setor consome grandes volumes de água e energia, além de gerar resíduos e emissões. Mas o ponto central é cultural: o modelo de consumo rápido e descartável é insustentável", detalha.

Ao promover a reutilização de roupas e acessórios, os brechós são grande exemplo de economia circular. As lojas que vendem peças usadas prolongam a vida útil dos produtos, evitando seu descarte e combatendo a poluição na indústria da moda. 

Segundo dados do estudo A (re)descoberta da moda seminova no Brasil, do Boston Consulting Group (BCG), o mercado de itens usados pode crescer de 15% a 20%, ultrapassando o valor do mercado de fast fashion, até 2030.

Lucas Jansen, professor universitário da Estácio e pesquisador com interesses em consumo e cultura material, afirma que a moda circular pode gerar novos empregos e fortalecer a economia local: "A economia circular, em nosso contexto, por meio do reparo, da renovação e da reciclagem, permite que pequenos trabalhadores atuem no reúso de peças já existentes, possibilitando negócios locais e valorizando o trabalho artesanal desses produtores". 

De acordo com o Plano Nacional de Economia Circular (2025-2034), lançado pelo governo federal, trabalhadores ligados ao reúso, reparo e compartilhamento — como costureiras, restauradores e empreendedores de brechós — têm papel central na transição para uma economia mais sustentável. O plano prevê a criação de políticas de formação, financiamento e remuneração justa para esses profissionais, reforçando a importância social e econômica de quem atua na moda circular.

Cultura e consciência

Luísa Xaichavö, estudante de direito, costuma consumir apenas roupas usadas ou de marcas éticas e artesanais. "A moda circular e a moda sustentável são parte do ecossistema da cultura de uma população", destaca.

Ela explica a problemática por trás das empresas de fast fashion: "É uma que alimenta a exploração do mercado têxtil. Essas roupas aparecem e são produzidas muito rápido, porque o trabalho que as produz é quase escravo — isso se não for escravo, porque não temos noção de onde vêm, como são feitas, qual é o processo de produção. Sabemos que não são pessoas devidamente pagas".

Vinda do Amazonas, em 2024, Luísa se encantou com o comércio responsável de roupas da capital. "Aqui no DF, vejo que a cultura da moda circular é muito mais forte do que em Manaus, de onde eu vim", conta. Ela abriu uma página no Instagram para divulgar eventos de brechós locais, a @ratadebrecho_bsb.

*Estagiária sob supervisão de Eduardo Pinho

 


  • Layara Gomes frequenta brechós há cerca de seis anos
    Layara Gomes frequenta brechós há cerca de seis anos Foto: Acervo pessoal
  •  09/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mania de Brechó, moda sustentável. Dona Jane Cartaxo
    09/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mania de Brechó, moda sustentável. Dona Jane Cartaxo Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  09/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mania de Brechó, moda sustentável. Dona Jane Cartaxo
    09/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mania de Brechó, moda sustentável. Dona Jane Cartaxo Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  09/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mania de Brechó, moda sustentável. Dona Jane Cartaxo
    09/10/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mania de Brechó, moda sustentável. Dona Jane Cartaxo Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  • Feira da Lua reúde produtores locais, marcas independentes e artesãos
    Feira da Lua reúde produtores locais, marcas independentes e artesãos Foto: Acervo - Feira da Lua
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postado em 13/10/2025 04:00 / atualizado em 14/10/2025 11:04
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