
O sorriso que Nossa Senhora ganhou. É assim que os pais e irmãos de Isaac Vilhena de Moraes descrevem o adolescente, rodeados pelas lembranças que ainda arrebatam os corações. A fé tem sido o alicerce da família para navegar pelo luto. O jovem de 16 anos foi assassinado no parque ao lado de casa, na 112 Sul, em 17 de outubro, após ser atacado por um adolescente armado com uma faca.
Sentados no sofá do apartamento, os pais, o médico e militar da reserva Lucas Vilhena de Moraes, 60 anos, e a enfermeira Jane, 49, relembram as 24 horas que antecederam a morte do filho. "Vivíamos em função do Isaac", reforça Lucas. A mãe conta que, na tarde do dia anterior, uma quinta-feira, passeava com o garoto pela quadra e conversava com ele sobre o quanto o amava.
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Na manhã seguinte, sexta-feira, Jane se levantou às 5h40, como de costume, para organizar o café da manhã do filho. "Ele ia para a escola de van. Até hoje ouço o barulho da van indo e voltando e me lembro todos os dias dele", conta a mãe, entre lágrimas, segurando firme um terço na mão esquerda. "A gente sempre o esperava para almoçar", recordam os dois, em uníssono. Isaac voltou do colégio por volta das 13h. Após a refeição, um breve cochilo antes de ir à aula de musculação, às 15h30. "Eu havia saído para tratar um problema na coluna e, quando retornei, ele já estava em casa, no quarto, estudando. Perguntei se ele tinha comido, e ele disse que sim", relembra a mãe.
Por volta das 18h, Isaac avisou aos pais que iria até o bloco ao lado, para encontrar alguns amigos. Era a última vez que eles o veriam com vida. O casal seguiu para a igreja da entrequadra, a Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, quando receberam uma ligação da madrinha do garoto, também vizinha da família. "Vem para cá agora que aconteceu algo terrível com o Isaac", gritou ao telefone. Ainda sem saber a gravidade da situação, os dois correram para o Parque Maria Cláudia Del'Isola, na entrequadra 112/113 Sul, onde o garoto havia sido atacado por um grupo de adolescentes que levou seu celular.
Lucas e Jane chegaram antes mesmo do socorro, e viram o filho no chão, sem consciência. "Eu cheguei a massageá-lo para tentar reanimar, mas ele estava desacordado", conta a mãe. A família descreve que a chegada do resgate foi confusa. Os primeiros socorristas não tinham um equipamento de reanimação, o desfibrilador externo automático (DEA) e pareciam estar preparados para uma ocorrência de incêndio, e não de trauma. "Quando chegaram, meu filho Edson estava nervoso, o que era normal. Eles estavam fazendo massagem no Isaac e pararam de fazer para brigar com o Edson. O socorrista levantou e foi querer discutir com ele. Eu tive de pedir para ele voltar a reanimar o Isaac", relata Jane. "Foi uma cena de horrores, um verdadeiro despreparo. Todo mundo ficou muito revoltado com a situação e com a demora", completa.
Os pais acompanharam a ambulância dos bombeiros até o Hospital de Base, mas, pouco tempo depois, foram chamados para receber a notícia da morte. A faca atravessou o esterno — osso localizado no tórax — e atingiu a aorta de Isaac. Lucas, hoje na reserva, trabalhou por 30 anos como médico do Exército e segue dando plantões em unidades de terapia intensiva. Diante do ferimento do filho, porém, ele relata que o sentimento era de impotência.
Busca por justiça
Ainda no hospital, os pais receberam da Polícia Civil a notícia de que os responsáveis pelo crime tinham sido apreendidos. "Vi muitos políticos no Congresso falando do meu filho e o homenageando, mas eu acho que a melhor homenagem que podem fazer agora é endurecer as leis. Uma criança que comete crime de adulto tem que pagar como um adulto", defende Jane.
O pedido dela não se refere à redução da maioridade penal, mas, sim, à aplicação de punições mais rigorosas para crimes como o assassinato de Isaac. Jane lembrou que o adolescente autor da facada havia sido preso por tráfico 18 dias antes. "Se tivesse uma lei séria nesse país, ele estaria preso", lamentou. "Se aquele jovem fica preso, ele tem a oportunidade de estudar, de aprender, de amadurecer, de se arrepender", completou.
"O que fizeram com nosso filho não foi um ato infracional, foi um crime contra a vida dele. Eles não quebraram uma janela, eles quebraram a vida do meu filho, quebraram a nossa vida, quebraram a vida dos amigos dele. Tem amigo dele que não está conseguindo dormir", desabafou a mãe.
Lembranças
Isaac entrou na vida do pai, Lucas, quando tinha cerca de 3 anos e ele e Jane se conheceram. Pouco depois, como recorda-se com carinho o militar da reserva, que o menino o chamou pela primeira vez de pai. A partir daí o laço de afeto só aumentou. Depois de passar por quase uma dezena de cidades, em razão do trabalho como médico do Exército, Lucas chegou desconfiado a Brasília, pois achava a cidade estranha. Paulistas, ele e Jane se conheceram ainda no estado de São Paulo. Nascidos em Arujá (SP), Isaac e Edson, filho mais velho de Jane, acompanharam a família na mudança para a capital federal, onde encontraram o refúgio tão sonhado e a sensação de segurança. "Brasília foi um acalanto, olha como a gente muda de opinião", diz o militar.
Foi aqui que, aos 6 anos, Isaac foi registrado como filho de Lucas. "Acho que uma das maiores alegrias foi quando consegui a guarda definitiva, e vi a certidão de nascimento com o meu nome", emociona-se o pai, lembrando que nesse momento o menino ganhou também a irmã que ele sempre pedia, Ana Júlia, filha mais velha de Lucas, que se mudou para Brasília também nessa época.
Corintiano apaixonado, 1,87m de altura, Isaac era fã do Los Angeles Lakers, time de destaque do basquete nos Estados Unidos. No quarto, os ídolos LeBron James, Michael Jordan e Kobe Bryant estampam a parede em quadros que ganhou do irmão, com quem dividia o cômodo. Não à toa, os pais prepararam uma surpresa capaz de deixá-lo sem palavras. E este era um feito desafiador: falante e bem-humorado, Isaac puxava conversa com todo mundo, até mesmo em inglês.
Com a desculpa de que passariam férias em Portugal, Jane e Lucas levaram Isaac, na verdade, para Los Angeles, onde o garoto assistiu a ninguém menos que LeBron jogar na arena do time do coração. Nenhum dos três pôde conter a emoção. "Mãe, está até dormente aqui de tanto que estou feliz", dizia Isaac, apontando para o maxilar.
Irmão sorriso
"O Isaac sempre foi muito desejado por mim", ressalta o irmão mais velho, Edson Avelino Júnior, 28 anos. "Eu era filho único da minha mãe quando ele nasceu. Eu sempre compartilhei e o incentivei a fazer as coisas que eu também gostava. A gente jogava videogame junto, eu conversava com ele sobre a área de TI (tecnologia da informação), em que eu trabalho. Ele se apaixonou e queria trabalhar com isso também", relembra.
"É muito gratificante para mim ter sido um exemplo para ele. Eu dividia o quarto com meu irmão e ele me ajudou muito em algumas crises de ansiedade que tive. Ele rezava comigo, me acalmava", frisa Edson. O irmão faz questão de recordar a educação que a mãe deu aos filhos desde criança, ensinando que não se deve pegar o que é do outro, em referência ao crime de latrocínio sofrido por Isaac.
"Eu era criança e estava com a babá em casa. Meu pai havia deixado um dinheiro para caso precisássemos de algo. Eu peguei o dinheiro e coloquei no meu cofre. Minha mãe fez eu quebrar o meu cofre e devolver o dinheiro, porque não era para mim, era para comprarmos comida", relata. "Desde então, aprendi que não devia pegar nada que não era meu sem pedir", completa.
Os sentimentos ainda se intercalam, entre a revolta e a tristeza. Edson relata que ele, a irmã Ana Júlia, e os pais, se concentram e manter a conexão com o legado de alegria deixado por Isaac, para que consigam respeitar os preceitos da religião. "Estamos sobrevivendo, não fazemos mais planos", ressalta Lucas.

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