
A agressão que vitimou o jovem Isaac Vilhena, de 16 anos, na última sexta-feira, na Entrequadra 112/113 Sul, acendeu o alerta da sociedade e de autoridades sobre a violência no Distrito Federal. Até setembro deste ano, nove pessoas foram mortas em assaltos na capital, segundo o balanço criminal da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). O número é mais que o dobro no mesmo período em 2024, quando quatro pessoas tiveram a vida interrompida por latrocínio, assim como Isaac.
O estudante morreu após ser esfaqueado por reagir a um assalto praticado por um trio de adolescentes, de 14, 16 e 17 anos. Os agressores seguem, desde o crime, internados no Núcleo de Atendimento Integral, onde ficarão por até 45 dias até a decisão definitiva sobre a medida socioeducativa a ser aplicada pela Vara da Infância e da Juventude (VIJ), que já analisa o caso.
Para o cientista político Nauê Bernardo Azevedo, professor do Ibmec Brasília, o aumento da violência nas ruas do Distrito Federal, principalmente envolvendo menores de idade, é reflexo direto de falhas estruturais do Estado e da ausência de políticas públicas eficazes de segurança, educação e inclusão social. "É preciso olhar, ao mesmo tempo, para o futuro, com medidas como educação e oportunidade, e para o presente, com a diminuição das infrações e ataque à impunidade. O sistema carcerário precisa servir para efetiva ressocialização e o mesmo deve acontecer no sistema voltado para adolescentes", explica.
O especialista destaca que o endurecimento das penas e o discurso de "tolerância zero" têm sido respostas simbólicas, sem resultados consistentes na redução da violência. "O país prende muito e prende mal. É preciso pensar em mais soluções que venham antes do crime, após o crime — como a pena —, durante o cumprimento da pena e, principalmente, após a pena", afirma.
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Memória
A perda de um ente querido para a violência deixa marcas profundas e duradouras, que vão muito além do luto imediato. Francisco Régis, 60, perdeu o irmão Maurício, de 17, durante um assalto em 1999 na quadra 315 Sul. "Ele estava bem perto de casa onde um indivíduo roubou a bicicleta e deu dois tiros contra o peito dele. Uma semana antes, havíamos nos encontrado numa missa pelo meu pai, eu olhei para meu irmão e me vi nele. Uma semana depois, ele foi morto. Foi tudo muito confuso e doloroso, e a sensação de injustiça me acompanhou por muito tempo", recorda-se. Ele lembra que, mesmo com apoio familiar e de amigos, a dor permanece quase indescritível. "Senti muita solidão e isolamento, apesar de todo o carinho que recebia. Nada traz uma medida certa para reparar a perda", explica.
Francisco também reflete sobre o impacto da violência na vida das famílias, e como episódios como o de Isaac revelam que o trauma se repete em ciclos dolorosos. "A violência destrói toda a vida da família, não só a pessoa que morreu. Algumas pessoas não resistem e acabam sucumbindo à depressão ou até pior. É um buraco no peito que nunca fecha completamente", avalia. Para ele, os casos trazem uma reflexão sobre as falhas sociais. "São adolescentes que poderiam estar em aulas, esportes, música, oficinas, e acabam sendo levados para o mal. Isso mostra que há algo muito errado em nossa sociedade, que precisa ser revisto, para que tragédias como a do Isaac e Maurício não se repitam", lamenta.
Casos como o do jovem Isaac e Maurício expõem, mais uma vez, a fragilidade da segurança pública no Distrito Federal. "A morte de jovens revela que a atuação estatal precisa ser mais preventiva e menos reativa, com integração entre forças policiais e Ministério Público, além do reforço em políticas sociais", destaca o advogado criminalista Caio de Souza Galvão.
O criminalista ressalta, ainda, que o combate à violência é responsabilidade compartilhada. "A segurança pública só se consolida quando o cidadão se vê como parte da solução e quando o poder público assume, com transparência e continuidade, seu dever constitucional de proteger a vida. Evitar novas tragédias passa por fazer com que o Estado cumpra, de forma efetiva, sua função mais essencial", destaca.
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Para o advogado Vitor Sampaio a sensação de insegurança aumenta quando não há previsibilidade, presença qualificada da polícia e comunicação direta com a população. "Quando o cidadão encontra patrulha previsível no seu trajeto, atendimento que media conflito e resposta rápida, o medo diminui. O desenho das ruas também importa: iluminação pública, manutenção de praças e fomento a atividades culturais e de lazer reduzem oportunidades para o delito", explica. Para ele, frear a escalada da violência exige atacar as raízes do problema, com escola integral de qualidade, acesso ao primeiro emprego, esporte e cultura no contraturno. "Sem essas portas de entrada para a vida, a rua vira sala de aula do crime, e o 'recrutador' mais rápido continua sendo a criminalidade", completa.
Paradoxos da criminalidade infanto-juvenil
Matheus Chiocheta, advogado, diretor de Relações Institucionais do Instituto De Garantias Penais (IGP)
No ano de celebração aos 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), os últimos dados do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescente no Brasil, lançados em agosto 2024 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que, de 2021 a 2023, 15.101 crianças e adolescentes morreram de forma violenta no país, e a maioria das vítimas consiste em adolescentes com mais de 15 anos. A criminalidade que aparenta ser crescente entre menores, portanto, se caracteriza mais bem como uma constante.
Os últimos acontecimentos que envolvem atos infracionais análogos a crimes perpetrados por menores no Plano Piloto de Brasília (e adjacências) são graves e demandam apurada análise e tratamento pelo Poder Público e pelas entidades de segurança. A resposta do enforcement estatal foi efetiva e precisa, porém não deve esta existir como única engrenagem para uma pretensa resolução do problema - a qual seria tão somente simbólica.
O cometimento em si de "crimes" por menores, consiste em tema complexo e multifacetado, que envolve desde a presença estatal na promoção de políticas públicas voltadas à cidadania e a conscientização de jovens periféricos, até o mapeamento educacional e a capilarização de mecanismos de qualificação e de inserção profissional. A juventude em geral, ao mais, está inserida no contexto sensível do universo digital, que promove a ausência de barreiras à exacerbação de condutas ilícitas e o ilhamento social, uma vez que este ambiente relega o jovem a uma falsa realidade (que é apenas a sua), o que serve para acentuar a desigualdade social.
O fatos ocorridos podem ensejar a inflamação da resposta penal como único meio capaz de "resolver" ou de dar fim com as tragédias vividas, momento em que se deve ter em mente que o Estado não é a vítima, e que não se elimina o perigo do seio social. As graves situações ensejaram maior preocupação da sociedade e das entidades de segurança pública, na medida em ocorreram em território sensivelmente imune a tal espectro de violência. É necessário voltar as atenções ao lugar-primeiro de onde decorrem tais comportamentos, e redobrar o cuidado quanto aos exílios sociais e a invisibilidade social impingida à jovens que só emergem quando ameaçam a ordem pública ou quando atingem registros policiais, sob pena de se retornar ao estado de coisas do Código de Menores (Decreto nº 17.943/1927).
Cabe ao Estado e a sociedade em geral o compromisso pela promoção de direitos fundamentais voltados ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, devendo ser esta a razão norteadora das ações coletivas em prol da infância e da juventude - especialmente periférica -, em prestígio à proteção integral, protagonista primeira do ECA.
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