Existem diversas opções, no Distrito Federal, para quem busca se aventurar no mundo do Role Playing Game — jogo de interpretação de papéis, conhecido popularmente como RPG — e nos boardgames, jogos de tabuleiro. Como forma de combate ao estresse, ansiedade e depressão, esses jogos coletivos são uma ótima alternativa de lazer na capital.
Lívia Silva, de 17 anos, joga RPG há dois anos. Ela conta como o jogo a conquistou: "Meu pai já jogava RPG, o famoso D&D — focado em alta fantasia medieval, mas o que me conectou verdadeiramente foi um amigo meu que me apresentou a uma série nacional de RPG chamada Ordem Paranormal. A forma sincera e comovente em que os personagens se conectam me comoveu e incentivou a participar".
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Depois de assistir à produção audiovisual, ela se tornou "mestre" do jogo, uma espécie de narradora e árbitro. "Sempre amei escrever histórias, então fazia sentido 'mestrar' RPG", conta.
Para Lívia, o jogo é uma forma de conexão entre pessoas. "No ano em que comecei a 'mestrar' para amigos, senti que nos conectamos como nunca antes, conversávamos sobre o rumo da história, teorias e senti que, até os mais tímidos, começaram a se soltar com o tempo e se conectar cada vez mais uns com os outros e com a história", diz ela, sem esconder a alegria.
Saúde mental
Além de ser uma opção de lazer e oportunidade de criar laços de amizade, o RPG e os boardgames podem ser benéficos à saúde mental dos jogadores. A psicóloga e professora universitária Thayene Belo explica como ocorre esse processo: "Eles são excelentes ferramentas para o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais, especialmente na adolescência — uma fase marcada pela busca de identidade e pertencimento".
A profissional explica ainda que essa vivência simbólica favorece o aumento da autoconfiança e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento emocional, além de proporcionar alívio de tensões por meio da narrativa e do engajamento coletivo. "Essas experiências ajudam o adolescente a aprender a se posicionar, a ouvir o outro e a trabalhar em equipe, resolvendo conflitos e fortalecendo sua capacidade de convivência", complementa Thayene.
No caso do RPG, a vantagem pode ser ainda maior, uma vez que auxilia no processo de autoconhecimento para quem joga. "O RPG oferece uma oportunidade dinâmica e criativa de explorar o próprio mundo interno, por meio da imaginação. Ao interpretar personagens e viver outras realidades, o jogador acessa metáforas, emoções e dilemas que refletem aspectos de si mesmo — muitas vezes de forma mais livre e menos ameaçadora do que em conversas diretas sobre seus conflitos. Esse distanciamento simbólico favorece a expressão emocional, a autorreflexão e o autoconhecimento. O jovem pode experimentar novas formas de reagir, resolver problemas ou se relacionar, sem o medo do julgamento ou das consequências reais", revela a especialista.
A prática, no entanto, exige equilíbrio para não se tornar escapismo excessivo. "É um risco possível, especialmente quando o jogo passa a ser usado como uma forma de fuga constante da realidade. Os jogos, como qualquer outra atividade prazerosa, precisam de intencionalidade e limites para que não se tornem um meio de evitar emoções, responsabilidades ou relacionamentos da vida real. Quando o jogo perde o propósito de expressão e conexão, e passa a funcionar como refúgio para o isolamento, deixa de ser saudável e começa a afastar o jovem, cada vez mais, do mundo real. O equilíbrio está na mediação adequada. É importante definir tempo, frequência e objetivos claros para a atividade, garantindo que ela aconteça dentro de limites saudáveis e supervisionados", conclui Thayene.
Locais
Aos interessados, existem algumas alternativas, em Brasília, de lugares ideais para a prática de RPG e jogos de tabuleiro. Localizado na 407 Norte, o Carcassonne Pub está entre as opções mais visitadas. O gerente Gabriel Cantieri, de 28 anos, conta como surgiu a ideia da criação: "A ideia veio da paixão que os donos sempre tiveram por jogos. Numa viagem, eles perceberam que alguns cafés deixavam uma biblioteca à disposição dos clientes. Então pensaram em abrir um restaurante em que deixassem à disposição dos clientes sua coleção pessoal de jogos. Transformar o hobby em negócio foi como juntar o útil ao agradável".
"A casa de jogos é um ambiente mais descontraído do que seria um simples café. A depender do jogo que estiver na mesa pode transformar uma simples conversa em interação de competitividade, cooperação ou até em discussões acirradas, mas tudo de uma maneira leve e em um ambiente acolhedor", explica.
Segundo ele, a casa tem públicos diversificados: "O Carcassonne recebe público de todas as idades e tribos. Desde famílias comemorando aniversários, ou casais que se conhecem por aplicativos, como pessoas que vão após o trabalho para um ambiente mais relaxado. Existem jogos de interesse para todas as pessoas, jogos simples, jogos complexos e de estratégia, jogos para rir, etc".
A Ludoteca BGC é outro local interessante para a prática de jogos de tabuleiro na capital. Com funcionamento de terça a domingo, na 208 Sul, o espaço surgiu por uma vontade de inovar o cenário dos boardgames da época.
Um dos proprietários, André Sagovia, de 38 anos, diz que possuem uma freguesia recorrente: "Temos uma turma que bate cartão aqui toda semana. Alguns dos grupos se formaram de forma orgânica entre os clientes, outros pela internet. Tem grupos que se encontram em dias específicos (tipo toda terça ou sábado), e tem os grupos que se formaram através de eventos sazonais que sediamos, como a Candango Geek, que é uma feirinha que rola todo fim do mês e que junta a comunidade do cosplay".
Com encontros bimestrais, a D30 RPG é um evento gratuito para amantes do jogo, em que a cada edição um desafio novo é lançado aos mestres do RPG. Ricardo Mallen, de 49 anos, é um dos sócios e conta como o RPG ganhou notoriedade nos últimos anos: "Durante a pandemia de covid-19 houve um boom dos jogos de RPG via Stream com o Critical Role, e o Cellbit, aqui no Brasil, com o Ordem Paranormal. Logicamente muitos dos jovens chegam até o encontro procurando uma experiência parecida com os streamers, e a experiência pode ser bastante diferente em vários aspectos. Mesmo assim, ainda temos novos participantes que chegam ao encontro por causa dos streamers de RPG, o que é muito bom, pois eles trouxeram bastante desses jovens que não conheciam o jogo para esse universo".
Mallen relata que a experiência do público é sempre muito positiva: "Temos um Universo de RPGs para todos os gostos, alguns inclusive que trabalham empatia e resolução de conflito em vez de combate. Temos várias pessoas que falaram com a gente, seja porque foram no encontro, ou porque ouviram nosso podcast, sobre quanto o nosso trabalho teve um impacto positivo em suas vidas. Esse reconhecimento é o que nos faz continuar e acreditar que realmente o nosso hobby é importante. Somos muito gratos por isso tudo".
*Estagiária sob supervisão de Tharsila Prates
