O Distrito Federal registrou um aumento de 0,5% na situação de insegurança alimentar entre 2023 e 2024, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na tentativa de reverter as estatísticas, comunidades urbanas promovem, com hortas comunitárias, uma alimentação saudável em meio aos prédios e asfalto do DF.
No Paranoá, a Horta Urbana Comunitária Cantinho da Coruja nasceu da necessidade de trazer uma alimentação mais saudável para as crianças participantes do Instituto Social Maior, projeto social de futebol para a meninada da comunidade. "Os pais começaram a procurar a gente pedindo ajuda com doação de alimentos e cestas básicas. Foi então que começamos a limpar um espaço vazio e plantar", relata Eduardo Santos, criador do projeto. Hoje, a horta produz frutas, verduras, legumes e hortaliças, e funciona como ponto de educação ambiental. "Nós queremos mostrar para as crianças e para os adultos a importância de comer coisas verdes, de se alimentar bem e conhecer de onde vem o alimento", diz.
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O projeto atende diretamente crianças do futebol e famílias da comunidade. "Todo mundo da comunidade pode vir aqui, deixar sementes, ajudar a plantar. É aberto e gratuito. Além do futebol e da horta, temos a cozinha solidária, onde oferecemos jantar para os alunos toda sexta-feira com o que plantamos na horta", explica Eduardo. Ele ressalta que a iniciativa ainda não tem tanto engajamento da comunidade geral, mas desistir não é uma opção. "Seguimos na luta todos os dias, mostrando a importância da alimentação saudável e da educação ambiental para a comunidade e mostrando que isso também é para eles, é para toda a comunidade", destaca.
Transformação
Há 20 anos, a horta comunitária do Girassol, em São Sebastião, vem transformando não apenas a paisagem, mas também os hábitos alimentares de quem vive na região. O espaço surgiu em 2005, quando a comunidade decidiu reagir a um surto de hantavirose que atingiu o bairro, então marcado por dois lixões. "A gente resolveu limpar e plantar alguma coisa para evitar que o pessoal voltasse a jogar lixo para que os ratos não ficassem andando por aqui e transmitindo o vírus", relembra Hosana Alves do Nascimento, 53 anos, fundadora e responsável pela horta.
Além do cultivo de hortaliças e frutas sem agrotóxicos, o espaço promove cursos de capacitação e oficinas que ensinam desde o plantio até o aproveitamento integral dos alimentos. "A gente mostra que tudo pode ser usado: o talo da beterraba, o umbigo da bananeira, o palmito da banana. A ideia é ensinar a se alimentar melhor, gastando menos", explica Hosana. "Também ensinamos sobre plantas medicinais e buscamos incentivar o reaproveitamento dos alimentos", completa.
O impacto do projeto ultrapassa os limites da horta. Uma das ações que fortalece a rede é o sistema CSA — Comunidade que Sustenta a Agricultura —, no qual moradores pagam uma cota mensal e recebem cestas de orgânicos toda semana. "Nos unimos com outros produtores e montamos uma cesta orgânica que os assinantes recebem todo mês. Tem cliente com a gente há mais de cinco anos, não largam de jeito nenhum", conta. Hosana também criou o quintal produtivo, uma iniciativa que leva o conhecimento até a casa das famílias, ensinando a cultivar alimentos em pequenos espaços, mesmo sem recursos. "A gente vai às casas e ensina desde o plantio até a colheita, na tentativa de uma alimentação melhor e com produtos orgânicos. O que começou para evitar a doença, hoje virou meio de alimentação e educação ambiental", celebra.
Mobilização
A comunidade do Guará também busca, por meio da horta comunitária, uma alimentação mais saudável para a população. Criada em 2010, a ideia nasceu de um projeto público com o objetivo de promover alimentação saudável e engajamento social. No entanto, a falta de mobilização local fez com que a iniciativa se perdesse até ser revitalizada, em 2017, pela engenheira ambiental Diana Ribeiro. "Ela queria fazer algo mais representativo para a comunidade, algo que tivesse um impacto real na vida das pessoas", conta Elza Aparecida Pereira, uma das líderes do projeto.
Atualmente, a horta funciona como um importante ponto de encontro para quem busca uma alimentação mais natural e acessível. "O alimento orgânico é caro no supermercado, mas aqui as pessoas podem levar o que ajudaram a plantar", explica Elza. A cada encontro, os voluntários colaboram com o plantio, o manejo e a colheita, e recebem parte dos produtos cultivados, como alface, couve e temperos.
Além de garantir acesso a alimentos frescos, o espaço também fortalece o senso de comunidade. "As pessoas chegam, doam seu tempo, veem a semente crescer e sentem prazer em contribuir. A horta traz liberdade, pertencimento e fraternidade", afirma Elza. Para ela, o sucesso da horta é prova de que pequenas ações coletivas podem transformar a relação das pessoas com o alimento. "Quando a gente compartilha o que sabe e o que colhe, todo mundo cresce junto", conclui.
