
A autorização concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nesta quarta-feira (19/11), para que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realize estudos com a planta Cannabis sativa foi o tema do CB.Agro, parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília, desta sexta-feira (21/11). A permissão é exclusiva para pesquisa científica e segue regras rigorosas de controle.
Na conversa com os jornalistas Mariana Niederauer e Roberto Fonseca, a pesquisadora e secretária-executiva do Comitê Permanente de Assessoramento da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa em Cannabis, Daniela Bittencourt, destacou que a permissão para as pesquisas pode transformar a plana em uma nova cultura agrícola no país, além de impulsionar o desenvolvimento de tecnologias e abrir espaço para novos setores da indústria nacional. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual o impacto dessa decisão da Anvisa para a pesquisa com cannabis no Brasil?
A Embrapa discute esse tema internamente há algum tempo. Criamos um grupo de trabalho para avaliar o potencial da planta no agro e, a partir disso, estruturamos um programa de pesquisa em cannabis, por entendermos a importância de participar desse debate. Afinal, é uma cultura agrícola. Com a autorização, abre-se uma grande oportunidade para oferecer respaldo técnico às discussões que hoje pautam a regulamentação da cannabis no Brasil.
Um dos pontos mencionados na decisão é a ampliação e o fortalecimento da cadeia produtiva. Como isso funciona hoje no país e de que forma a pesquisa pode contribuir?
Hoje, não podemos dizer que existe uma cadeia produtiva estruturada, já que o cultivo da cannabis é proibido no Brasil. Nosso objetivo é desenvolver toda a cadeia, do plantio ao produto final, tanto no uso medicinal quanto no industrial. O cânhamo, por exemplo, permite a extração de fibras de alta resistência, com potencial para diversas áreas da indústria e para a criação de novos biomateriais. Fortalecer essa cadeia significa gerar informação tecnológica, desenvolver cultivares específicas e aprimorar sistemas de cultivo, ações que podem agregar valor, gerar empregos e atender novos setores. A ciência tem muito a contribuir nesse processo.
No caso da Embrapa, como o trabalho começa? Quais serão os primeiros passos?
A autorização abrange três projetos estruturantes em três unidades da Embrapa. O primeiro, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, trata da criação do banco de germoplasma e da caracterização genética, etapa essencial para o melhoramento genético. Os outros dois seguem nessa linha: a Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS), conduzirá o melhoramento para fins medicinais; e a Embrapa Algodão, em Campina Grande (PB), para fins industriais.
As pesquisas vão ocorrer forma integrada?
Sim, vamos trabalhar em rede. Um projeto complementa e alimenta o outro.
Existe a perspectiva de parcerias internacionais?
Isso é algo que estamos prospectando internamente em nosso comitê permanente. Realizamos reuniões com grupos internacionais, pois precisamos aproveitar a expertise deles. Não tem como ignorar. Estamos atrasados em relação a alguns países que estudam cannabis há décadas. Então, para ganharmos velocidade, parcerias e trocas com pesquisadores internacionais são fundamentais.
O projeto é financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Esse ambiente de financiamento para pesquisa foi importante para conquistar a autorização?
Esse suporte é essencial, especialmente para uma pesquisa sobre uma cultura que ainda está engatinhando no Brasil. Então, esse aporte financeiro é fundamental. Como mencionei, neste primeiro momento, apenas três unidades da Embrapa foram autorizadas, mas a nossa visão é ampliar essa rede. Nosso objetivo é expandir a rede de colaboração, envolvendo universidades, outros institutos de pesquisa e também o setor privado, que frequentemente nos procura com demandas e desafios tecnológicos.
Estamos falando sobre a autorização da Anvisa e também há um processo em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que trata da regulamentação do plantio do cânhamo para fins medicinais. Como esses dois temas se conectam?
Muito. Há uma relação direta. Todos aguardamos com expectativa essa regulamentação, cujo prazo foi prorrogado pela Anvisa para 31 de março de 2026, dada a complexidade do tema. Esperamos uma norma inclusiva, que contemple não só a cannabis medicinal, mas, também, o cânhamo industrial, fibras, sementes, biomateriais e o aproveitamento de coprodutos, como a biomassa resultante da extração de flores. Há, ainda, o uso veterinário, igualmente relevante. Para avançar em todas essas frentes, a regulamentação é essencial. A pesquisa existe para contribuir, oferecendo respaldo técnico e científico para que os órgãos reguladores estabeleçam um marco seguro e abrangente.
Então essa regulamentação poderia ser mais ampla do que apenas o cânhamo para fins medicinais e farmacêuticos, que é o foco do processo no STJ?
Exatamente. Ela pode e deveria ser mais ampla. Isso traria tranquilidade e segurança jurídica para todo o setor.
E dá para falar em avanços em políticas públicas a partir dessa pesquisa? Como ela pode ajudar governos a definirem metas?
A pesquisa ajuda a ampliar a diversidade de produtos disponíveis, a garantir qualidade sanitária, a trazer mais segurança ao paciente. Também pode impulsionar novos estudos clínicos, ampliando a gama terapêutica da cannabis, gerando novos medicamentos para patologias que ainda não têm indicação comprovada. Quanto mais conhecimento técnico tivermos, mais acessível esse mercado tende a ficar e maior a segurança para o usuário.
Assista à entrevista na íntegra:

Cidades DF
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