
A cabelereira Lorrany Stephane Ribeiro de Oliveira, 27 anos, iniciava mais um dia de trabalho sem imaginar a tragédia que se anunciava no momento em que precisou deixar a filha, de 1 ano e 4 meses, sob os cuidados de alguém. Após os familiares com quem costumava deixar a bebê avisarem que não poderiam naquele dia, ela tomou a decisão que mudaria, da forma mais dolorosa, a sua vida. "Eu só precisava trabalhar e, agora, minha filha não está mais comigo". O desabafo, em meio às lágrimas, é da mãe de Laura Rebeca Ribeiro Dos Santos, que morreu por asfixia provocada pelo cinto do bebê-conforto, segundo laudo preliminar divulgado ontem, em uma creche irregular em Ceilândia, na tarde de quinta-feira.
"Como me indicaram essa moça, eu dei uma credibilidade. Perguntei se ela poderia ficar com a Laura só ontem. Ela disse que sim, que eu podia confiar", relatou Lorrany, que pagou R$ 50 pelo serviço. Segundo a mãe, a cuidadora afirmou que havia câmeras na casa, oferecia alimentação e enviaria informações ao longo do dia. A mãe contou que, por volta das 13h, recebeu o alerta de que uma criança mais velha estaria batendo nas menores, o que aumentou sua preocupação. "Falei: 'Por favor, toma cuidado com a Laura'. Ela respondeu que estava de olho, que minha filha estava em boas mãos e que ninguém tocaria nas 'crianças dela'", lembrou.
Após o almoço, Lorrany voltou ao trabalho, mas logo foi informada por uma colega que a filha havia se machucado. Preocupada, ela foi ao local e, ao chegar, encontrou equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentando reanimar a menina, sem sucesso. "Eu fiquei do lado dela enquanto tentavam reanimar. Ela estava geladinha", lembrou, em meio às lágrimas.
Lorrany afirma ter recebido diferentes versões da cuidadora sobre o que teria acontecido. "Uma hora, ela disse que deu comida e a Laura dormiu no bebê-conforto, e não acordou mais. Depois, falou que o bebê-conforto estava caído de frente, com o cinto no pescoço dela. Acontece que esse bebê-conforto não é meu. Minha filha chegou lá no carrinho dela. A cuidadora a colocou nesse equipamento. Em outra, que saiu para levar crianças na escola e deixou a Laura com o marido", contou.
A mãe também afirma que a cuidadora não conseguiu explicar o ocorrido quando a polícia chegou. "Ela chorava muito e embolava nas palavras. Eu não sei o que aconteceu. Só a perícia vai dizer", ressaltou. A mãe nega boatos de que a bebê teria chegado ao local doente. "Laura era saudável, alegre, amada por todos. Minha nenenzinha, meu amor. Crio ela sozinha e precisava trabalhar. Confiei. Infelizmente, minha filha não está mais comigo", lamentou.
A principal linha de investigação, guiada pela 24ª Delegacia de Polícia (Setor O), indica que a criança morreu sufocada com o cinto de um bebê-conforto, onde estaria deitada. O sepultamento ocorre hoje, às 9h, no Cemitério Campo da Esperança, em Taguatinga.
Investigações
A investigação sobre a morte da bebê segue dependente da perícia e de novos depoimentos para a determinação da dinâmica do caso. Na tarde de quinta-feira, peritos e investigadores retornaram ao imóvel onde funcionava a creche irregular para coletar evidências e tentar reconstruir os acontecimentos que levaram à morte de Laura. Segundo informações, no momento do ocorrido, oito crianças, além de Laura, estavam no local.
A Polícia Civil (PCDF) aguarda, agora, a extração das imagens das câmeras de segurança instaladas nos principais cômodos da casa. Os equipamentos foram apreendidos e devem auxiliar na elucidação da dinâmica do caso. A família prestou depoimento ontem. A ocorrência foi registrada como homicídio culposo, e a cuidadora responsável pela criança foi ouvida e liberada. O marido da cuidadora será ouvido no início da próxima semana.
O advogado criminalista Guilherme Gama explica que a cuidadora pode ser responsabilizada tanto na esfera penal quanto na civil pela morte da criança na creche irregular. Segundo ele, deixar a bebê sozinha em um bebê-conforto mal posicionado pode ser considerado violação do dever de cuidado.
Além disso, mesmo funcionando de forma informal, o simples fato de receber uma criança mediante pagamento gera obrigação legal de proteção. "Se houver comprovação de falha na vigilância, a responsável pode ser condenada a indenizar os pais por danos morais e materiais", destaca.
O especialista ressalta que a clandestinidade do espaço agrava a situação. Isso porque a ausência de alvará indica descumprimento de padrões mínimos de segurança, o que costuma elevar o valor de indenizações em decisões judiciais. "O funcionamento sem autorização reforça a imprudência e facilita a responsabilização criminal e civil", explica.
A reportagem procurou a cuidadora responsável pela creche irregular, mas não obteve retorno. A casa onde funcionava o berçário, estava vazia. Em depoimento, a mulher relatou que a bebê teria chegado sonolenta. Ela disse que saiu de casa pouco antes do almoço para resolver um problema pessoal, deixando as crianças com o marido — prática que, segundo afirmou, era comum. Antes de sair, teria alimentado Laura, trocado a fralda e a colocado para dormir em um cômodo separado, usando um bebê-conforto apoiado sobre um colchão no chão.
Quando retornou, contou ter alimentado as crianças maiores e ido ao quarto onde a bebê estava. Disse que a encontrou dormindo e, logo depois, saiu para separar sabonetes para o banho. Ao voltar, o bebê-conforto estava caído e a criança apresentava tremores. Assustada, retirou a menina do equipamento e chamou o Samu, mas os socorristas constataram o óbito no local.
Funcionamento irregular
Laura estava apta para uma vaga na rede pública de creche desde 12 de março deste ano, e ocupava a 38ª posição de uma lista com 90 crianças inscritas na Coordenação Regional de Ensino do Setor O, da Ceilândia. Segundo a Secretaria de Educação, ao todo, 4,5 mil crianças esperam vagas para creches públicas do DF, mas nem todas são elegíveis, porque as mães fizeram a matrícula antes de o filho completar a idade mínima de quatro meses, informou a SEDF.
A pasta informa também que o Relatório de Gestão do Conselho de Educação do DF (CEDF) identificou, em 2025, 40 instituições de educação infantil funcionando de forma irregular. O DF Legal foi acionado para adoção das medidas cabíveis. Atualmente, o DF conta com 655 creches regularizadas, sendo 382 privadas e 273 com oferta pública — entre rede direta, instituições parceiras e unidades atendidas pelo Programa Cartão Creche (PBES).
A Secretaria reforça que não há previsão legal para creches domiciliares. Em nota, a pasta afirmou ainda que, ao tomar conhecimento do caso, determinou uma visita técnica ao local. Procurado, o DF Legal informou que irá verificar a situação e tomar as providências cabíveis.
O presidente do Conselho de Educação do Distrito Federal (CEDF), Álvaro Moreira Domingues Júnior, explicou que, para funcionar legalmente, uma creche precisa apresentar documentação completa da pessoa jurídica, como CNPJ, contrato social e licenças de órgãos como Corpo de Bombeiros (CBMDF) e Vigilância Sanitária, além de dois documentos centrais: o projeto pedagógico e o regimento escolar.
"As creches credenciadas são visitadas, avaliadas e depois, sua autorização de funcionamento é publicada no Diário Oficial (DODF) publicadas oficialmente. Todo esse processo é público e transparente", afirmou. Ele reforçou que a lista das instituições autorizadas está disponível no site da Secretaria de Educação.
Sobre o déficit de vagas, Álvaro informou que o DF atende hoje cerca de 10,9 mil crianças em creches conveniadas e públicas, de um universo aproximado de 12 mil que procuram vagas — número que varia ao longo do ano.
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Ana Carolina Alves*
Estagiária na editoria de CulturaEstudante de Jornalismo na Universidade de Brasília, apaixonada por cinema e pelas histórias que moldam a cultura. Atualmente, estagiária na editoria de Cultura.

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